sexta-feira, junho 22, 2007

Ipsis verbis [5]

"Se a mim me mandassem dispor por ordem de precedência a caridade, a justiça e a bondade, o primeiro lugar dá-lo-ia à bondade, o segundo à justiça e o terceiro à caridade. Porque a bondade, por si só, já dispensa justiça e caridade, porque a justiça justa já contém em si caridade suficiente. A caridade é o que resta quando não há bondade nem justiça."
- José Saramago, escritor e Prémio Nobel da Literatura, em «Cadernos de Lanzarote», vol. 3

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6 Comments:

Blogger joshua said...

Em muitas coisas não concordo com Saramago, que pratica uma literatura que fundamentalmente olha para o chão. Mas esta desconstrução conceptual da bondade, justiça e caridade parece-me do melhor que tenho lido recentemente.

Claro que quando nós, na Igreja, falamos em caridade, teoricamente falamos (e é bom que o vivamos também) de uma virtude teologal ou divina que pressupõe em graus diversíssimos um olhar transcendente sobre o outro no reconhecimento da sua inalienável dignidade assim como pressupõe praticar uma concomitante acção em favor dele que pode roçar a loucura da bondade e a loucura da justiça por inspirar uma entrega e um auxílio ao ponto da perda física de nós mesmos, na perspectiva de que a temporalidade não é o contorno sumo da realidade, mas escada para Outra Coisa adveniente.

Li os teus escritos sobre a Igreja Católica e a AI e estou de acordo genericamente contigo: onde houver perversão e injustiça, parece-me que não haverá lugar ao nosso silêncio conivente. No que tu e eu poderemos diferir é no tipo de paixão colocada no tratamento da mesma questão.

Eu insurjo-me apaixonadamente a partir de dentro. Tu, parece-me, insurges-te apaixonadamente a partir de fora, embora, concede-me, haja em ti a nítida tonalidade de enormes expectativas do papel da Igreja enormemente defraudadas.

Mas para mim a massa da Igreja é muito humana, muito mundana, muito imperfeita, como qualquer de nós, e também ela nos exige a paciência de um menino rebelde e relapso ao nosso cuidado.

Abraço Amigo

Joshua

4:54 da tarde  
Blogger Ai meu Deus said...

Bem... o José é o autor do meu "segundo livro da vida": o Memorial. Comecei de ler os Cadernos e desisti. Por me parecer que, quando o José fala dele, é dele que fala. Contrariamente, por exemplo, a Torga em cujos diários fala do Mundo (dos Homens, sobretudo), mesmo quando fala dele.

Aqui, de facto, o José surpreendeu-me. E fez-me lembrar a canção velhinha de outro José (o Barata Moura): "vamos brincar à caridadezinha".

Abraço.


Abraço.

6:29 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Meu caro Joshua: agradeço a cordialidade e simpatia do teu comentário, mas dispenso o paternalismo de quem acha que um ateu é um católico desviado ou "defraudado"; no meu caso, sou teologicamente ateu, esclarecido e informado! Que boa é essa "virtude teologal ou divina", mas meu caro, a minha razão dispensa tb essa falaciosa e intelectualmente desonesta petição de princípio que o medo da morte ("perda física de nós mesmos")incute no crente - tenho a consciência da finitude mas não a ilusão da fé nem a alucinação que vê "escada para Outra Coisa adveniente" (prefiro o elevador!).Às vezes, acho que a religião é mais literatura poética e devaneio; eu gosto mais de prosa! Se expectativas defraudadas há, é viver num mundo onde tantos professam os dogmas da instituição mais criminosa da história (e que ainda continua a cometer crimes hediondos, a coberto da doutrina e apesar do patético celibato e voto de castidade!) e assim lhe dá legitimidade; não faz sentido! Aliás, como podes criticar e dizer tão mal de Sócrates e do governo (que tb é "massa mundana e imperfeita e exige a paciência" de que falas - como vês é fraco argumento que dá para tudo!) e fazeres a apologia do dogma cego, biblicamente herético e seres tão condescendente com a arrogância da Igreja que, no poder, já mostrou à saciedade fazer de Sócrates uma alma bondosa e altruista e de Hitler uma inofensiva criatura - a não ser que não tenhas memória histórica... Não te faz mossa uma ideologia que discrimina as pessoas pelo órgão genital que trazem no meio das pernas? Defendo a vida e a liberdade de pensamento e são esses valores que defendo apaixonadamente (não desvio a paixão para entidades com o mesmo carácter ontológico do Pai Natal). Não contes comigo para alinhar pela opressão, a intolerância e o fundamentalismo de dogmas ocos, absurdos e irracionais, os rituais e as formalidades tolas, as ladainhas mecânicas e as fórmulas parvas e destituídas de senso. Gosto mais da linguagem objectiva e não da metáfora soteriológica!Por isso critico Sócrates e a Santíssima Trindade! Um abraço tb sinceramente amigo e com a benção da "Outra Coisa" :)
ALM

