quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Alegre, candidato independente?

Começo por uma confidência: não votei em Manuel Alegre nas últimas eleições presidenciais. Uma das razões que concorreu para essa minha (não) decisão deve-se à minha interpretação crítica relativamente à ideia que este candidato quis passar segundo a qual a sua candidatura constituia uma alternativa de voto independente dos partidos políticos, o que consubstanciava a novidade de, finalmente, termos em eleições presidenciais em Portugal uma candidatura autónoma e um exercício de cidadania não comprometida com forças de poder.
Ora, um espectador mais atento não esquecerá que o seu nome chegou a ser proposto no interior do partido a que pertence para ser o candidato oficial do PS. Alegre hesitou, invocou a necessidade de ponderação profunda face à elevada responsabilidade do cargo de chefe de Estado, etc. Não sei se tal hesitação terá resultado em impasse e, assim, ter contribuido para que se começasse a pensar em outras alternativas e a mobilizarem-se influências no sentido de persuadir outras figuras socialistas, como Mário Soares.
Independentemente da importância efectiva disso no decurso dos acontecimentos, estou convicto de que a decisão oficial de apoio a Soares, tomada ainda durante o período de ponderação de Alegre, levou a direcção do PS a ajuizar que o problema do nome do candidato estaria resolvido, face ao peso político e histórico de Soares no seio do partido, e que tal decisão iria congregar pelo menos um consenso, mas nunca unanimidade (Soares havia, poucos meses antes, dito «Basta!» à actividade política), potenciador de uma campanha competitiva que afrontasse o «passeio pela Avenida da Liberdade» que a candidatura de Cavaco Silva configurava. Sócrates enganou-se e sobrestimou a indecisão inicial de Alegre que, aglutinando em torno de si um conjunto de figuras relevantes do PS (Alberto Martins, Helena Roseta, Maria de Belém Roseira, para só citar alguns), sentiu ter o apoio suficiente e necessário para ousar apresentar também a sua candidatura. Parecia que a eleição para eleger o secretário-geral do partido estava ainda bem fresca e assistiamos agora a uma sequela da mesma (Alegre concorreu com Sócrates e João Soares e obteve, se não me engano, 16%).
Se novidade pode ter havido nestas eleições presidenciais, foi a inédita apresentação de dois candidatos oriundos das fileiras do PS - não há fome que não dê em fartura... Alegre continuou filiado ao partido, não abdicou da sua posição de deputado da Assembleia da República, de que é até um dos membros mais antigos e, por conseguinte, um dos responsáveis pelas decisões políticas e de governação do PS (afirmou que, se fosse preciso, votaria o actual Orçamento de Estado ao lado do seu grupo parlamentar). E como se isso não bastasse, o candidato-poeta em momento algum neste processo eleitoral deixou de fazer parte da Comissão Nacional do PS. Onde está a independência ou o descomprometimento de Alegre? Como pode julgar ter sido o percursor de um movimento de cidadania, se teve consigo a mobilização de um sector significativo, mesmo que silencioso e discreto, do partido? Não terá esse facto facilitado muita coisa (angariação de fundos, signatários da candidatura e respectivas certificações, planificação de campanha) que, a não ser assim, inviabilizaria a sua vontade?
Portanto, a candidatura de Manuel Alegre alimentou uma falácia a que muitos eleitores não deram importância, se é que alguma vez interpretaram os factos como eu os interpreto.
Por último, Manuel Alegre não evitou a discursividade meramente retórica, destituída de conteúdo e substância, a que outros candidatos também reduziram as suas intervenções de campanha, com a agravante de, a propósito de certas matérias relevantes, Alegre debitar generalidades difusas reveladoras de ignorância sobre as mesmas e/ou ausência de posicionamento político claro e consequente.
P.S. (não PS) - i) Não esqueço que Alegre votou contra a extinção do serviço militar obrigatório; ii) Curioso, contrariando uma prática onomástica portuguesa, não adoptar o nome abreviado de Manuel Duarte ou Melo Duarte (mas isto já é mesquinhez da minha parte)...; iii) O milhão e tal de votos que obteve ainda não se extinguiu? Julgará Alegre que isso é estrutural e não apenas conjuntural? Cavaco Silva perdeu rotundamente em 1996...

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