sexta-feira, março 14, 2008

Em ninho de cucos / 18

Nem só de ladaínhas vive o ritual católico e, para quem duvide da sacra importância e santa utilidade social do seu clero, eis agora uma prova do árduo labor místico-introspectivo do Papa Ratzinger e seus apaniguados: numa esforçada tentativa de modernização, a madre igreja romana adicionou meia-dúzia de pecados que vêm engrossar o tradicional rol das sete viciosidades mortais que nos atormentam há mais de 1500 anos e congeminados pela insípida imaginação de Gregório I e seu séquito - meu Deus, como é possível anatemizar a luxúria, a gula ou a preguiça?
Num rasgo de profunda hermenêutica sociológica, a papista instituição aponta o iluminado dedo à pedofilia, à poluição ambiental, ao aborto, ao tráfico de droga, à riqueza desmesurada e à manipulação genética. Por conseguinte, podemos seguramente inferir que, graças à condenação da pedofilia, o inferno vai ficar reforçadamente provido de padres católicos (nem no inferno um pecador ficará em paz!); por outro lado, a transgressão por tráfico e consumo de drogas vem demonstrar a antipatia desta igreja pela concorrencial alienação humana e edificação de paraísos virtuais, não havendo que condescender na partilha de clientela entre deus e a heroína ou a cocaína. Além disso, aprecio particularmente a da poluição ambiental: será desta que se vai, por exemplo, diminuir o consumo de cera e deixar de poluir a atmosfera com incenso queimado e expelido pelas narinas dos turíbulos? Era uma santa ideia...
Claro que sobre o aborto já estamos conversados, pois só há memória de autos-de-fé dirigidos a crianças e adultos, nunca a mulheres grávidas (será?), mesmo que Tomás de Aquino, do alto da sua anafada sapiência, tenha sido contrariado por Pio IX na asserção de que o embrião só ganha alma a partir dos 40 dias de gestação (há contabilidades que deus só revela a certos dignitários, apesar de nos amar por igual). E acerca do opróbrio da riqueza desmesurada, afigura-se plausível crer que a vaticana igreja se vai desfazer do milionário acervo de bens que possui, distribuindo-o pelos pobres de todo o mundo, bem como vai ser comovente testemunhar Bagão Félix, Durão Barroso, Jardim Gonçalves, Cavaco Silva, Santana Lopes, Marcelo Sousa, José Sócrates, Paulo Portas, César das Neves e tutti quanti têm favorecido as assimetrias sociais e económicas e a corrupção da justiça social, em penitente cortejo e sacrificial genuflexão pelo terreiro do shopping de Fátima... Deus tenha dó deles!
E isto só para falar da lusitana raça de pecadores, pois, como refere o sábio monsenhor Gianfranco Girotti (italiano, pois claro), responsável por uma coisa chamada «Tribunal da Penitenciária Apostólica», a globalização trouxe ao pecado uma dimensão social e já não apenas pessoal. Ao pé disto, todos os filmes de terror não passam de inócuos contos infantis!

Etiquetas:

2 Comments:

Blogger Ai meu Deus said...

Vais-me desculpar este pecado de discordar num ponto: o cheiro a incenso espalhado pelo turíbulo (particularmente nos modos como era feito tradicionalmente, quero dizer, com o mesmo espalhado em brasas feitas para o efeito) é uma delícia. Tomara eu ter possibilidade de clonar a cena cá em casa... e convidava-te para exalares o suave perfume (divino).

Abraço.

11:27 da tarde  
Blogger morffina said...

Brasas!!! Gosto mais de outro tipo ... Aquelas que inquietam e depois suavizam as nossas retinas, ou então passar pelas brasas, também é fixe.

Quanto a estes homens(?) de saias armados em deus nosso senhor -Realmente o são. É por isso que não me serve(m), nem o(s) sirvo -podem continuar na sua labirintica luta porque os pecados mortais serão imortais e cada vez mais (infelizmente para as pessoas que realmente se preocupam com o ser humano).

Abraço
MF

11:54 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home