quinta-feira, junho 29, 2006

Ruas, o arruaceiro da «intifada» viseense

O exercício de cargos públicos, políticos e administrativos exige dos respectivos titulares um elevado sentido de cidadania e de responsabilidade, entre outros atributos importantes, e para isso são pagos e, a meu ver, bem pagos. Porém, vamo-nos habituando a ver na classe política não um grupo de pessoas, mas um bando de irresponsáveis, ainda por cima beneficiários de um sentimento de impunidade face aos atropelos, ilícitos, negligências e mesmo crimes que comprovadamente cometem. Há mesmo políticos que passam por morais doutrinadores e que, na verdade, são uns fora-da-lei acima da lei. É uma das vicissitudes da democracia em povos, como o português, onde a corrupção e a cunha são o sangue e o oxigénio que dão vida à interacção social quotidiana.
Alguma vez algum primeiro-ministro, ou ministro das Finanças ou da Economia dos sucessivos governos foi responsabilizado pelo estado lastimoso das contas públicas e o correlato aumento das assimetrias sócio-económicas que envergonham Portugal no contexto mundial? Algum ministro da Saúde, da Justiça ou da Educação, actual e anterior, foi punido pela degradação e estagnação que a sua gestão provocou nesses sectores vitais de um Estado soberano? Alguma vez Avelino Ferreira Torres, Fátima Felgueiras, Isaltino Morais, e tantos outros, verão o Sol aos quadradinhos entre as paredes de uma cela? Qual, e para quando, o veredicto dos casos Casa Pia e «Apito Dourado»? Os exemplos podem multiplicar-se e mostram como neste miserável país do "faz de conta" o rei vai nu e a democracia é escalvada e estéril. Tudo, fruto das políticas que há décadas são adoptadas, de Soares a Sócrates, de Eanes a Cavaco, e que são ditas e tidas como do centro ou da esquerda e direita moderadas...
Ora, recente episódio veio do presidente da Câmara Municipal de Viseu e da Associação Nacional de Municípios, Fernando Ruas, que, numa alocução proferida na segunda-feira durante a reunião da Assembleia Municipal de Viseu e transmitida por uma rádio local, incitou autarcas e munícipes das freguesias a agruparem-se para "correrem à pedrada" os inspectores do Ministério do Ambiente que têm aplicado multas aos presidentes de Junta. Ou seja, em Viseu vale tudo, mesmo o grave incumprimento das regras ambientais que, ao contrário do que Ruas pensa, são factor imprescindível do desenvolvimento que diz defender! Asseverando estar a "medir muito bem aquilo que disse", o inenarrável edil viseense recusou-se a pedir desculpas aos governantes da pasta do Ambiente, e agora vem a público defender que é uma mera expressão em sentido figurado - Fernando Ruas é que dá mostras de ser um autarca e político em sentido figurado! É preciso ter muito mau gosto para produzir injunções tão insidiosamente provocadoras e que incitam à violência, as quais só têm paralelo com o comportamento dos dignitários líderes da máfia, que tudo resolvem por desrespeito e desprezo para com a lei e como manifestação ostensiva de um poder discricionário.
Ruas teve uma atitude de arruaceiro e parece que, afinal, o ditadorzinho das ilhas Desertas, da Madeira e Porto Santo já começa a fazer escola e a ter discípulos também no continente, não sendo mera coincidência serem do mesmo partido e o embrião continental ter sede no "cavaquistão". Muitos anos de poder transtornam e turvam a lucidez de procedimentos, o sentido dos limites, o recato legal e a humildade na relação com os outros. Ruas é um dinossáurio autárquico, nível de exercício político tão corrompido e contaminado de caciquismo e cumplicidade clientelar, e este seu exemplo só vem confirmar, uma vez mais, que a limitação de mandatos de cargos públicos e políticos é uma urgência nacional.
Termino deixando a Fernando Ruas uma sugestão: que tal ir com os presidentes de Junta do seu concelho visitar a Palestina para um curso intensivo de "correr à pedrada" as persona non grata do burgo, inclusivé os inspectores que zelam pelas leis?! Ficaria certamente conhecido como o grande mentor da... «intifada» viseense!

