Um drama chamado Portugal
Multiplica-se na comunicação social a divulgação de casos judiciais, em curso ou já transitados em julgado, os quais têm promovido os juízes a protagonistas principais dos confrangedores filmes da actualidade noticiosa em Portugal, repisando recorrentes cenários de repórteres no ar e em directo defronte dos solenes edifícios 'domvs ivstitiae'. Aliás, os figurantes lusos chegam mesmo a elevar magistrados à categoria sebastiânica de salvadores da pátria, como é o caso de Maria José Morgado ou a esperança incontida na designação de um novo Procurador-Geral da República.
Nos últimos meses, as aberturas de telejornais e as manchetes dos jornais remetem repetidamente para uma mediatização da justiça. Diversos factores concorrerão para tal opção de alinhamento noticioso: há falta de acontecimentos para preencher o labor jornalístico e que paralelamente potenciem a liderança nos índices de audiência (seguindo a velha máxima de que «quanto pior, melhor!»); Portugal é constituído por demasiados cidadãos irresponsáveis que não merecem a democracia em que se movem; a abjecta ilegalidade e ilicitude de comportamentos abrange todos os sectores da vida nacional (da política ao desporto, da cunha à violência física); a Justiça é lenta, ineficaz e tantas vezes injusta (os juízes lavram sentenças irrealistas, sobrepondo a frieza exangue e abstracta da lei à necessidade de análise humanística e casuística dos processos); o exercício efectivo e saudável da democracia implica uma sociedade crítica e esclarecida, que a ingente iliteracia e défice de formação - escolar e cívica - dos portugueses contrariam e que tornam o regime democrático incompatível com este canto peninsular; o poder político e a generalidade das instituições encontram-se desacreditadas, devido à corrupção e à precariedade crescente das condições sócio-económicas de produção e de vida (recibos verdes, desemprego, flexigurança...); etc..
A conjugação destes e outros factores concorrerão certamente para o coevo drama social português. Pessoalmente, vejo neles um fundo de pertinente plausibilidade e a Justiça não me inspira confiança: veja-se, por exemplo, o arquivamento injustificado de processos, as possibilidades dilatórias que a lei confere aos causídicos, as provas de culpa grave sentenciadas com penas brandas e/ou mesmo suspensas e o prolongado arrastamento dos julgamentos, alguns chegando à prescrição...
Ser português é um exercício de cidadania cada vez mais complexo e exigente e o pântano sócio-judicial que nos cerca diariamente só pode ser evitado não comprando jornais, não vendo telejornais ou através do exílio! Apetece mesmo dizer: «Tirem-me deste filme!»
Etiquetas: Sociedade
2 Comments:
Pois, e se o caríssimo amigo cibernauta for a um local chamado Barcelona, ficará com toda a certeza que a vida, feita de tantas feliciades como o amor, os filhos, o desafogo económico, o tempo-livre, as pessoas, é real lá e deprimente aqui. Isso leva-nos ao eterno dilema: emigrar?
Para usar outro cliché... É mas é uma telenovela mexicana ... com falta de "Pesos" e tudo.
Desculpa-me a interactividade tardia mas houve um problema informático e não só.
Abraço
MF
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