Referendar a IVG - 6ª parte
Não poderá ficar tudo na mesma após a realização deste referendo - basta de referendos sobre esta matéria! É necessário que os cidadãos eleitores expressem maioritariamente nas urnas um inequívoco "sim" de apoio à alteração da lei em vigor, a qual é injusta e gravemente desajustada da realidade social. O actual Código Penal é um obstáculo a uma maternidade livre e consciente, e desconsidera a importância devida à saúde sexual e reprodutiva: trata as mulheres como criminosas e sujeita-as ao desespero acrescido de terem de recorrer aos circuitos clandestinos e inseguros, com todos os riscos e perigos que precárias condições de higiene comportam.
A IVG até às dez semanas, realizada em condições de higiene e segurança, deve ser um direito e um último recurso juridicamente salvaguardado, pois ser pai e mãe não poderá nunca ser uma imposição, mas sim um desejo assumido no contexto de uma vivência conjugal conducente a um enriquecimento pessoal e afectivo. É essa a função social da progenitura.
10. AS IMPERTINÊNCIAS FALACIOSAS DOS ARGUMENTOS RELIGIOSOS
Os argumentos religiosos que se possam invocar para esta discussão são despiciendos, inócuos, desadequados e infelizes, a vários níveis: i) axiológico, pois os valores atinentes ao progresso civilizacional baseiam-se na plausibilidade e universalidade do discurso racional e não na irracionalidade dogmática de crenças (ou serão crendices?) anacrónicas, obsoletas e circunscritas a um domínio particular de fé; ii) sociológico, pois, por exemplo, se se fizesse um cálculo à quantidade de pílulas contraceptivas vendidas e a dividíssemos pelo número de mulheres em idade fértil, decerto questionaríamos se Portugal é deveras, e em rigor, maioritariamente católico (a Igreja romana opõe-se à contracepção oral, ao aborto e ao preservativo); iii) retórico, na medida em que a crença e o discurso religiosos assentam no 'pathos' discursivo, na afectividade e carga emotiva a que fazem proeminente apelo, em vez de se basearem no 'ethos' discursivo (a razoabilidade e objectividade do conteúdo argumentativo); e iv) histórico, porquanto representa um retrocesso a tempos de medievo teocentrismo, com os perigos que tal atitude comporta em termos de decisão político-jurídica comprometida, mesmo que no passado, e oficialmente, a Igreja papal não se tenha pronunciado alguma vez contra o aborto.
Curiosamente, um estudo recente da Associação de Planeamento da Família concluiu que a percentagem de mulheres que realizaram um aborto voluntário depois das 16 (!) semanas é superior entre as praticantes de uma religião (21%) do que entre as não praticantes (8%)!
Etiquetas: Política
3 Comments:
Olá professor. Sou a Liliana Matos(fui sua aluna na ESEN Viseu da turma 12ºC,no ano lectivo 2005/2006).
Fui sempre a favor da despenalização do aborto, no entanto, agora como estudante de enfermagem deparo-me com um dilema. Dizem-me que, como futura profissional de sáude, devo defender a vida. Concordo que a vida se defenda, mas também defendo a liberdade de escolha.
Quero exercer(pela 1ª vez) o meu direito de voto, mas estou dividida.
Apenas quis partilhar com o professor este meu dilema.
Até a uma próxima!
P.S. Nunca me esqueço quando no dia 8 de Junho de 2006 nos disse : "Os amigos não dizem adeus.Dizem até sempre."
Olá Liliana! Claro que me lembro de si. Dificilmente me esqueço dos meus alunos, mormente os mais aplicados, como foi o seu caso :)
É óbvio que a Liliana deve defender a vida, mas será que um aglomerado de células totipotentes, indiferenciadas, sem sistema nervoso constituído, é um ser humano? Já sabe qual a minha opinião. Serão estas células mais importantes que a liberdade de escolha de uma mulher adulta que, essa sim, é uma vida humana?
Decida em consciência e, qualquer que seja o seu sentido de voto, não deixe de votar. Mesmo sabendo que os dilemas não têm solução categórica ou absoluta.
Boa estreia nas urnas, e continuação de um curso feliz!
Até sempre, minha amiga!
... E vá dando notícias. Bjis
Darei notícias.Obrigado
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