terça-feira, dezembro 11, 2007

Irmã África

Sob o inevitável opaco manto dos discursos laudatórios e a usual retórica dos redondos lugares comuns da prosa diplomática, terminou a Cimeira Europa-África apadrinhada por Portugal. No indiscernível labirinto de interesses em jogo, muitos dos quais incompatíveis, é difícil não ter prevalecido a hipocrisia que exaure a esperança e cerceia a solidariedade.
O sucesso mais visível, por enquanto (e temo que talvez o único!), foi o da qualidade posta na organização do evento pela presidência portuguesa da União Europeia e o reforço do prestígio internacional concomitante. Porém, reuniões desta magnitude não vão, infelizmente, resolver a crise no Darfur nem as sucessivas e persistentes violações dos Direitos Humanos, uma vez que outros e mais obscuros valores se levantam; pelo contrário, a inclusão protocolar de ditadores africanos na mesa das conversações (ou negociações?), ao mais alto nível da diplomacia, pode até ter o efeito perverso de legitimar e dar cobertura a esses autocratas, simbolicamente representado pela passadeira vermelha a cujos pés é dado pisar.
É frequente o desvirtuamento dos bons propósitos pela realpolitik, sobretudo se de negócios e de África se trata: veja-se, por exemplo, o caso do regime angolano, que é acarinhado por Portugal e pela China (José Eduardo dos Santos não abdica de exercer o poder num gigante que, apesar de rico, tem uma esperança média de vida da sua população pouco superior aos 40 anos, o que não coibiu o «dinossauro excelentíssimo» de reservar 80 quartos do Ritz para a sua faustosa comitiva); ou de Kadhafi, o terrorista reabilitado pelo alinhamento com os EUA e que se perpetua na liderança da Líbia (o culto da personalidade neste país inviabiliza a notoriedade de qualquer outro cidadão líbio); para além de tantos outros casos, como Omar al-Bashir no Sudão e Robert Mugabe no Zimbabué...
Após a Cimeira, também esta estirpe de usurpadores regressa a casa com uma legitimidade reforçada por uma Europa que se diz defensora de valores fundamentais, mas cuja prática institucional afronta cinicamente tais valores. Meio século depois do início do processo descolonizador em África (com a independência do Gana, em 1957), o legado é preocupante pelo avolumar de problemas sem fim à vista. E depois do Cairo e de Lisboa, repetir-se-ão daqui a sete anos as mesmas inócuas e inconsequentes palavras de circunstância que a solenidade destes encontros oficias inspira, em nome da pobreza, da injustiça, dos danos ambientais e dos Direitos Humanos; e renovar-se-ão os votos de amizade e de cooperação estratégica e tudo recomeça: provavelmente sem Sócrates e Barroso (oxalá!), mas, se calhar, ainda com Kadhafis, dos Santos, Bashires, Mugabes e quejandos grandes líderes... Pobre irmã África!

1 Comments:

Blogger Ai meu Deus said...

Ó ALM, tem que ser irmã África? pode ser mamã? pode ser a canção do Xico César? pode ser a África do Akon? pode ser esta?:

http://www.youtube.com/watch?v=V9YE8dHMxvw

9:45 da tarde  

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