quinta-feira, novembro 15, 2007

Um vulcão em Leça

Dos 6 aos 36 anos de idade vivi em Leça da Palmeira, freguesia matosinhense que, por razões óbvias, considero a minha terra. Ainda lá vou com frequência quando visito os meus pais. Lembro-me perfeitamente de a zona urbana de Leça ser bem mais exígua da que hoje existe, tendo-se registado nas últimas duas décadas uma explosão urbanística e demográfica que transformou a face desta freguesia: os espaços verdes que existiam na minha infância e adolescência deram lugar a construções em altura, vivendas, prédios de apartamentos, cooperativas de habitação, condomínios abertos e fechados, bem como a equipamentos outrora inexistentes, como a escola secundária, a Exponor e uma zona desportiva contígua à zona industrial em imparável expansão. Nem o pulmão da cidade, a Quinta da Conceição, parece resistir à voragem da implacável ocupação humana, demitindo-se a autarquia da sua preservação e manutenção.
A sua localização geográfica - fica ao lado do Porto - e as boas acessibilidades (como a Ponte Móvel agora renovada e por onde se chega a Matosinhos e ao Metro, ou a A28, que rapidamente nos conduz ao aeroporto de Pedras Rubras e à fronteira de Valença), a proximidade ao Parque da Cidade e às catedrais de consumo da moda (o Norteshopping, o Continente, o IKEA, a Moviflor, a AKI, a Staples, stands de automóveis da zona industrial do Porto), os bares e restaurantes que enriquecem a oferta de lazer e atraem muitas pessoas dos arredores da área metropolitana, as praias que, apesar de ventosas e com uma qualidade de água que já conheceu melhores dias, enchem a marginal no Verão, entre outros aspectos, fazem de Leça uma das zonas mais caras e de maior especulação imobiliária da área metropolitana do Porto. Aliás, muitos leceiros meus amigos de infância e adolescência tiveram de procurar residência na Maia, na Senhora da Hora, em Perafita ou em Rio Tinto, aí constituindo as suas famílias com menos encargos imobiliários.
Mas o Porto de Leixões e a Refinaria da Galp são, indubitavelmente, os grandes motores económicos de Leça da Palmeira e do concelho. Se o primeiro se integra pacificamente na comunidade e na paisagem (não obstante o intenso tráfego de camiões que implica), já a refinaria levanta problemas. Com o crescimento do perímetro urbano, a habitação chegou até paredes-meias com esta gigante área de refinação de petróleo, que deixou de estar relativamente afastada das áreas residenciais. Ou melhor, a vergonha nacional que é a falta de planeamento urbano e a corrupção existente no poder local, levaram a esta situação em que se estabeleceu uma tão inusitada vizinhança e assim se ampliasse a ameaça de potencial bomba que esta refinaria hoje representa.
Depois das descargas ilegais e impunes nas praias, foi agora a vez, no passado dia 12, de uma explosão no seu interior - não é a primeira. Com frequência, e sobretudo a coberto da noite, as torres expelem fumos negros e espessos, exalando cheiros desagradáveis e intensos e depositando pequenas manchas de gordura na chapa e vidros dos carros. A refinaria é, sem dúvida, o cancro de Leça da Palmeira, um problema de saúde subordinado a imperativos económicos dificilmente contornáveis.
O perigo que constitui a Refinaria da Galp não me parece ter sido devidamente equacionado pelas autoridades e, por conseguinte, é toda uma importante região fortemente habitada e industrializada que está entregue às mãos da sorte que protege a falibilidade humana. Este complexo petrolífero pode ser comparado a um vulcão adormecido; oxalá continue o vulcão nos braços de Morfeu...

2 Comments:

Blogger morffina said...

Se o Morfeu gostar tanto de Leça como o Morffina não havará problema.

5:13 da tarde  
Blogger Ai meu Deus said...

Passei 2 vezes, recentemente, pelo sítio. Arrepiei-me. Intensamente.

12:04 da manhã  

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