Mais uma «independança»
A recente declaração unilateral da independência do Kosovo é uma perigosa aventura geopolítica e sócio-cultural, cujos contornos complexos tornam imprevisível as consequências que dela poderão resultar. Contudo, creio tratar-se de mais um erro a acrescentar aos muitos que vão aprofundando a desordem mundial sob a batuta norte-americana. É curioso verificar como os EUA devem à sua conveniente dimensão territorial grande parte do seu poderio além-fronteiras, tendo travado uma violentíssima guerra civil para impedir que o Sul se tornasse independente do Norte, e, apesar disso, vêm agora representar o papel de paladinos dos pequenos povos oprimidos. Claro que os seus títeres ingleses, quais cães amestrados, alinham pelo mesmo diapasão do dono, como se não fossem eles próprios colonos ocupantes das longíquas Malvinas ou das adjacentes Escócia e Irlanda do Norte. Esta dualidade de critérios certifica o oficioso terrorismo de Estado legitimado pela cobardia internacional.
Assim, o cinismo imperialista dos EUA e dos seus cúmplices aliados próximos é já um truísmo mundial, tantos são os ostensivos atropelos ao Direito Internacional. Pior do que isso, e que esta «independança» ilustra, é a instrumentalização americana dos povos para seu benefício: Bush detesta os albaneses (desde logo são muçulmanos e um potencial ninho de fundamentalistas, tal é a pobreza que grassa por aquelas bandas), mas com a independência do Kosovo volta-se a dividir os países da UE e, com isso, agudiza-se o sentimento de inviabilidade de um autêntico projecto europeu, desestabilizando-o - e, suprema ironia, caberá à UE suportar os custos de uma independência de um território sem viabilidade económica. Por outro lado, amputa-se uma fatia de território à Sérvia, que é de cultura religiosa ortodoxa e uma tradicional aliada da Rússia, desse modo contendo-se a influência e ambição russas no leste europeu.
Aos EUA não interessa rigorosamente nada saber que o Kosovo é o berço da nação sérvia e é sérvia desde há muitos séculos, antes de os albaneses para lá começarem a ir e o povoarem e nele se reproduzirem exponencialmente com o próprio beneplácito sérvio. Num ápice, esquece-se ignobilmente a limpeza étnica posterior à entrada das forças da NATO, que motivou o abandono da região por parte de dezenas de milhar de não albaneses.
Por que razão os EUA não acalentam pública e oficialmente a vontade independentista dos bascos, dos corsos, dos tchetchenos ou dos norte-irlandeses, para não referir outros exemplos no mundo? Nesta caixa de Pandora aberta por mãos tão sujas de sangue, só faltava termos agora os açorianos a pedir a independência. Mas, neste caso, Washington estaria do lado de Lisboa - é que, nos Açores, os norte-americanos já lá estão!
Etiquetas: Política
3 Comments:
Poderias ter acrescentado Gibraltar.
Just pawn move in the chess game, my friend ...
Correction: Just another pawn move ...
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