quinta-feira, dezembro 21, 2006

Um presépio que nunca existiu

A festa essencial do Cristianismo é a Páscoa, sendo o Natal mais tardio e correspondendo a uma necessidade de seguir eventos cultuais pagãos relacionados com os ciclos das estações e do Sol. O nascimento de Yehoshua bar Yossef, entre nós conhecido por Jesus, é apenas referido nos evangelhos de Mateus e de Lucas, ambos em breves trechos e com cómicas ambiguidades e contradições, e com enormes incorrecções relativas quer a factos históricos, quer aos costumes palestinos do século I. Tais aspectos nem a mais ingénua credulidade pode ignorar. Outros textos, mas apócrifos, não canónicos (como o Protoevangelho de Tiago ou o Evangelho de Infância de Tomé) também contêm curiosas efabulações da natividade.
Mateus e Lucas exploraram um filão de credulidade com intuitos diversos: o primeiro, provavelmente judeu, preocupou-se em encontrar nas Escrituras profecias e precedentes aplicáveis a Jesus como Messias, mesmo inventando ele próprio factos que se adequassem a esse desiderato, com o fito de equiparar Jesus aos patriarcas e profetas judeus da Torah (como Moisés); já Lucas, um gentio, não judeu, demandou no sentido de colocar convenientemente o 'nazareno' a par dos deuses pagãos e heróis semidivinos que proliferavam no panteão das culturas sob a alçada do Império Romano (Perseu, Mitra, Adónis, Ísis, Rómulo, Júlio César, Alexandre Magno, etc.).
O autor do evangelho de Mateus tê-lo-á escrito na Ásia Menor ou no Egipto; o autor do evangelho de Lucas tê-lo-á escrito em Roma - ambos no último quarto do século I. Por isso, não surpreende que Mateus fale numa estrela particular, em camelos e em reis magos; e Lucas em pastores a guardar os rebanhos no campo e à noite (em pleno Inverno? Ou morreriam de hipotermia ou Jesus não nasceu a 25 de Dezembro, portanto). Não há aqui vestígios de cáfilas e demais elementos e personagens exóticos saídos da delirante e mentirosa imaginação de Mateus. Alguém escrevesse no gélido pólo, e teríamos iglos e pinguins na história! Nem sequer Lucas refere uma qualquer matança de criancinhas ordenada por Herodes, a qual, espantosamente, nenhum documento histórico registou...
Sobre os magos vindos da Pérsia, por que queriam eles adorar o "rei dos judeus que acabava de nascer", se os reis não eram adorados mas apenas os deuses? A ideia de que Jesus seria Deus é em duas ou três décadas posterior à sua morte (50 ou 60 anos após os factos narrados por Mateus, que projecta para o passado e para sacerdotes gentios o prenúncio do cariz divino do frágil rebento). O número e o nome dos reis magos são inexistentes nos evangelhos: o Papa Leão, o Grande, decidiu que eram três; e foi Tertuliano, doutor da Igreja no séc. III, que os considerou 'reis' - simples, fácil e dá milhões de crentes!
A data de 25 de Dezembro para celebrar o nascituro nada tem de consagrada espiritualidade, mas antes de despotismo político: deve-se ao Imperador Constantino, facínora e sanguinário benemérito e benfeitor do catolicismo, seguidor e sacerdote do Sol invictus, sucedâneo de Mitra e que festejava o seu dia nessa data (o natale solis invicti), coincidente com o solstício do Inverno. Foi o mesmo Constantino, cruel tirano, que também impôs no primeiro Concílio cristão, em Niceia (em 325), a unidade na interpretação da mensagem cristológica, cujo carácter divino foi aí coercivamente votado - Jesus foi o primeiro deus democraticamente eleito!
A julgar pelas indicações evangélicas, a probabilidade de Yehoshua ter nascido em 25 de Dezembro é a igual à probabilidade de nevar em Portugal em 25 de Julho!
Muitos outros profanos interesses e teológicas conveniências estão na base destas estórias falsas, incongruentes e mal contadas que erigem as religiões e que, de tão repetidas e difundidas, passaram, e ainda passam, por verdadeiras. É o caso do Natal e do presépio.
Há coisas fantásticas, não há?

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4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Será que daqui a uns milhares de anos vamos ter o Pai Natal como um deus e a coca-cola como bebida sagrada e redentora?

Boas festas apoleonicas(?)

7:08 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Boas Festas, Santo Natal e Próspero Ano Novo, são os meus sinceros votos. O artigo é deveras impressionante e interessante, e li com toda a atenção. A minha visão histórica fica no meu blogue COURA: magazine - HISTÓRIA cujo URL é o seguinte: http://couranahistoria.blogs.sapo.pt/.

5:00 da manhã  
Blogger LS said...

desejo votos de um
SANTO NATAL e
FESTAS FELIZES
...e não se esqueçam que há
quem não tenha Natal...

12:30 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

UM FELIZ NATAL!!

10:42 da tarde  

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