quarta-feira, março 28, 2007

Portugal dos pequeninos

A vitória de Salazar no programa «Os Grandes Portugueses», da RTP, não me causou perplexidade, pois trata-se de um resultado que já vinha sendo anunciado há semanas e tudo não passou de um concurso televisivo destinado a entreter aqueles que gostam deste género de programas (esta final não constou sequer dos 15 programas mais vistos), pelo que os cerca de 200 mil votantes estão a anos-luz de se constituirem como uma amostra representativa dos portugueses. Além disso, comparar personalidades de épocas tão diferentes com o intuito de distinguir laudatoriamente um deles, só pode ser fruto de um anacronismo retórico historicamente redutor, não estranhando que nos três primeiros lugares ficassem três nomes contemporâneos do século XX e relacionados entre si por um quadro político conjuntural, circunscrito somente entre as décadas de trinta e setenta.
É, portanto, flagrante a ausência de capacidade de distanciamento temporal por parte dos que intervieram telefonicamente - imbecil e falacioso critério de votação! - e assim ajudaram suplementarmente a financiar a RTP...
Mas há outra conclusão que me parece legítimo extrair deste concurso: os ideais de Abril têm fracassado e assiste-se hoje, 33 anos depois, a uma sociedade assimétrica e profundamente injusta, o que incute em milhares de portugueses um sentimento de desalento e desilusão face ao regime (supostamente) democrático em que passámos a viver. Este dado confere um significado simbólico a esta pírrica vitória de Salazar, tratando-se de um voto irreflectido de protesto (esquecendo que as virtudes do Estado Novo e do comunismo exponenciam muitos dos males da democracia, sob formas igualmente reprováveis de nepotismo, caciquismo, corrupção, injusta distribuição de riqueza, para não falar da eliminação de liberdades básicas, como a de expressão, opinião e associação), evidente na preferência por duas personalidades antitéticas e mitificadas na mútua oposição em que se erigiram durante 48 anos e ambas felizmente derrotadas pelos ventos da História.
Numa falência da razão, muitos portugueses parecem continuar a suspirar por regimes opressores, como o fascista e o comunista, mostrando vocação de escravos e uma menoridade cívica e política que se consubstancia em resultados destes: dar a vitória a figuras antidemocráticas mediante um escrutínio (aparentemente) democrático é descobrir que continua a haver um nostálgico e cobarde «Portugal dos pequeninos» e D. Sebastião já não está só!

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2 Comments:

Blogger morffina said...

Eu, portuguesinho, venho por este meio, solicitar que pensem por mim, que eu, se não for muito complicado, executo.

PS. Sinto aqui uma certa intertextualidade que me lisonjeia.

Abraço
MF

5:08 da tarde  
Blogger Texuga said...

Amén! Ainda estou a digerir essa. Acho que por mais que dissequemos o resultado, o resultado não muda e é muito, muito mau!

4:21 da tarde  

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