A celibatária excomunhão das mães solteiras
O secretário-geral e porta-voz da Conferência Episcopal espanhola, Martín Camino, criticou a ajuda do Estado vizinho às mães solteiras, como é o caso do aumento até € 3500 da nova prestação de maternidade para as famílias monoparentais. Este bispo asseverou que o Estado deve promover a natalidade num "contexto adequado", em que se respeitem os direitos da criança "a ter um pai e uma mãe e onde possam ser acolhidos e educados"; na sua opinião, "todos têm dignidade e não são responsáveis pelas circunstâncias em que foram gerados", mas opõe-se a que se "promova" que os rebentos "venham ao mundo sem um pai e uma mãe" - a minha querida e saudosa avó, analfabeta e sem demorados estudos teológicos, não pensava de maneira diferente...
Por aqui se vê como, antes de ser na Terra a voz de um deus com doença bipolar, a igreja papista deveria começar a ter mais bom senso, elevação ética e, sobretudo, um sentido prático de realismo cívico e social. Pelo contrário, a nostalgia pela atávica concepção de uma anacrónica ideia de família tradicional é o que move e mais agrada a esta cristalizada hierarquia de celibatários: um pai e uma mãe; ele trabalhando incansável e obstinadamente para o sustento da tribo e ela alegre e diligentemente na cozinha e na casta consumação das domésticas tarefas, eventual e aconselhavelmente a mudar as borradas fraldas ao petiz e demais virtudes que a promovem a imaculada fada do lar; não esquecendo ambos, claro, a missinha ao domingo!
Mas, ó bispos deste mundo e do outro, que dizer de uma jovem mãe por violação ou recém-viúva - estarão elas também sujeitas à santa censura da solene prelatura? Julgarão vossas senhorias, no vosso asséptico distanciamento da crua e fáctica realidade, que todas as crianças abençoadas com a presença quotidiana dos biológicos progenitores são invariavelmente estimadas e tratadas com o afectuoso beneplácito do amor paternal (o tal "contexto adequado"), ou os inúmeros e frequentes casos de maus tratos são malévolas invenções de maldosos jornalistas? Vale a essas infelizes fêmeas que já não há garrotes nem fogueiras!
A reduzida capacidade de discernimento da vaticana gente, ciosa de bizarros e arrogantes preconceitos de vária ordem, demonstra por que a laicidade é tão útil, conveniente e indispensável, quanto mais não seja para que se deixe de apontar o dedo aos «bastardos», como se fazia nos gloriosos e inquisicionais tempos de antanho, e apesar da hipocritamente contraditória asserção de que "todos têm dignidade". Bem se viu... É que, com a presente e louvável medida do governo espanhol, não se fomenta nem se inibe a monoparentalidade, mas apenas se atende à realidade sócio-económica e cultural actual, sem procurar impôr paradigmas ético-morais particulares ao conjunto da sociedade, que, seguramente, não é universalmente composta de crentes nem de católicos. A mulher deve ter o direito de decidir quando quer ser mãe, independentemente de ter ou não parceiro e apesar de modelos caducos e retrógrados que ainda subsistem no modo de conceber a família.
Em vez de ajudarem a resolver os problemas próprios da inevitável realidade profana, estes profissionais de idólatra doutrina negam-na só porque ela não se adequa ao seu modelo doutrinal de sociedade e afronta o seu preceito exclusivista e peculiar de «cristandade». Sei que demonstrar inteligência é um requisito do que alguns consideram uma característica do divino; porém, estas presuntivas eminências de sotaina não fazem mais que insultar a inteligência, o comedimento, a sensatez e o livre-arbítrio dos seus próximos.
Cada vez mais me convenço de que há que refazer o difundido aforismo neotestementário para: "ao Papa o que é do Papa, a Deus o que é de Deus"!
4 Comments:
Tono, tens razão. Mas repara que o Evangelho é outra coisa e essas minudências e entraves ao contexto de cada qual mulher, colocadas por esses Bispos, não anulam uma Palavra neotestamentária exigente em matéria de socorro incondicional a quem precise.
Toninho, por onde andas, meu querido amigo? Qvo vadis?
Bom domingo
Abraço
Para quando um novo testamento? Não há por aí outro messias que nos salve das mãos dos cristãos?
Abraço
MF
Caro Guizito: escreves muito e aparentemente bem, mas nada dizes... O Jurássico já foi há muito, quinzinho!
Com a benção da palavra neotestamentária,
ALM
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