quinta-feira, outubro 26, 2006

Antigos direitos, novos privilégios

As consequências de fenómenos sócio-económicos contemporâneos que concorrem para a precarização do trabalho, como as deslocalizações de empresas, os sucessivos aumentos de impostos directos e indirectos, a subida da inflação ou a flexibilização da legislação laboral, conduzem-nos à conclusão de que está em curso uma manifesta inversão semântica do conceito «privilégio».
Com efeito, é ideia cada vez mais recorrente que não só o desemprego é uma fatalidade incontornável, como é também proporcional à crescente tecnologização das sociedades. Por isso, coisas básicas que antes eram direitos fundamentais (trabalho, saúde, ensino, pensão na velhice, etc.) e que beneficiam a sociedade no seu conjunto, passaram a ser perspectivados como privilégios, fruto do paradigma político neoliberal dominante e tributário de um severo capitalismo económico globalizador. Parece, portanto, que há demasiados privilegiados por, por exemplo, usufruirem de emprego, mesmo que instável e precário.
Nesta conjuntura, mais preocupante é assinalar que o discurso político de esquerda em muitos países preponderantes - veja-se o triste caminho de "terceiras vias" das esquerdas moderadas europeias - acolhe placidamente este princípio frívolo de configuração social. A esquerda que tem feito parte do arco de governação meteu as preocupações sociais na gaveta e, em vez de alargar a outros os privilégios de poucos que têm muito, antes diminui os poucos benefícios dos muitos que têm menos, sob o pretexto de se se tratarem de privilégios e não de justos direitos.
É este quadro de acção política que incute nas sociedades contemporâneas o passivo conformismo e a subserviente aceitação face à miséria e degradação de crianças com fome e adultos vitalícia e irreversivelmente endividados, do desamparo na velhice, das injustiças da impunidade dos que têm poder (veja-se, por cá, o recente trânsito em julgado do processo da queda da ponte em Entre-os-Rios ou as irregularidades nas contas dos partidos), da desenfreada e escravizante competição económica, entre outras situações que são agora aceites como inexoráveis fatalidades. E quando o hábil discurso político de conveniência reduz as assimetrias e conflitos sociais à artificiosa dicotomia exclusão/inclusão (como no "roteiro para a inclusão" protagonizado por Cavaco Silva), o que pretende é escamotear que, entre os «incluídos» há, afinal, tantos «excluídos» na precariedade da vida activa, convertidos em descartáveis existências patrocinadas pela impessoal tirania do cifrão...

Etiquetas:

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Money, money, money ... It's so funny ... in a rich man's world ...

ABBAraço
MF

6:37 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home