Justiça com a benção de Santa Engrácia
A justiça nunca conheceu bons dias em Portugal, é lenta e funciona mal. São vários os responsáveis por isso, com os sucessivos (des)governos à cabeça, o que faz com que a culpa vá morrendo solteira e tudo fique cada vez mais na mesma. Nenhum cidadão minimamente informado e esclarecido acredita na isenção e eficiência do aparelho judicial português. Aqui, os tribunais assemelham-se aos outros órgãos de soberania: desempenham deficientemente o papel social que lhes cabe, ao ponto de não ser descabido propor que o novo símbolo da Justiça pudesse ser uma lesma ou um caracol, sem os olhos vendados... Mal daqueles que tenham que recorrer a hospitais ou a tribunais, e a coisas que tais!
Mais de cinco anos depois, amanhã vai começar finalmente o julgamento do processo da queda da ponte Hintze Ribeiro, em Entre-os-Rios, na qual morreram 59 pessoas. Devido aos vários avanços e recuos processuais - como é costume por cá -, esta morosidade acaba por ter o efeito mórbido de ressuscitar fantasmas adormecidos, ao provocar nas famílias das vítimas, e nas pessoas em geral, o relembrar de um acontecimento que a todos chocou, impondo uma espécie de segundo luto, agora que os anos entretanto decorridos tinham ajudado a dissipar a memória da tragédia.
Ninguém no seu perfeito juízo poderá dissociar o colapso desta ponte de um conjunto de factores diversos que para ele contribuiram e nos quais se deve incluir, necessariamente, a desenfreada extracção de areias próximo dos pilares da estrutura de má memória. Mesmo assim, um incrível juíz (?) de instrução criminal, que os pais baptizaram de Nuno Melo, havia anterior e magnanimamente sentenciado que a ponte caiu por causas naturais (se calhar com razão, pois as leis da física são incontornáveis!), tendo despronunciado todos os arguidos. Com exemplos destes, como acreditar na justiça?
Curiosamente, o projecto de revisão do Código Penal, a aprovar brevemente pelo grupo do Eng. José Sócrates C. Pinto de Sousa, responsabilizaria igualmente as empresas para quem os arguidos trabalhavam, no caso de se comprovar que estes actuaram sob as ordens das respectivas empresas. Assim, se fosse agora, a Estradas de Portugal (ex-JAE) e a ETEC estariam também no rol de arguidos deste processo. A este ritmo, quem decide e legisla não morre de stresse...
Acusados de crimes de violação das regras técnicas, agravado pela morte de pessoas, os seis arguidos incorrem numa pena que pode ir até dez anos e meio. São todos engenheiros (será que dantes também se ingressava em Engenharia com médias negativas?) e têm de idade 57, 59, 66, 67, 77 e 81 anos. Ora, sendo a justiça como as obras de Santa Engrácia, se já não se corre o risco de alguns arguidos morrerem de velhice antes de serem julgados, oxalá não tenhamos nova Casa Pia e alguns arguidos serem condenados ou absolvidos postumamente!
Etiquetas: Sociedade
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