quarta-feira, abril 19, 2006

A deriva capitalista e a voragem de Cronos

Punhamos os dados fundamentais em cima da mesa!
A crescente avalanche de medidas legislativas relacionadas com o mundo do trabalho vão, indubitavelmente, no sentido de favorecer o paradigma ultraliberal vigente há décadas e cuja hegemonia tem amedrontado o poder político, que, assim, se subordina cobardemente ao poder económico. Daí que, no quadro da dominação dos mecanismos especulativos próprios da economia de mercado, se adoptem políticas que têm determinado sacrifícios extemporâneos, injustificados, injustos, desadequados, para não dizer... criminosos!
Tais políticas de pendor capitalista estão invariavelmente a conduzir, neste mundo globalizado, à escandalosa depredação dos recursos naturais e consequente destruição do equilíbrio ecológico, bem como a fenómenos massificados de exclusão e pobreza sociais. Aliás, o modelo económico capitalista desvaloriza os direitos humanos a um ponto tal, que muitos produtos incorporam mão-de-obra escrava e/ou infantil, ou são geneticamente manipulados. O desrespeito a principais elementares de ética justificam-se em nome dos interesses privilegiados do mercado.
À semelhança de outros governos pelo mundo fora, o do Eng. Sócrates conquistou o poder e exerce-o contrariando muito do que prometeu na disputa eleitoral (por exemplo, aumentou o IVA e agora mais de um milhão de pensionistas vão passar a declarar o IRS) aos que - ingénua ou irresponsavelmente? - o elegeram.
O aumento da idade da reforma, face ao presumível esgotamento próximo do modelo tradicional de financiamento e sustentabilidade da Segurança Social, e, por outro lado, a sagrada trilogia Produtividade - Competitividade - Flexibilidade, vão ter efeitos tão perversos que se constituem como soluções que não só não resolvem os problemas, como os agravam. Vejamos:
i) Com uma mais tardia reforma, acumular-se-ão nas empresas e noutros sectores de actividade (escolas, hospitais, tribunais, forças de segurança, etc.) trabalhadores mais velhos e que, por isso, tendem a ser menos produtivos (o metabolismo não perdoa!) e simultaneamente mais caros e mais resistentes à permanente necessidade de actualização e requalificação tecnológica nos sectores de ponta. Além disso, ocuparão mais tempo lugares que deixam de estar vagos e preenchidos pelos mais novos - o desemprego aumenta. Logo, poupar-se-á em reformas o que se consumirá em subsídios de desemprego e aumentará exponencialmente a precariedade dos vínculos laborais.
ii) Para obter ganhos de produtividade e ser competitivo, o mercado exige friamente dos Estados que decretem a extinção de direitos sociais dos trabalhadores, o que passa, por exemplo, pela imposição de maior flexibilidade laboral. Consequentemente, cada vez mais trabalhadores laborarão mais tempo (e com diminuição do poder de compra!) e terão menos tempo livre para lazer e menos disponibilidade para o acompanhamento e convívio familiares, resultando daí a baixa da natalidade (já tão notória e visível) e envelhecimento da população, o desincentivo da conjugalidade e a quebra de laços afectivos diversos, o incremento da educação informal dos filhos por agentes de socialização como os avós, a TV, artefactos tecnológicos e afins, dada a ausência dos pais e mães ocupados pelos ossos do ofício, etc. etc., numa espiral ou ciclo vicioso de consequências temível e infelizmente imprevisíveis...
Em suma, o caminho que se percorre é dilemático. Não havendo modelos ou soluções perfeitas, o sistema capitalista não é seguramente justo nem ideal. Corroborando o filósofo Henri Fréderic Amiel (1821- 1881), a ambição do lucro faz com que «a necessidade seja dinamicamente o contrapeso da espiritualidade»; e a voragem capitalista lá vai devorando as nossas subtilmente escravizadas vidas, filhos que somos do consumismo que alimentamos e nos mata, tal como no mito em que Cronos, o deus do tempo, para sobreviver devora impiedosamente os seus próprios filhos.
Porém, nada é eterno e não há mal que sempre dure, o capitalismo inclusivé. Como se fará a mudança? Cronos o dirá!

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