Dar aulas às cadeiras
O Estatuto do Aluno recentemente aprovado no Parlamento, e as caricatas peripécias de desmentidos, recuos e omissões que comportou, são a enésima prova da desorientação política e da dissonância cognitiva com a realidade que, em matéria de educação e ensino, caracteriza o trio de ignorantes que lamentavelmente tutela a praxis escolar deste país adiado. Entre outras imbecilidades, não dar relevância às faltas dos alunos é o inédito delírio e a última loucura irresponsável que nos coube em sorte e a demonstração de que a qualidade do ensino público é uma preocupação menor da dona Lurdes e do seu ministerial par de jarras.
Ao desvalorizar a assiduidade discente, desvaloriza-se o grau de exigência, o rigor sequencial dos conteúdos programáticos e a natureza essencial da avaliação contínua; desvaloriza-se a importância socializadora e fulcral do contexto de sala de aula e do saber-ser; contradiz-se a necessidade e obrigatoriedade das aulas de substituição (uma anedota entre anedotas), bem como se contraria o alarmismo em torno da neófita exigência de o Director de Turma ter de informar os encarregados de educação à primeira falta injustificada (uma no cravo e outra na ferradura, como convém!); penaliza-se o aluno assíduo e cumpridor e desculpabiliza-se a preguiça, e o incompetente absentismo dos faltosos; sobrecarrega-se ainda mais o trabalho dos professores com esta nova categoria de alunos e os novos exames que é necessário elaborar e a que estes protegidos com o patrocínio «lurdesiano» terão de se submeter (será possível conceber que um aluno que falta frequentemente seja bem sucedido num exame sério?) e associa-se a realização de um exame ao rol de castigos com que se pode penalizar um aluno, desvirtuando desse modo o vínculo nobre que um teste devia ter com o saber...
E é assim que os saberes vão sendo irresponsavelmente relegados para plano secundário, quando deviam ser o elemento privilegiado das políticas educativas. Com a dona Lurdes e a horda de «pedabobos» e congéneres teóricos das «ciências (?) da educação» que pervertem e distorcem a nobreza dos princípios educativos e formativos e que pululam pelos corredores do Ministério com o beneplácito governativo, há um dado cada vez mais incontornável: se, dantes, alguns alunos pertencentes a classes sociais desfavorecidas, como eu, podiam aspirar à mobilidade social ascendente (tornarem-se médicos, arquitectos, professores, engenheiros, advogados, etc.), hoje, os alunos desses estratos não passarão de analfabetos funcionais ou ignorantes diplomados, facilmente preteridos no mercado de trabalho em favor dos demais (consulte-se os rankings) - e ainda falam hipocritamente de igualdade de oportunidades...
No limite, passa agora a ser possível ter aproveitamento sem ir às aulas e os professores passarem a dar as aulas às cadeiras (únicas entidades que poderão estar junto às mesas). Grão a grão, a Lurdes desmantela a pública Educação!
2 Comments:
então... se o chefe da banda tirou a licenciatura ao domingo (em que não há aulas porque há missa), porque é que os alunos não hão-de poder tirar assim um simples diploma do secundário?
saberes?! o que é lá isso?!
As cadeiras tirariam mais proveito do que alguns alunos que são burros que nem uma porta.
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