11:07 da tarde  
Blogger joshua said...

Gostei da tua resposta, mesmo tendo vindo em esguicho, como uma fuga de água represada num cano rompido. Pensa que em mim também há um catolicismo ateu e rebelde, na medida em que é impiedoso com a tibieza dos homens e expectante relativamente a Deus, um catolicismo ateu igualzinho ao teu ateísmo católico. E, acredita, gosto de ti, quero continuar a ser teu amigo, sem paternalismos, somente com o prazer de testemunhar o que és, como és e ter (continuar a ter!)prazer nisso.

Eu estive por dentro do lado deformador, abusador da individualidade, de certo catolicismo normalista: nunca tive vida fácil entre o mofo das sacristias porque a tua razão, a tua independência e ciência que em ti clivam de Deus, a mim me atraiam irresistivelmente ainda mais para uma radicalidade recta e para o Deus que não podes tentar pressupor ou definir na minha experiência pessoal d'Ele, embora a caricatura, por o ser, até me divertir.

Abraço.
Responde. Respondes?

Abraço

Joshua

12:15 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Caríssimo Joshua: embora em matéria de religião esteja visto que a nossa divergência é insanável, é óbvio que a nossa amizade está acima disso; aliás, não há espaço de maior franqueza do que aquele que se processa entre amigos (se realmente o são!). É em nome disso que te respondi e volto a responder: não há pertinência na tua argumentação, pois, mais uma vez, incorres em petição de princípio (o facto de achar que tenho uma perna partida, não substitui a prova do raio x, percebes?) - fica bem com o teu Deus mas não queiras paternalmente impô-lo aos outros (até pq no céu tudo é demasiado perfeito e eu não quero a eternidade, pq é demasiado tempo!). Permite-me que te manifeste a minha estupefacção perante o teu juízo que admite um "catolicismo ateu" e um "ateismo católico"; já agora, por que não um "catolicismo islâmico", uma "menopausa masculina", uma "mulher meia-grávida", um "fascismo comunista", um "crente sem fé", uma "jihad judaica", uma "monarquia republicana" e toda a trapalhada conceptual e antinómica que, nas meias-tintas, se fixa no centrão de conceitos e tudo explica sem nada explicar!? Não meu caro, não vou por aí, não alinho na desconstrução semântica que queres fazer, embora perceba a confusão que te leva a crer em fantasmas. Respeito a tua convicção teista, até porque se calhar é tão intensa e convicta como o meu ateismo (não encontrarás nenhuma definição de variante católica, a não ser talvez no teu medo da finitude). Já agora, se eu fosse crente, não seria seguramente católico, pois é uma religião demasiado humana para ser divina e transcendente!
Olha, parece que a água represada perdeu o caudal ou o cano foi reparado :)
Abraço de amizade sincera e inquestionável!
ALM
NOTA - Visita o meu amigo Micróbio (link no meu blog), assolado tb pelas tuas inquietações metafísicas que, lamento, não tenho nem partilho. Se eu me dou bem convosco, imagino vocês... :)

6:14 da tarde  
Blogger morffina said...

Porra!!! Sejamos justos! Com tanta bondade, haja caridade! Não escrevam tanto que isto de rolar o rato cansa!

6:34 da tarde  

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