A congregação de São Cifrão ou o Estado de cócoras
Os beatos confrades do capitalismo puro e duro reuniram-se pela segunda vez (um mal nunca vem só e às vezes repete-se!) no Convento do Beato, para mais uma convenção cujo propósito, tal como há dois anos, é fazer lóbi a favor do sector privado e anatemizar o sector público, identificando-o como o exclusivo responsável pelo atraso e decadência nacionais e entrave à produtividade, à competitividade e à flexibilidade, a santíssima trindade da perspectiva neoliberal tão difundida pelo paradigma das políticas económico-financeiras protagonizadas pelo G8.
A levar a sério as propostas dos endinheirados administradores, gestores, bancários, empresários, académicos e demais membros deste conclave (estranho não haver gente carenciada no seio de tão benemérita, ilustre e influente corporação), Portugal passaria a ser visto como uma grande empresa com fins lucrativos e os portugueses passariam a ser seus clientes e funcionários a recibo verde e avençados, e já não cidadãos... O Compromisso Portugal insere-se num quadro de valores ideológicos vincadamente de direita (fazem até dos militantes do PSD e do CDS simples meninos de coro ou aprendizes de direita), em que, por detrás de uma aparente preocupação social e sensibilidade humanista, se esconde e prevalece a lógica economicista consubstanciada na defesa de uma política de despedimentos e privatizações em grande escala, que reduzem o Estado a uma dimensão apenas simbólica e minimalista: os arautos deste beatífico movimento propõem coisas como a alteração do actual modelo de Segurança Social, baseado num sistema de repartição, para um sistema de capitalização (que, é claro, favorece os mais favorecidos); a introdução de gestores nos tribunais e o aumento da quota de escolas privadas de 12 para 25% (a Educação é, acima de tudo, um negócio e não um serviço!); a redução de 200 mil (!?) funcionários públicos (quando o número destes, em Portugal, não é superior ao de muitos países desenvolvidos da OCDE), confundindo excesso de efectivos com irracionalidade na distribuição dos mesmos pelos vários serviços públicos; ou a privatização da CP, da APL, da TAP e da EDP...
É pôr o Estado de cócoras e reduzido a uma insignificância subserviente em sectores vitais, que despertam o voraz apetite da congregação de São Cifrão!
Estas miríficas soluções para Portugal recordam-me as palavras mordazes e de incontida raiva que, no volume 3 dos seus «Cadernos de Lanzarote», José Saramago dirige aos apologistas desta cartilha capitalista e que, permitam-me, gostaria de partilhar:
"(...) privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo... E, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos."
Etiquetas: Política
2 Comments:
Acho que sei quem ela é.
Abraço
MF
O problema maior não é haver estas reuniões de confrades: é ela corresponder aos ventos que correm por aí. Quero dizer, ao poder instituído. Isso é que nos lixa (com ph de pharmácia. Ph muito grande).
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