quinta-feira, maio 25, 2006

Refutar a monarquia e nostalgias afins - 1ª Parte

Sobejam as razões para, no confronto entre os modelos de organização sócio-política republicano e monárquico, refutar este último. Aqui enunciarei algumas das que considero serem mais importantes nesse cotejo, e na sequência de textos vários que recentemente tive oportunidade de ler de monárquicos portugueses cheios de nostalgia de um passado felizmente irreversível, em que provavelmente ostentavam familiarmente brasões, benefícios e bens imóveis, decorrentes de títulos de nobreza e aristocracia e forais que tais, hoje obsoletos e ridículos, e eram baptizados com extensos e sonantes apelidos que incluíam muitas partículas, arcaísmos e consoantes repetidas (um exemplo fictício mas paradigmático: Ruy de Souza e Mello Telles de Menezes Corrêa e Albuquerque do Espírito Santo), extintos pela graça do bom senso republicano, mais assumidamente popular e sem tons de azul no sangue das veias.
Antes de mais, a monarquia é intrinsecamente inconsistente com a democracia: não se pode ser democrata e reservar exclusivamente o cargo mais elevado da hierarquia do Estado a uma pessoa e família, fundamentando na hereditariedade o acesso à chefia do Estado. A monarquia é discriminatória e potenciadora de fórmulas dinásticas arbitrárias, autocráticas e autoritárias, que a própria história profusamente testemunha. Portanto, a monarquia é anti-democrática, pois não respeita a plena e efectiva soberania popular e coloca-se à margem ou acima do exercício do jogo democrático, que radica no respeito, de jure, da igualdade (de direitos, de género, de oportunidades, etc.).
A república é o sistema político mais próximo dos cidadãos, até porque o Presidente é eleito por sufrágio universal, directo (como em Portugal e na França) ou indirecto (como em Itália), e converte-se num primus inter pares, facultando a possibilidade de atingir a chefia do Estado a um aristocrata, burguês, clérigo ou plebeu (veja-se o caso actual de Portugal e do Brasil). A monarquia veda essa possibilidade logo à partida, afastando-se dos cidadãos e legitimando a formação de elites governantes que pululam em torno da esfera dos "reais interesses", indisputáveis eleitoralmente (exemplo ilustrativo disso foram os acontecimentos que conduziram ao regicídio de 1908 e o prévio mal-estar, descrença e desânimo que o monarca gerou pela sua incompetência, insensibilidade e distanciamento social face aos "interesses reais" da pobre, explorada e esfomeada plebe). Asseverar que o rei representa os mais desprotegidos só pode ser interpretado como afronta a estes ou como cegueira idiossincrática destituída de conveniente fundamento documental.
Por imperativos constitucionais, o Presidente eleito é suprapartidário e o seu mandato está sempre periodicamente submetido ao escrutínio popular, não se perpetuando em monopólio vitalício do cargo e estando limitado na sua acção pelos preceitos da Constituição e demais códigos jurídicos. A permanência demasiado indefinida em cargos públicos é perversa e contraproducente, por razões que só os que ignoram a psicologia e os nepóticos humanos hábitos de caciquismo, compadrio e clientelismo se dispensam de equacionar e invocar; e o rei é um ser humano e não uma entidade divina ou sobrenatural dotada de infalibilidade, ao contrário do que às vezes se quer fazer passar e que a história reiteradamente confirma. Para decidir é necessário formar opinião, e fazê-lo é tomar partido, e isso em harmoniosa articulação institucional com o sistema partidário e as perspectivas ideológicas existentes e representadas nos órgãos de soberania. Dizer, portanto, que o rei está acima dos partidos é uma mistificação tantas vezes também cabalmente desmentida pela história.
A democracia e a sua representatividade mediante partidos não é crime, fraqueza ou pecado, mas um mal menor que o da régia vigência: grave foi a cumplicidade e o conluio da monarquia com sistemas teocêntricos que mutuamente se legitimaram, confundindo o Estado com a Igreja e fazendo perigar a laicidade que sustenta a justa e tolerante configuração das sociedades contemporâneas mais desenvolvidas. A promiscuidade entre monarcas e a Igreja Católica foi um exemplo em Portugal da ausência de imparcialidade e de equidistância por parte de reis portugueses, muitos dos quais se subordinaram humilhantemente à monarquia papal.
Voltarei brevemente ao assunto.

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