Confusão lisboeta
Finalmente terminou o processo eleitoral intercalar para a Câmara Municipal de Lisboa e a análise política dos resultados revela grandes ambiguidades. Em primeiro lugar, a democracia ganhou: doze candidatos participantes no pleito eleitoral, entre os quais dois sem apoio partidário, é sempre um exemplo de vitalidade democrática; mas a democracia perdeu: com cerca de 63%, a abstenção alfacinha reflecte o desalento, a indiferença e o desagrado dos cidadãos eleitores para com a incompetência e ineficácia dos políticos.
Em segundo lugar, o PS ganhou em termos absolutos, porque teve mais votos e ganhou uma Câmara que não tinha; mas, em termos relativos, perdeu redondamente, pois menos de 30% de votos obtidos não é um score aceitável para um candidato, como foi António Costa, que pediu a maioria absoluta como condição de estável governabilidade da Câmara. O presente resultado pode muito bem ser interpretado como penalização do desastre socrático no leme da nação, até porque Costa era, até antes desta disputa autárquica, o número dois do governo da República. Oxalá tal declínio eleitoral se mantenha e acentue!
Curiosamente, os discursos de vitória de Sócrates e Costa à frente do Hotel Altis, em cima de um camião, tiveram a ouvi-los in loco umas escassas dúzias de pessoas, onde abundavam idosos passeantes certamente recrutados em desespero pela máquina do PS (oriundos do norte do país, alguns sem saberem o que estavam ali a fazer!) e escoados para ali com bandeiras na mão a fazerem de tristes figurantes numa encenação burlesca, tão condizente com a enganosa propaganda que quer vender um governo pior que a banha da cobra...
Por sua vez, e em termos absolutos, Carmona Rodrigues perdeu, pois os 17% de votos que obteve estão longe dos 42% de há dois anos e vai deixar de ser o presidente da edilidade; porém, em termos relativos, é um dos vencedores da noite, conseguindo a segunda maior votação sem ter apoio partidário, só ultrapassado pelo PS. Muitos lisboetas terão dado a Carmona o benefício da dúvida e, até prova em contrário, consideraram-no inocente das suspeitas de envolvimento pessoal na corrupção do caso Bragaparques. O ex-presidente é uma das surpresas da contenda intercalar.
O PSD e o CDS são os grandes derrotados da noite. Marques Mendes provocou estas eleições, a meu ver de forma eticamente irrepreensível, mas foi vítima das suas opções e das de um aparelho partidário sedento de poder, deslumbrado por recentes vitórias eleitorais (embora as presidenciais e as regionais madeirenses tivessem sido autênticas vitórias de Pirro) e minado por coletes de forças entre interesses de barões na expectativa para apearem Mendes do seu lugar à frente do partido - Santana e Menezes regozijam de prazer e satisfação por esta oportunidade, pois, como diz o ditado, "há males que vêm por bem"...
A arrogante presunção e ufano egocentrismo de Paulo Portas foram pulverizados com menos de míseros 4% de votação, perdendo o único lugar de vereação que o CDS tinha e provando do próprio veneno que ele e o seu grupo de apaniguados deram a beber a Ribeiro e Castro e a Maria José Nogueira Pinto. Portas trai-se a si mesmo e esta bofetada vai deixá-lo atordoado por muito tempo (diz que vai reflectir!), mas pode ter o condão de lhe dar a humildade que não tem e fazer com que deixe de defender uma coisa e o seu contrário. É bom ver a direita reduzida a tão microscópica importância!
Helena Roseta capitalizou a notoriedade de militante socialista em ruptura com o governo e o partido e a simpatia granjeada com a dinâmica anterior da campanha presidencial de Manuel Alegre. A arquitecta foi, portanto, uma falsa independente e a sua capacidade de iniciativa e de mobilização premiaram-na com um honroso quarto lugar, com 10% dos votos. Em 2009 deverá voltar à carga...
Por fim, CDU e BE nem aqueceram nem arrefeceram, mantendo o número de vereadores eleitos em 2005, com 10% e 7%, respectivamente. Mas há um sabor a derrota em ambos, pois os dois candidatos não partidários ficaram à frente (sobretudo Roseta, que disputou o mesmo espectro do eleitorado) e parece difícil contrariarem a ideia de que terão atingido o pico de votação que podem obter em eleições: a CDU não transpõe os 10% de tantas disputas anteriores e o BE não se aproxima mais dos dois dígitos. Mas estes são dados a clarificar futuramente. Em particular, o BE merecia mais pelo excelente desempenho de José Sá Fernandes e pela sua idoneidade, a qual esteve directamente ligada ao processo que desencadeou estas intercalares.
Agora, e no meio de tanta confusão, abre-se uma nova página e, em rigor, a partir de amanhã é que começa a verdadeira campanha eleitoral para a Câmara da capital - uma campanha com a duração de... dois anos!
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