terça-feira, janeiro 16, 2007

Referendar a IVG - 3ª parte

4. UMA HISTÓRIA DE CONTRAPRODUCENTE RESISTÊNCIA À MUDANÇA

Decorre do exposto no ponto anterior desta argumentação, a ideia inequívoca de atraso cultural que por cá subsiste, numa matéria tão delicada e socialmente importante: estarmos ainda a discutir a problemática da despenalização do aborto até às dez semanas é sintomático de uma sociedade preconceituosa, tacanha e curta de horizontes, que nada faz para mudar o estado de coisas, que insiste em não querer saber se prevenir e ajudar quem se encontre nessas situações é melhor do que penalizar e criminalizar.

Mas este referendo é revelador também de uma sociedade que não assume a radicalidade das mudanças consequentes e efectivas, preferindo a moderada e injustificada perpetuação de um estado de coisas onde se entranha o cinismo cruel e a alvitante hipocrisia de uma atitude contraditoriamente instituída que pretende ignorar que o aborto se pratica e praticará, mesmo com leis que o penalizem. É como quando, por exemplo, no século XIX, se discutia a plausibilidade da escravatura ou a possibilidade de as mulheres poderem votar, engrossando muitos as fileiras do 'não'; ou, no séc. XX, em pleno Estado Novo, haver mentes ousadas a questionarem timidamente a subordinação do papel da mulher em relação ao homem, a que muitos também estavam conformados!

É que, dados do Ministério da Saúde, indicam objectivamente que, em 2006, os serviços públicos de saúde atenderam 6000 (!) mulheres devido a complicações provocadas por abortos mal feitos: destes, cerca de 5000 resultaram de abortos autoprovocados pela ingestão deliberada de medicamentos com efeitos secundários abortivos; e cerca de 1000 decorreram de abortos mal feitos em sítios ilegais.

Basta de assobiar para o lado e fingir que nada se passa de preocupante. Até quando Portugal vai divergir de outros países socialmente desenvolvidos, continuando a pôr em risco a saúde e a vida de muitas mulheres, sobretudo daquelas que não têm dinheiro para um atempado e correcto planeamento familiar (mormente num país carente de tantos meios logísticos e humanos!) e para recorrerem a boas clínicas no estrangeiro e serem acompanhadas pelos seus médicos particulares? Para quando pôr termo ao mercado negro do aborto clandestino, verdadeira actividade paralela lesiva da igualdade de direitos e de oportunidades, constitucionalmente consagrada?

As respostas e alternativas do lado do 'não', pela falta de realismo e pragmático conhecimento dos factos, são hoje obscenas!

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2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Professor obrigada pelo artigo sobre a interrupção voluntária da gravidez, foi uma grande ajuda no ensaio que irei fazer sobre o polémico tema.
Concordo plenamente com o 'Sim'...
Gostei muito do seu blog e dos artigos aqui tratados.


Cumprimentos*

7:47 da tarde  
Blogger morffina said...

Fala-se tanto em vida quando não se quer saber da vida das pessoas. É duma incoerência.

Mais um grande post, Miguel!

Abraço
MF

7:59 da tarde  

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