terça-feira, maio 23, 2006

«Políticos, Caciques e Outros Anátemas» - 9º Acto

Vi o "Prós e Contras" de ontem e se dúvidas alguém ainda tivesse sobre o quinto poder, exercido por grupos económicos detentores de canais de comunicação social, elas dissiparam-se certamente.
Desde logo, a presença de câmaras e microfones constitui, por um lado, um factor inibidor da naturalidade e espontaneidade de comportamentos e, por outro lado e concomitantemente, configura uma situação artificial em que a preocupação primordial é alinhar numa encenação protocolar e formal, despida de qualquer contaminação de gestos desalinhados e depurada de posturas, poses e posições genuinamente adoptadas, porém de telegenia desfavorável. Do lado dos jornalistas, condicionados por shares e índices de audiência que atraem fontes de receita, sobretudo publicitárias, o imperativo noticioso radica na busca do instante comprometedor que, não obstante a sua irrelevância, fragiliza o alvo em mira (político, artista, desportista e outros). O espectáculo/circo mediático instalou-se e para o cidadão mais distraído, ou menos atento, é fácil aceitar uma ideia, produto, opinião ou sentido de voto, meramente na base da superficialidade fútil do que é avulso e acessório, e que encobre a essência do que é consistente e realmente pertinente e importante.
Tudo é comercializável, vendável, tabloidizável, objecto de lucro... A democracia é o pano de fundo e cenário em que se erige a ditadura da imagem e onde se consolidam popularizações demagógicas que acabam devoradas pelas próprias máquinas mediáticas que as sustentaram e serviram de correia de transmissão. A instrumentalização da comunicação social é uma tentação irresistível e centenária, independente de regimes políticos; e, neste particular, a democracia incorre, em muitos aspectos, no que de mais vil e soez existe nas estratégias de propaganda manipulatórias, autênticos sistemas de legitimação simbólica característicos dos regimes autoritários e autocráticos. Um ângulo, um perfil, um gesto, um esgar, uma palavra ou frase, uma manchete... Detalhes aparentemente inocentes, contudo medidos, calculados, (des)integrados no contexto mais amplo de uma encenação que se converte num artifício proveitoso, mesmo que falso e forjado, que beneficia alguém e que oculta o que é substantivo para a formação de uma opinião pública esclarecida.
Curioso que a exposição e denúncia das feridas que afectam e infectam o jornalismo, subserviente face a uma lógica de capitalismo de mercado e de liberalismo economicista, tenham sido feitas num programa televisivo que é um paradigma do jornalismo-espectáculo em directo, feito sobre um palco de teatro com uma plateia a assistir e a debitar palmas encomendadas para animar e acirrar os ânimos dos paineleiros em contenda, e no qual a pessoa a que chamam jornalista se comporta menos como uma sóbria moderadora e mais como uma folclórica apresentadora e técnica de animação. Ou seja, os factos vêm a lume pela mão de um jornalismo que se comporta como pirómano disfarçado de bombeiro; e o pior é que, neste tórrido clima de promiscuidade e de escrutínio mútuo, todos têm rabos de palha!

Etiquetas:

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Só faltam os polegares para baixo ou para cima. Confesso que já não consigo se quer olhar para a Fátima Campos Ferreira, quanto mais ver esse espectáculo quase tão degradante como o do Springer. Então quando falam do ensino atinge níveis de nauseabundice ...

10:53 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home