sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Irmãs da desgraça

Os falaciosos argumentos anti-IVG esgrimidos por altos membros do clero português e outras personalidades mediáticas ligadas ao catolicismo, motivaram-me a seguinte reflexão.
Embora eu seja convictamente ateu, considero a religião uma forma humana de configurar o sentido da existência que, na sua função espiritual e psicológica, é plausível, legítima e não prejudicial. Ou seja, a religião (natural ou positiva) fornece conforto espiritual e protecção emocional à comunidade de crentes.
Porém, há uma evidente e subversiva instrumentalização das religiões por parte dos poderes instituídos, Estados e Igrejas. Enquanto instituições, as Igrejas das diversas confissões organizam a religião como plataformas de intermediação com a transcendência, de poder idiossincrático e de controlo social. Daí que seja necessário distinguir o fenómeno «religião» da superestrutura «igreja», seja qual for a ortodoxia (hindu, judaica, cristã, islâmica, etc.).
Mas culpabilizar a religião também é muitas vezes um subterfúgio estratégico - retórico e/ou político - usado pelos que se querem eximir de responsabilidades políticas ou humanitárias. Isto porque conflitos variados, como o do Médio Oriente entre judeus israelitas e islamistas palestinos, sempre existiram ao longo da História; as guerras são factos recorrentes no tempo e no espaço, remontando aos alvores da humanidade, quando os credos religiosos nem sequer estavam ainda constituídos. A vontade de guerrear, inerente à vontade de poder, de território, de competição, é intrínseca ao Homem e releva, afinal, da sua original condição animal.
Genericamente, as guerras realizam-se em nome de ambições desmedidas pela posse de bens e território, concomitante com interesses económicos que têm a ver com a apropriação e exploração de recursos naturais; ou resultam de situações pré-existentes de dominação, produtoras de injustiças, pobreza, segregação, ódio, desespero e discriminação.
Se hoje as guerras têm um carácter mais abrangente e universal nas proporções que assumem e na escala da sua divulgação mediática, isso deve-se sobretudo ao avanço tecnológico proporcionado pelo coevo arsenal de saber e conhecimentos acumulados pelo Homo sapiens sapiens.
Ora, como construção humana que é, o fenómeno «religião» potenciou a emergência de organizações que mais não são do que formas seculares e terrenas de a concretizar. As «igrejas», sendo inelutáveis criações humanas, espelham a sede de poder e imiscuem-se em todas as áreas da vida social, mesmo nas que não lhe deviam pertencer, tudo "em nome de Deus". Pelas leis que adoptam, as comunidades humanas são, directa ou indirectamente, radical ou moderadamente, teocracias específicas.
É aqui que as guerras e a religião se entrecruzam, quais irmãs da antropológica desgraça: ambas procuram respostas, decorrem do instinto de sobrevivência, de preservação e do medo da morte (e de outras formas de anulação), do desconhecido, do imprevisto, da precariedade e contingência, da necessidade de demandar certezas e ritualizar rotinas e processos existenciais. Não surpreende, portanto, que as «igrejas» promovam, manipulem e sejam responsáveis por tantas atrocidades históricas, que actualmente persistem, consolidando-se como justificação que sustenta e impulsiona opções e acções, em contextos sociais, políticos e económicos de determinadas mundividências.
E, assim, faz-se a História, com a graça de Deus!

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1 Comments:

Blogger morffina said...

Este deus não tem graça nenhuma e é no mínimo incompetente para não lhe chamar outra coisa.

Abraço
MF

12:46 da tarde  

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