sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Iniquidade dos dogmas

Porque me considero um determinista moderado, defendo o livre-arbítrio como uma marca existencial do Homem, apesar de reconhecer simultaneamente que as nossas acções são causadas por constrangimentos físico-biológicos, sociais e psicológicos - ninguém existe sem o corpo que tem (e que não escolheu) e sem estar inserido num meio social - que irão determinar em grande medida o perfil psicológico e o quadro subjectivo de valores, referências, comportamentos e preferências individuais.
Por outro lado, num mundo globalizado não é preciso viajar muito para se ter consciência da diversidade de padrões culturais existente, o que conduz inevitavelmente ao confronto de práticas sociais tão díspares, que nos levam a perceber que as normas que interiorizámos e pelas quais nos regemos não são universais. Por conseguinte, podemos sempre depararmo-nos com a necessidade de reequacionar a perspectivação que temos do que pensamos, sentimos, fazemos ou agimos, revendo e questionando as nossas convicções (ou as dos outros) - o individual e o social são processos dinâmicos em permanente construção, como tal sujeitos à mudança.
Não obstante esta percepção, subsistem teimosamente ideias obsoletas e retrógradas veiculadas por instituições não menos anacrónicas e ancoradas em preceitos e pressupostos ideológicos tão antigos como o medo da morte e enraizados em falácias ad ignorantiam. É o caso de tantas crenças e credos de pendor místico-religioso, profundamente homofóbicos e misóginos.
Sabendo hoje que a homossexualidade é uma orientação ou inclinação que não é opcional e escapa ao controlo volitivo do indivíduo (e à semelhança de muitas espécies animais), como aceitar tais preconceitos? Ser gay ou lésbica é pecado? Saberão as igrejas mais das leis da atracção do que as ciências especializadas? E como legitimar racionalmente a discriminação, por exemplo, de género, que subordina a figura e o papel femininos a um estatuto de inferioridade? Poderá hoje uma sociedade dar ainda cobertura à intransigência misógina e homofóbica de influentes credos religiosos?
Embora estejamos já no século XXI, continuamos a assistir a modelos ético-morais injustificada e dogmaticamente desadaptados das novas realidades sociais, culturais e dos desenvolvimentos cognitivos entretanto conseguidos. As normas sociais vigentes nas sociedades contemporâneas deviam ter o fundamento racional que lhes confere a razoabilidade de sentido e de inteligibilidade, mas que parecem falhar em tantos pontos do mundo.
Oxalá o resultado do recente referendo à IVG tenha sido mais um passo importante (depois da retirada de símbolos religiosos das salas de aula) que desautorize a vetustez senil de instituições como, em Portugal, a Concordata. Valha-nos Deus se as coisas não mudassem!

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2 Comments:

Blogger Ai meu Deus said...

Ó sem quorum,

penso que não é necessário justificar cientificamente as opções -- sexuais ou outras.
Mesmo que a homossexualidade seja uma orientação opcional, é opcional. Quero dizer, é uma questão do foro pessoal. E vai sendo tempo de a igreja católica (e as outras) perceberem que o que é do foro pessoal... é do foro pessoal. E vai sendo tempo de nós nos cagarmos positivamente para as igrejas que insistem em se intrometer em territórios para os quais não têm licença de intromissão.

Digo-o eu que, por opção ou sem ela, não sou homossexual.

2:34 da tarde  
Blogger morffina said...

Na senda do "ai meu deus" Ca Gay para a igreja!

Achei piada foi da necessidade de do "Ai meu deus" dizer que pertence ao nosso "clube" (já agora com isto estou a fazer precisamente o mesmo ... para os dois! Hah! Quem é amigo quem é. Atenção eu disse amigo!

Bom chega de grunhices

Abraço (de amigo ... hah!)
MF

PS. Peço desculpa aos homossexuais.
A minha veia de comicidade é mais forte do que eu.
Seria mais um passo de gigante para uma sociedade livre e justa quando se aceitar esta opção.

Um abraço sincero a todos os homossexuais e heterossexuais.

1:33 da manhã  

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