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5 Comments:

Blogger O Micróbio II said...

É curioso assistir à tua argumentação sobre retórica tão imprópria de um sujeito que conheço bem e com quem lidei directamente durante os 5 anos em que vivi em Viseu e onde desenvolvi profissionalmente alguns projectos ambientais. Digo "curiosamente" porque recorrendo a posts aqui do Sem Quorum, já tive a oportunidade de verificar os rótulos que atribuis a determinadas figuras públicas, já para não me focar nos impropérios com que retratas as personagens religiosas... mas enfim, como não és uma figura pública tais caracterizações acabam por não ter o impacto que teve as afirmações bombásticas do Ruas. Mas em relação ao facto em si, apenas deixo aqui esta sugestão: troquem TODOS (sem exceppção) os inspectores do ambiente do Ministério por auditores de sistemas de gestão ambiental (normas internacionais ISO 14001 e EMAS) que fazem parte das bolsas de auditores de algumas entidades certificadoras e verifiquem o que é fazer inspecções ao ambiente... na altura em que tive de trabalhar com alguns desses senhores pude comprovar a sua capacidade. Aposto que ainda andam com checklists de 1995 debaixo do braço... Não defendo o Ruas que já na altura era conhecido por "arruaceiro", mas compreendo-o... e de que maneira!

7:04 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Caro Micróbio:
1º) ao contrário de ti, não tenho dogmas; pelo contrário, tenho para mim que as ideias e os homens são passíveis de refutação e de serem postos em causa, pelo que as figuras públicas, por o serem, não estão imunes a "impropérios"; não acredito em santos, teus ou dos outros;
2º) não sou figura pública, felizmente! E as "caracterizações" que faço não são para terem impacto, nem sequer uso as mesmas armas daqueles que critico... São meras reflexões que dispensam conferências de imprensa e aparatos afins!
3º) não queiras que todos saibamos o que são "checklists" ou "normas internacionais ISO 14001 e EMAS"; se Ruas tem razões objectivas para estar incomodado, deve, até pela sua qualidade de autarca e rosto de todos os autarcas, saber explicar urbanamente e com sentido institucional (bem ou mal, são os inspectores e vigilantes que temos; também, não votei no Sócrates, mas meu amigo, tenho que gramar com a estupidez da maioria) quais são essas razões. Não basta ter razão - é preciso saber tê-la! E é isso que eu quis vincar no meu post. Infelizmente, enveredares por uma cruzada contra o que escrevo - o que é legítimo! - obnubila-te a clareza semântica e hermenêutica do texto, evidente em anteriores comentários aos meus posts.
4º) (Já pareço o Paulo Portas com esta enumeração!) Mas fico contente que me continues a honrar com a tua presença, pois sou adversário dos regimes de partido único! :)
Aquele abraço,
ALM

8:32 da tarde  
Blogger Ai meu Deus said...

eu sou dessa opinião (ou da contrária, se necessário for).

Já agora... quem é esse Ruas?

1:27 da manhã  
Blogger Al Cardoso said...

Talvez o senhor Ruas tenha alguma razao, mas em meu ver perdeu-a quando usou esse tipo de linguagem.
Como presidente dos autarcas portugueses, deveria ter sido mais cauteloso nas palavras, ou sera por essa razao se considera tao importante, que pode dizer o que lhe aprover?
Sendo do partido do senhor Jardim, talvez tenha aprendido com ele!

5:21 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

O nome do senhor resume quase o que é Viseu moderno: ruas, ruas, ruas com rotundas. Enfim ... algumas terras nem isso.
As pessoas que lidam directamente com inspectores que fiscalizam o trabalho dos outros sabem que muitas vezes essas pessoas não perecebem quase nada de nada. Nós professores também temos que os aturar mas daí a dizer em público que os corremos à pedrada. Podemos pensá-lo mas ...
Enfim é mais um dos muitos exemplos que mostra que o país anda nas RUAS da amargura.

10:31 da manhã  

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