O sal doce de Cavaco
Mais uma vez, Cavaco Silva vestiu o fato de Presidente para se dirigir à República em televisivo tempo de antena. E o curioso é que ele, uma vez mais, e sendo de direita, manifestou as preocupações sociais que caracterizam os discursos de esquerda, designadamente na crítica que fez ao agravamento das injustas assimetrias sociais decorrentes da situação de flagrante desigualdade na distribuição do rendimento em Portugal (que, como objectivamente indicam fidedignas estatísticas europeias, tem aumentado com o PS no Governo). Se até Cavaco já desmente Sócrates, é preciso ter cara de pau para este continuar a asseverar que o seu governo e partido são de esquerda, mas sendo quem é...
No rol de curiosidades deste discurso presidencial de Ano Novo figura também a alusão aos salários obscenamente elevados auferidos por dirigentes de empresas. E, de facto, tratou-se de uma mera alusão, pois Cavaco é tão anódino e amorfo que não constata categoricamente as evidências, mas apenas se «interroga» (curioso termo!) se tais rendimentos "não serão, muitas vezes, injustificados e desproporcionados, face aos salários médios dos trabalhadores". Para quem, num passado não muito remoto, assegurava não ter dúvidas...
Oh Sr. Presidente, porventura saberá Vossa Excelência se, para este ano civil, o salário mínimo não chega a 90 contos? Acaso passou a fase da «interrogação» e saberá se já estamos em 2008? Ou se, em tanto gestor e director - públicos e privados -, não haverá cavaquistas e seus ex-colaboradores políticos? Ou se Boliqueime fica no concelho de Loulé?
É a desacreditada táctica de «dar uma no cravo e outra na ferradura», para tudo ficar pior ou na mesma e assim desresponsabilizar a classe política que o inquilino de Belém encabeça, como se constata ainda na sua menção laudatória aos progressos no controlo das contas públicas (?) em ténue e lacónica contraposição com o desemprego, "que atingiu níveis preocupantes e são muitas as famílias que enfrentam sérias dificuldades para fazer face às suas despesas de todos os dias". Não será isto limitar-se a dizer o óbvio, a ser evasivo - não houve qualquer alusão ou crítica às causas fundamentais do desemprego - e a desempenhar com cinzentismo (como antes Jorge Sampaio) o seu papel presidencial?
Em 2010 estará Cavaco com novo discurso televisivo de igual conteúdo, embora em retórica roupagem formal diferente, a papaguear as mesmas inócuas reservas e apreensões, os mesmos elogios, esperanças e confiança... Se isto é que é saber ser um supervisor do regular funcionamento das instituições, então é legítimo crer que o café e o leite se vão poder adoçar com sal!
Etiquetas: Política
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