O charuto está a chegar ao fim
Por conhecidas razões de saúde, Fidel Castro anunciou que vai abandonar a chefia do Estado cubano e das Forças Armadas, mas não manifestou explicitamente a intenção de abdicar do cargo de secretário-geral do PC e, logo, a sua sombra pairará ainda no exercício do poder. Costuma ser assim com os ditadores - casam com o poder até que a morte os separe!
Fidel é uma das figuras mais marcantes do século XX e, apesar de líder de um pequeno país, durante 49 anos fez passar também por si os desenvolvimentos da política mundial. Embora fosse um comunista por conveniência histórica e conjuntural, a queda do muro de Berlim e o colapso do regime soviético deixaram-no órfão, política e geoestrategicamente. Mas a essa contrariedade conseguiu resistir, como resistiu a uma invasão, a reiteradas tentativas para o derrubar e assassinar, bem como a bloqueios e infames embargos económicos desde há décadas e que teimam em persistir - tudo com a assinatura e patrocínio do vizinho americano.
Claro que nem tudo foram espinhos nesta histórica caminhada de poder, iniciado em Janeiro de 1959, e a fortuna não abandonou este audaz: por exemplo, a preciosa mão da China e da Venezuela de Chavez têm sido a preciosa retaguarda de Cuba em termos de auxílio económico e logístico prestado. Além disso, os sarilhos execráveis em que os EUA se têm metido em horizontes longíquos, constituem uma forte distracção do próximo problema cubano e têm permitido ao regime de Fidel ganhar tempo e granjear simpatias (quem não se lembra da visita papal em 1998? e da admiração que inspirava nas Cimeiras Ibero-Americanas?).
Convenhamos que o homem mudou a face do país. A Cuba pré-castrista, a de Fulgêncio Batista, era o bordel e o casino dos EUA: um país pobre, atrasado e totalmente dependente, uma perfeita república das bananas corrupta e controlada pelas máfias norte-americanas da época. Com Fidel, Cuba tornou-se um lugar turístico de eleição e apresenta hoje um índice de desenvolvimento humano que coloca a ilha caribenha em 51º lugar a nível mundial, à frente do México, do Brasil, da Venezuela, da Colômbia, do Peru e muitos outros países do mesmo continente; os cubanos têm uma esperança média de vida superior à dos portugueses e até à dos compatriotas de Bush; e a taxa de literacia de Cuba é invejavelmente elevada. Presumo que estes dados do Relatório do Desenvolvimento Humano são da ONU e não de uma organização castrista...
Claro que há cubanos descontentes, sobretudo os votados ao exílio, grande parte dos quais estão na Flórida - e têm razão. Fidel não é um democrata, é um ditador, pouco preocupado com direitos sociais e liberdades cívicas fundamentais, como a de expressão, de opinião e de associação. E é por isto que as virtudes deste revolucionário esmorecem perante os defeitos que demonstra. Há muito que se impunha a abertura política em Cuba e o apego à autoridade por parte de Fidel já exalava o odor da senilidade e tresandava a anacronismo. Valeu a maleita que o diminuiu e o obrigou a ser razoável.
Em Portugal, o nosso ditador de serviço e beato de Santa Comba, também teve de dar um trambulhão para cessar de governar. Pena foi que, ao contrário do ditador cubano, deixasse como herança o aumento do fosso - que já era intransponível - que separava Portugal dos congéneres europeus: um país faminto, socialmente inculto e iletrado, clericalmente submisso e enganado e um rasto de morte causado por uma guerra colonial evitável e de má memória... Portugal continua hoje a pagar o preço desse meio século de obscurantismo.
Sorte a de Cuba não ter de superar uma ditadura tão cruel e finalmente ver concretizar a possibilidade de mudança de regime político. A verdade é que os charutos demoram a fumar, mas este está a chegar ao fim!
Etiquetas: Política
2 Comments:
A durabilidade pessoal e institucional deve estar associada ao admirável sistema de saúde. :)
Abraço
MF
queira deus (ou lá quem é) que não volte o país a ser "o bordel e o casino dos EUA". As mudanças nos países do leste não são propriamente de criar sossegos...
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