terça-feira, abril 03, 2007

Mentiras fundamentais da «Paixão de Cristo» - 1

Variados são os motivos que me fazem detestar a tenebrosa morbidez e a lúgubre soturnidade da época de Páscoa que ora se vive: significa o paroxismo do ritual de comiseração cristão e de cultuação irracional da dor e do sofrimento, e é surpreendente como, a propósito dos episódios da «Paixão de Cristo», tantas estórias mal contadas perduram e desafiam o rigor histórico e a clarividência racional necessários à análise documental séria e fundamentada das fontes que relatam o processo que conduziu à condenação e execução de Jesus. Porque de uma mentira se trata, e inconformado com as litanias que até à náusea invadem o lazer e a privacidade, deformam o juízo desatento e iludem a verdade, abordarei alguns pontos que denunciam algumas das colossais falsidades que só os espíritos incrédulos e heterodoxos poderão reconhecer.
1. Judas não traiu Jesus
O episódio da «última ceia» de Jesus com os discípulos é descrita nos evangelhos em Mateus 26, Marcos 14, Lucas 22 e João 13: em Mateus, Jesus identifica explicitamente aos discípulos quem é o traidor; em Marcos e Lucas, Judas não se denuncia, mas Jesus diz ser o traidor aquele "que mete comigo a mão no prato" (não o nomeando, os presentes puderam identificar Judas por constatação de quem iria fazer tal acto); e, em João, Jesus afirma que o traidor "é aquele a quem eu der o bocado de pão ensopado", dando-o de seguida a Iscariotes. Não interessa aqui fazer a exegese de tão estranho modo de indiciar o portador da culpa...
Portanto, como negar que os discípulos sabiam que seria Judas o traidor? E, sabendo isso, como explicar que os restantes apóstolos nada fizessem para deter Judas?
Tal passividade só é entendível à luz de uma cumplicidade instigada por Jesus e aceite por todos "para que o Filho do Homem cumpra o que está escrito". Além disso, Judas era um homem da maior confiança do nazareno, sendo inclusivé o tesoureiro do grupo (ver Actos 4-34 e 5) e, por conseguinte, não seria por dinheiro que Judas denunciou Jesus - bastar-lhe-ia fugir! Aliás, os famosos "30 dinheiros" de recompensa pela captura de um foragido eram muito pouco se comparados com as verbas a que o histórico delator tinha acesso.
Como os evangelistas e Paulo não tinham particular simpatia pelos "doze" (a primitiva igreja apostólica de Jerusalém não deixava de ser um ramo do judaismo, fechada a gentios e incircuncisos) e como Judas era um radical nacionalista, um sicário que detestava os romanos, foi fácil ver nele um bode expiatório: os autores dos evangelhos tiveram politicamente todo o interesse e oportunidade em colocar Judas como adversário do filho de Maria, reforçando nos romanos posteriores a convicção de que Jesus não tinha sido rebelde a Roma e que a sua crucificação se devia à traição de que fora alvo pelos judeus (os perdedores da revolta contra os romanos) - Jesus passava, assim, a estar do lado dos vencedores!

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2 Comments:

Blogger Texuga said...

Ainda que nunca tenha lido nenhuma obra que se pareça com um livro de fé, e sendo que mais depressa lia o Corão que a Bíblia, por curiosidade fundamentalista da história, parece-me que, tendo sido mão humana a escrevê-los (os livros religiosos portanto) dificilmente eles espelham a vontade divina. Porquê? Porque que eu saiba os senhores que os escrevem não comunicam com Ele por telepatia, logo não sabem verdadeiramente o que Ele estava a pensar... Não?

5:24 da tarde  
Blogger morffina said...

Cara Texuga,

"Ele" sabe tudo, inclusivé o que os homens iam escrever e todas as hediondices que eles (os homens) iam fazer, etc,etc.
"Ele" até sabia o que eu e tu iamos escrever nestes comentários.
Estamos todos perdoados, portanto, ou então os que vão herdar o céu (ou a terra(?))já são escolhidos à nascença. Grande Deus que temos, hem!

3:57 da tarde  

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