Ide parir em Espanha!
No âmbito da tempestade propagandística com que o governo tem assolado o país, anunciando uma plêiade de medidas que presumivelmente visam a reforma da administração pública e a reestruturação dos serviços prestados pelo Estado, encontra-se uma decisão que me deixa perplexo e que, como português, só me pode envergonhar. Se há escolas do 1º ciclo que vão justificadamente fechar (mas não deviam ser tantas quantas as divulgadas, pois os critérios uniformes e apertados, que foram adoptados, não discriminam positivamente especificidades regionais e geográficas que mereciam ser tidas em conta), o encerramento de alguns estabelecimentos hospitalares revela também que o controlo do défice se vai continuar a fazer sem olhar a outras prioridades que não as de ordem meramente economicista.
Sendo um preceito consagrado na Constituição, cabe ao Estado garantir a existência de um serviço nacional de saúde. Encerrar maternidades como a de Elvas constitui não só uma perda de direitos dessa população, com laivos de inconstitucionalidade, como igualmente um claro e indesculpável retrocesso civilizacional. Este governo faz exactamente o contrário do que deveria, fazendo com que, de futuro, cada vez mais portugueses tenham naturalidade espanhola, o que fere a idoneidade e a dignidade da nossa autonomia e soberania e pode cimentar irreversivelmente as já graves assimetrias económicas, sociais e demográficas entre o litoral e o interior de Portugal, e acentuar o fosso existente ao comprometer o desenvolvimento sustentado de ambos.
Invocar como argumentos o número reduzido de partos e a impossibilidade de assegurar a qualidade dos serviços causada pela dispersão de recursos materiais e humanos, já de si escassos, é a prova provada de duas coisas: i) a obsessão de controlo do défice é prioritária e ii) continuará a ser feita sacrificando os do costume. Há portugueses de 1ª e de 2ª. Porque não investir antes mais na formação universitária em medicina, aumentando o número de vagas (que há décadas é, essa sim, deficitária)? Não será uma aberração um Estado desresponsabilizar-se do facto de restringir os locais onde se pode nascer no seu solo, em condições medicamente assistidas? Pode o Estado exigir aos elvenses (e aos outros portugueses de 2ª também abrangidos com esta infeliz medida) o pagamento dos mesmos impostos que cobra aos portugueses de 1ª? Poderá Elvas (e as outras localidades discriminadas negativamente) orgulhar-se de, daqui a duas gerações, ter como naturais apenas idosos e os que incidental e precocemente nascerem dentro de uma ambulância circulando nas artérias da cidade a caminho do hospital/maternidade mais próximo, ou em outra circunstância análoga?
Faço esta crítica sendo insuspeito, pois, embora trabalhe há oito anos na Beira Interior, depois de dois anos no Alentejo profundo, sou do litoral (resido em Leça da Palmeira) e, por outro lado, tenho a nacionalidade de Camões e não nasci em solo luso, não me sentindo menos português por isso. Simplesmente me repugna que um governo que se diz socialista (o 1 de Abril já foi anteontem!) incentive a centralização e a desertificação, aumentando a tendência para o fluxo populacional e a fixação demográfica no litoral caótico, desordenado e sobrecarregado. E todos sabemos os custos sociais que esse fenómeno migratório implica nos centros urbanos...
De um governo de esquerda espera-se o respeito por padrões de decisão e acção compatíveis com uma ética de serviço público e não a demissão das responsabilidades sociais que tal ética configura e pressupõe. Mas é esta a esquerda neoliberal e moderna, que se diz moderada e nos governa, e na qual arrogantemente José Sócrates vai trauteando: "Ó Elvas, ó Elvas, Badajoz à vista!"
Etiquetas: Política
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