terça-feira, novembro 14, 2006

O falso liberalismo da direita

Na Europa, sabemos que a dicotomia esquerda/direita faz sentido para classificar a prática política, em função do entendimento divergente sobre o papel funcional e interventivo do Estado na regulação da vida social e individual. Ideologicamente, a direita advoga, em traços gerais, a menor intervenção possível do Estado e o correlativo incremento da predominância do sector privado e o respeito pelas liberdades individuais, ou seja, que o Estado não interfira na livre escolha do cidadão.
Porém, a direita assenta os seus princípios num liberalismo restrito e redutor e, afinal e paradoxalmente, opressor do conceito lato de liberalismo: restrito e redutor, porque, na prática, restringe e reduz as escolhas individuais e a importância do poder de iniciativa ao estrito domínio económico; opressor, porque é prosélito de um conservadorismo que subordina novas escolhas e modernas tendências à caduca rotina da tradição. Com efeito, é ridiculamente contraditório defender-se a liberdade de escolha do papel higiénico que se compra na loja que quisermos, e ser-se contra a liberdade de escolha em opções pessoais absolutamente fundamentais, por terem a ver com a intimidade (por exemplo, a despenalização do aborto, a legalização da eutanásia ou o casamento de homossexuais). Enfim, decisões que apenas a adultos que cumprem a lei e pagam impostos diz respeito e em nada interferem na vida e nas escolhas de outrem.
Pegando num exemplo, não será o casamento homossexual também um contrato privado, com os mesmos direitos e deveres, como o culturalmente convencional casamento heterossexual?
É que, no debate ideológico, político ou filosófico, temos de ser consequentes e consistentes: se se defende o primado do individual e da liberdade sobre o colectivo e o centralismo estatal, então, logicamente, não se pode fazer oposição ao direito de abortar, de não querer sofrer irreversivelmente ou de escolher o parceiro com que se partilham a cama e os fluídos orgânicos. O entrave à lucidez na configuração de uma sociedade realmente justa, fraterna e livre, por parte da direita, radica na intromissão de obsoletas tradições religiosas e/ou sócio-culturais, com rotinas instituídas e dogmaticamente aceites e fundadas em ineptos preconceitos e anacrónicos interditos morais.
Intelectual e civicamente desonesta, a direita, partidária do "não" a direitos individuais fundamentais, incorre ainda noutro equívoco ao trair um princípio enunciado por John Stuart Mill, um dos ideólogos e teóricos do liberalismo, quando, no seu livro «Da Liberdade», asseverou que o preconceito da maioria não pode limitar os direitos de cada um!
Como se vê, ser de direita não equivale a pensar direito...

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2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Já viste as ruas direitas que há por esse país fora?

Abraço
MF

4:22 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Já viste as ruas direitas que há por esse país fora?

Abraço
MF

4:22 da tarde  

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