sexta-feira, abril 27, 2007

O limbo dos bimbos

Após vários meses de exaustiva reflexão e aturado esforço intelectual, e certamente iluminados pela luz da inspiração divina, algumas dezenas de vaticanos teólogos convenceram-se que, afinal, o "limbo"... não existe! Para quem não sabe, o "limbo" é um lugar na santa arquitectura do edifício celeste, um andar algures entre o "céu" e o "inferno", que serve de destino para os fetos, bebés e crianças que morreram sem terem antes recebido o sacramento do baptismo. Agora, com tão genial descoberta, os infelizes petizes vão direitinhos para o paradisíaco "céu".
Quem não deve estar nada satisfeito com tal conclusão são o Papa Gregório e "santo" Agostinho que, no século V, instituiram oficialmente na tradição do credo católico a ideia do «pecado original originante», segundo a qual, os filhos, ao nascer, herdam os pecados dos pais, desde Adão e Eva. E tudo por causa de uma frugal maçã! Assim se teorizou a existência do "limbo", uma espécie de não-lugar entre os andares infernal e celestial.
O "limbo" sofreu obras de restauro sob a direcção teológica de "são" Tomás de Aquino, no século XIII, conquistando o estatuto de assoalhada em espaço ganho ao "inferno". Mas muito espaço não era preciso, uma vez que cada criança não media mais de metro e meio... Chegados ao século XX, o Papa Pio X garantiu a pés juntos que o "limbo" existia, comprovando-o mesmo com a apresentação dos mais variados dossiês contendo a identidade dos seus pequenos residentes.
Porém, a existência do "limbo" nunca foi pacífica, dado o regime de «apartheid» (pré-)celestial: se o infeliz fosse índio, nascesse e morresse em plena selva sem nunca ter contactado com o divino verbo, nunca "são" Pedro lhe franquearia as portas do "céu". No máximo, ficaria com um lugar definitivo no "limbo", pois o canal de distribuição da papal Igreja Romana não fazia entregas naquelas remotas áreas da Terra, pelo menos antes dos Descobrimentos... Enfim, um escandaloso gesto de discriminação e ostracismo! Por outro lado, o "limbo" tornava-se uma espécie de subcategoria do paraíso para tantos padres pedófilos, não só os de Boston como os de outras paragens...
Daí que Bento 16, e a meu ver com grande inteligência e sapiência, mas também com algum peso na consciência, se sentiu na obrigação de rever a qualidade ontológica da existência do "limbo" e, vai daí, proclamou a sua extinção, tantos séculos depois (não há bem que sempre dure, mesmo que sagrado!). O actual ocupante do trono de Pedro terá também vislumbrado a hipótese grave de o "limbo" se traduzir numa suspensão dubitativa de Deus em colocar os cadavéricos putos na vida ou na morte eterna, e, como se sabe, Deus é perfeito e, portanto, não pode ter dúvidas nem sofrer a corrosão dos dilemas. Agora o problema deixou de se colocar, afastando a decisão da área jurisdicional do supremo arquitecto "nosso senhor".
Contudo, outros problemas se levantam: se era difícil aceitar que uma inocente criança tivesse um tão cruel destino em tão indecidível e nebuloso lugar, por causa da maçã, agora pode aceitar-se que a salvação se pode alcançar sem o baptismo e o "inferno" já não é o que era! Além disso, católicos (os praticantes e os outros) e não católicos vão passar a concorrer em pé de igualdade pelas limitadas vagas do "céu", do "inferno" e do "purgatório". E só Deus sabe como estes dois últimos, sobretudo, estão sobrelotados...
Como podiamos nós continuar a viver em tão pungente, assombrosa e existencial dúvida acerca da existência do "limbo"? Viva o Vaticano e o Papa, tal é utilidade e a pertinência epistemológica das suas teses, conselhos e conclusões!
Agora a sério: a teologia católica é mais que uma dantesca «divina comédia» - é uma grotesca divina paródia e vale-lhe que o ridículo nem sempre mata (os animados séculos da Inquisição pertencem ao passado)! Podemos ter ficado sem o "limbo", mas continuamos a ter bimbos!

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2 Comments:

Blogger morffina said...

Ooooohhhhhhhhhhhhhh! E eu que gostava tanto do "limbo" ...

"Everybody do the limbo dance ... na, ne, na, ne ne ne, ne, na ..."

E quando é que os bimbos decretam o fim do Dito Cujo? Hah?!?

Abraço (sniff!)
MF

6:57 da tarde  
Blogger Ai meu Deus said...

Ouvi um dia destes, na tv, um cónego qualquer declarar ao repórter que não havia nenhum documento da Igreja que explicitamente alguma vez tivesse defendido o limbo.

Estes gajos são suficientemente filhos da (santa) madre (igreja) para defenderem suficientemente subtilmente o que depois haverão de negar por nunca terem defendido. Há-de ser um dia deste assim com o preservativo, com o divórcio, ...com o ca....o que os f... a todos.

Abraço.

12:06 da manhã  

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