Sistema (des)educativo
Um relatório apresentado ontem sobre o bem-estar das crianças nos países da OCDE, da autoria do Centro de Investigação Innocenti da UNICEF, revela que Portugal está em 21º e último lugar no que se refere ao nível de «Educação e Bem-Estar» (contemplando o desempenho médio nos testes internacionais de literacia, a percentagem de indivíduos entre os 15 e os 19 anos na escola e no mercado de trabalho e as expectativas quanto a trabalhos pouco qualificados).
Esta constatação contraria a ideia do sucesso educativo que os sucessivos inquilinos do Ministério da Educação costumam propalar, enganado insidiosamente a opinião pública. Quem, como eu, desenvolve a sua actividade profissional na escola, rapidamente vê desmentida a qualidade do sistema de ensino português, que é preocupantemente baixa. E isto apesar do dilúvio de medidas políticas que, de tão irrealistas e incompetentes, vão afogando a dignidade e seriedade de uma efectiva qualidade do ensino. Senão, vejamos:
Tomemos o exemplo de uma turma do 7º ano (início do 3º ciclo do ensino básico e integrando a escolaridade obrigatória): estes alunos contam no currículo as disciplinas de Língua Portuguesa, História, Língua Estrangeira I, Língua Estrangeira II, Matemática, Ciências Naturais, Físico-Química, Geografia, Educação Física, Educação Visual, Educação Visual e Tecnológica, Estudo Acompanhado, Área de Projecto, Formação Cívica (e, facultativamente, Educação Moral e Religiosa). Ou seja, são 15 as disciplinas, que ocupam 36 horas semanais o horário dos alunos. Além disso, a escola tem de integrar ainda alunos com diferentes tipologias e graus de deficiência, com diversas «Necessidades Educativas de Carácter Prolongado» e, na maior parte dos casos, os professores não têm formação para isso (eu próprio tive que me 'desenrascar' com alunos invisuais e surdos, sem nunca me ter sido dada preparação adequada para esse efeito). Simultaneamente, há os outros alunos com grandes dificuldades de aprendizagem e que, surpreendentemente, têm crescido em número, bem como os discentes que são oriundos de outros países europeus e asiáticos, que nem sequer falam português.
A tutela impõe às escolas o dever de criar outras opções e estratégias para superar dificuldades dos alunos, alimentando a burocrática ditadura dos papéis: são «currículos alternativos», «percursos escolares próprios», «Cursos de Educação e Formação» e trapalhadas afins que servem para pressionar os professores a aprovar os alunos...
Mas há mais: a escola tem ainda o dever de sensibilizar e formar os alunos em domínios tão díspares como a Educação Sexual, a Prevenção Rodoviária, a Promoção da Saúde e Higiene, de boas práticas alimentares, a Prevenção Ecológica, a Prevenção da Toxicodependência, etc., quase dando a entender que a família parece ter deixado de ser um importante e privilegiado agente de socialização - será que a maioria dos alunos são órfãos?
No meio de tudo isto, e perante os baixos índices de aquisição cognitiva que os alunos efectivamente revelam, as medidas políticas têm subjacente o pressuposto de que a culpa é dos professores, cambada de incompetentes e faltosos que não merecem o que ganham nas poucas horas que trabalham e atendendo às muitas férias de que usufruem. Com isto se manipula a opinião pública, com a actual equipa ministerial à cabeça deste exercício de desonestidade política e cívica. Nem os fenómenos recrudescentes de violência escolar (as agressões diárias a professores por parte de alunos e pais e o bullying entre alunos - até já há uma linha telefónica para os docentes desabafarem e exorcizarem os seus traumas e medos!) demove os ignaros governantes dos constantes disparates e erros de diagnóstico com que vão mutilando o sistema de ensino.
Assiste-se hoje ao cúmulo de os professores terem que exigir aos alunos que tragam o material necessário aos trabalhos lectivos, solicitando-lhes repetidamente que estejam calados, virados para a frente e atentos na sala de aula, aturando os desmandos e a má-criação que trazem dos seus lares...
E face aos resultados negativos apresentados por credíveis entidades internacionais, o que se verifica é uma total impunidade política dos que são, real, objectiva e inequivocamente, os responsáveis pelo lastimável estado de coisas. Estes inquilinos da 5 de Outubro, findo o mandato que lhes coube, jamais serão incomodados pelo muito de mau que infligiram à Educação em Portugal. Mas a culpa é dos professores, que no tempo próprio não souberam chumbar devidamente esta gente!
Etiquetas: Política
2 Comments:
É uma espécie de orfanato pantanoso...
No seu estado corrente, a nossa Educação perpetua a Ignorância. Publicamos uma análise que identifica as principais razões da crise educativa nacional, de ordem metódica, e indica o caminho de saída. Devemos todos exigir uma intervenção urgente do Governo!
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