quinta-feira, março 15, 2007

Cinefilia / 1

"Little Children"
"Little Children" é a segunda longa-metragem de Todd Field e transcende uma simples encenação de relacionamento entre vizinhos: é uma atenta e sarcástica reflexão sobre a condição de adulto, a partir de personagens densos e pouco convencionais e reféns das suas obsessões. De facto, este filme comporta um olhar avesso às convenções sociais e instala um desconforto enraizado na banalidade da rotina entendiante e opressiva do quotidiano.
O título em português, "Pecados Íntimos" é particularmente perverso pelo sensacionalismo subliminar mais subordinado a critérios de marketing, não obstante as curtas cenas de sexo tórrido. Porque é de «crianças grandes» que trata o filme; são adultos confrontados com os dilemas da sexualidade na cumplicidade de "pecados íntimos" em ambiente de vizinhança de uma classe média americana: um pedófilo compulsivo (magistralmente interpretado por Jackie Earl Haley) e a sua carinhosa mãe idosa; um adultério refrigerador e bálsamo para a solidão entre uma mãe desajeitada e um desempregado acomodado na sua função de pai (Kate Winslet e Patrick Wilson); uma nova dependência sexual do marido ausente e potenciador da traição da esposa (Gregg Edelman); a frieza do alheamento conjugal pela subtracção afectiva e a voragem do ciúme e da suspeição (Jennifer Connely); o polícia antecipadamente reformado e consumido pelo fel da intolerância e recalcamentos profundos (Noah Emmerich)...
No fundo, desnuda-se no filme o artificialismo de relações sociais, com todo o seu cortejo psicológico de falsa moral (veja-se o diálogo feminino sobre o carácter de Madame Bovary), frustrante fidelidade e demencial perseguição do adultério.
É muito boa a direcção de actores e a composição das imagens, seguindo Todd Field a estratégia em voga de um entrelaçamento narrativo e fixando-se na crueza das interpretações pontuadas por uma voz off de Will Lyman portadora de uma ambígua serenidade que perturba. É claramente um argumento de "neurose mainstream", baseado no livro homónimo de Tom Perrotta, que constrói situações credíveis e de intensa complexidade. Todd Field dá-nos um olhar humano sobre as expectativas de felicidade que subestimam a felicidade que já possa existir.
"Little Children" é um filme interessante e que nos expõe como seres emocionais, cujos sonhos e aspirações nos podem castrar como pessoas, desocultando a radical fragilidade que nos define, nas margens da angústia e nas malhas da culpa que nos despersonaliza. A ver! [3 em 5]

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1 Comments:

Blogger morffina said...

We'll always be little children!

Abraço
MF

10:11 da manhã  

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