sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Referendar a IVG - 8ª parte

Finalmente, a campanha para o referendo sobre a IVG chega ao fim. Termina uma coisa que nem sequer devia ter começado, pois o Parlamento tem autoridade legal e legitimidade política para legislar acerca desta polémica e delicada matéria, e não o fez, delegando num dispensável escrutínio popular o que cabe ao poder político fazer. Com a decisão de referendar a despenalização do aborto até às dez semanas, o governo de Sócrates fomentou a divisão da sociedade e expôs demasiado um drama que só à consciência individual cabe resolver, abrindo feridas e conflitos, alimentando a poluição sonora causada por um despudorado e atávico argumentário conservador que insiste em deixar hipocritamente as coisas como estão.
É um gasto de dinheiro desnecessário num país pobre, e não é por haver referendo que a parte vencida vai deixar de, a médio prazo, ressuscitar a questão e voltar a reivindicar a sua posição de alteração da lei, bastando chegar ao poder e ter a coragem de o assumir em programas de governo apresentados nos períodos de campanha. Por outro lado, há o risco de, mais uma vez, o referendo não ser vinculativo devido a uma abstenção superior a 50%: com isso, questiona-se inadvertidamente a continuidade da validade democrática do instituto do referendo e desautoriza-se a responsabilidade cívica dos eleitores que compareceram nas urnas de voto.
Por mim, os referendos, já que se realizam, deviam ser todos vinculativos, independentemente do número de votantes. Além disso, devem continuar a ser um instrumento de decisão política consagrado na Constituição, mas referentes a matérias que interfiram claramente na vida de todos os cidadãos, como a soberania nacional ou a divisão administrativa do país. O aborto é, claramente, uma questão de consciência moral individual e afecta uma parte residual dos cidadãos. Se se referenda o aborto, a eutanásia ou o casamento homossexual (o exemplo espanhol tem, infelizmente, servido de pouco), então mais importante é referendar o aumento do IVA sobre os bens essenciais, ou o encerramento de valências médicas e unidades de saúde, pois estas sim, são questões que interferem no quotidiano da totalidade dos cidadãos. Ora, cínica e cobardemente o poder político não faz isso, referendando-se o importante mas acessório, em vez do essencial e que não tem a ver estritamente com a consciência individual.
Mas cumpramos o nosso dever, com o zelo de quem preza a democracia e concluamos o jogo que começou a ser jogado. Eu voto:

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