segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Agora SIM!

Surpreenderam-me positivamente os resultados do referendo sobre a IVG: o «sim» teve mais quase 20% de votos que o «não» (há oito anos a diferença foi de simples décimas!). Nunca antes o sentido maioritário de voto dos portugueses me deixou tão satisfeito e esteve tão em sintonia com o que penso e advogo. Porém, lamento que a maior parte dos eleitores não tenha exercido o seu dever cívico, tendo a abstenção sido de 56,4% (mas em 1998 foi de 68,1%).
Apesar de a percentagem de abstencionistas voltar a ser, em referendo, superior a 50% e, portanto, não ser constitucionalmente vinculativo, os resultados deste sufrágio vinculam politicamente a Assembleia da República, induzindo-a à efectiva despenalização da IVG até às dez semanas. Além disso, se os cadernos eleitorais estivessem actualizados, então é perfeitamente admissível que a abstenção pudesse ter sido inferior a 50% (por exemplo, a minha avó paterna faleceu em Janeiro último e o seu nome consta dos cadernos!). É que 6% é uma margem exígua para um apuramento exacto e real do vínculo jurídico, infelizmente impossível de estabelecer.
Os números são inequívocos e permitem concluir que a IVG já não é uma questão fracturante na sociedade portuguesa: a percentagem de votos no «sim» (59,2%) foi superior à percentagem de votos no «não» (40,8%) e à própria abstenção (56,4%). Ou seja, o silêncio da abstenção traduz indiferença - quem cala consente! - e, por conseguinte, do universo de cidadãos eleitores que expressaram a sua opinião pelo voto (43,6%), os adeptos do «não» são em número ainda menos representativo (17,8%). Abstencionistas e defensores do «sim» correspondem a, seguramente, mais de 4/5 do eleitorado (82,2%)!
Continuo a pensar que o referendo era desnecessário e só a falta de coragem política do governo levou demagogicamente o país a sufragar uma matéria delicada, do foro íntimo da consciência e da liberdade individuais e referente a um domínio diminuto de incidências. Portugal não se pode dar ao luxo de gastar dez milhões de euros, deste modo.
Por fim, duas últimas notas: se Portugal é um país predominantemente católico, as prédicas dos sacerdotes da igreja italiana têm sido mais escutadas e seguidas pelas estátuas nos altares, do que pelos fiéis de carne e osso (mas também os dogmas têm pés de barro!); o discurso do médico João Malta, na análise dos resultados que apresentou em nome dos movimentos do «não», revelou uma obscena falta de ética política e um mau perder inqualificável, expressos num argumentário retorcido, enviesado e ilógico, próprio de quem não sabe viver em democracia (mas tão de acordo, afinal, com o fundamentalismo obscurantista e irrealista de tantas falácias esgrimidas na campanha pelos sectores do «não»).
Regozijo-me por, a partir de agora, as mulheres e os homens deste país terem conquistado uma margem de liberdade que só por atavismo e preconceito lhes escapava. O aborto clandestino pode agora diminuir e Portugal deu um passo que tardava rumo a melhores práticas civilizacionais.

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