terça-feira, abril 24, 2007

O inferno são os outros

Foi aprovada recentemente uma proposta da Alemanha que visa proibir, na União Europeia, teses negacionistas do Holocausto nazi, proposta essa que teve a oposição da Irlanda, do Reino Unido, da Dinamarca, da Suécia e da Finlândia, que invocaram o pertinente argumento de essa iniciativa germânica violar a liberdade de expressão.
Com efeito, é indiscutível que a «shoah» foi uma medida genocida e bárbara que industrializou a morte e radicou na patológica futilidade de concepções etnocêntricas, eliminando metódica e selectivamente milhões de pessoas com base em torpes critérios discriminatórios de origem étnica, racial, cultural, religiosa, inclinação sexual, etc.; é indiscutível que a existência de correntes histórico-ideológicas negacionistas instrumentaliza a prática democrática para veicular e salvaguardar a prática de proselitismos adversos e inimigos da democracia; como é inegável que o incitamento à xenofobia, ao chauvinismo, ao racismo e a ódios étnicos são actos ética e moralmente censuráveis.
Porém, há já muitos países democráticos, tolerantes e defensores dos direitos humanos, que punem legalmente o incentivo e as prédicas ostensivas de tais idiossincrasias socialmente nefastas e, por outro lado, é preciso não esquecer que querer proibir teses que negam a "solução final" nazi pode ser contraproducente, por ter o efeito perverso de vitimizar e reforçar a radicalização de tais concepções, violando o princípio democrático supremo da liberdade de expressão e de opinião. É que a fronteira entre delito de opinião e divergência política é demasiado ténue e ninguém pode contornar a sombra que de nós se projecta...
Outras objecções ainda se poderiam colocar e não foram prudencialmente consideradas: por exemplo, não terá o Gulag comunista cometido as mesmas atrocidades e não terão os seus milhões de vítimas um equivalente estatuto moral? Não se estará a estabelecer artificialmente escalas comparativas destituídas de rigor ou equidistância nos juízos éticos que se fazem, e assim discriminar barbáries mais próximas no que as assemelham do que nas diferenças que as distinguem? O terror nazi fascista foi mais criminoso do que o terror soviético comunista?
Temo que, às vezes, sob o pretexto de motivações filantrópicas e humanistas, se cometam graves injustiças irreflectidamente assumidas, tornando a emenda pior do que o soneto. Isto porque o inferno há-de ser sempre o(s) outro(s) e a estupidez humana um defeito sem remissão!

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2 Comments:

Blogger O Micróbio II said...

Deixo aqui uma frase que li em tempos no "Velho da Montanha": "Apenas nos resta, de forma civilizada e tolerante entender que cada um tem direito aos seus valores, sejam eles quais forem, pois essa atitude é na sua essência a verdadeira “alma” da Liberdade que tanto apregoamos e tão dificilmente concedemos.(...)nem hoje nem amanhã, e o meu conceito de Liberdade não me permite admitir que meia dúzia de idiotas arroguem para si um valor que não estão dispostos a conceder aos outros, senão nos seus próprios termos"... e lá voltamos nós de novo às caricaturas de Maomé!

4:24 da tarde  
Blogger morffina said...

É lixado! Não se pode proibir os que proibem!

1:26 da manhã  

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