sábado, outubro 06, 2007

A celibatária excomunhão das mães solteiras

O secretário-geral e porta-voz da Conferência Episcopal espanhola, Martín Camino, criticou a ajuda do Estado vizinho às mães solteiras, como é o caso do aumento até € 3500 da nova prestação de maternidade para as famílias monoparentais. Este bispo asseverou que o Estado deve promover a natalidade num "contexto adequado", em que se respeitem os direitos da criança "a ter um pai e uma mãe e onde possam ser acolhidos e educados"; na sua opinião, "todos têm dignidade e não são responsáveis pelas circunstâncias em que foram gerados", mas opõe-se a que se "promova" que os rebentos "venham ao mundo sem um pai e uma mãe" - a minha querida e saudosa avó, analfabeta e sem demorados estudos teológicos, não pensava de maneira diferente...
Por aqui se vê como, antes de ser na Terra a voz de um deus com doença bipolar, a igreja papista deveria começar a ter mais bom senso, elevação ética e, sobretudo, um sentido prático de realismo cívico e social. Pelo contrário, a nostalgia pela atávica concepção de uma anacrónica ideia de família tradicional é o que move e mais agrada a esta cristalizada hierarquia de celibatários: um pai e uma mãe; ele trabalhando incansável e obstinadamente para o sustento da tribo e ela alegre e diligentemente na cozinha e na casta consumação das domésticas tarefas, eventual e aconselhavelmente a mudar as borradas fraldas ao petiz e demais virtudes que a promovem a imaculada fada do lar; não esquecendo ambos, claro, a missinha ao domingo!
Mas, ó bispos deste mundo e do outro, que dizer de uma jovem mãe por violação ou recém-viúva - estarão elas também sujeitas à santa censura da solene prelatura? Julgarão vossas senhorias, no vosso asséptico distanciamento da crua e fáctica realidade, que todas as crianças abençoadas com a presença quotidiana dos biológicos progenitores são invariavelmente estimadas e tratadas com o afectuoso beneplácito do amor paternal (o tal "contexto adequado"), ou os inúmeros e frequentes casos de maus tratos são malévolas invenções de maldosos jornalistas? Vale a essas infelizes fêmeas que já não há garrotes nem fogueiras!
A reduzida capacidade de discernimento da vaticana gente, ciosa de bizarros e arrogantes preconceitos de vária ordem, demonstra por que a laicidade é tão útil, conveniente e indispensável, quanto mais não seja para que se deixe de apontar o dedo aos «bastardos», como se fazia nos gloriosos e inquisicionais tempos de antanho, e apesar da hipocritamente contraditória asserção de que "todos têm dignidade". Bem se viu... É que, com a presente e louvável medida do governo espanhol, não se fomenta nem se inibe a monoparentalidade, mas apenas se atende à realidade sócio-económica e cultural actual, sem procurar impôr paradigmas ético-morais particulares ao conjunto da sociedade, que, seguramente, não é universalmente composta de crentes nem de católicos. A mulher deve ter o direito de decidir quando quer ser mãe, independentemente de ter ou não parceiro e apesar de modelos caducos e retrógrados que ainda subsistem no modo de conceber a família.
Em vez de ajudarem a resolver os problemas próprios da inevitável realidade profana, estes profissionais de idólatra doutrina negam-na só porque ela não se adequa ao seu modelo doutrinal de sociedade e afronta o seu preceito exclusivista e peculiar de «cristandade». Sei que demonstrar inteligência é um requisito do que alguns consideram uma característica do divino; porém, estas presuntivas eminências de sotaina não fazem mais que insultar a inteligência, o comedimento, a sensatez e o livre-arbítrio dos seus próximos.
Cada vez mais me convenço de que há que refazer o difundido aforismo neotestementário para: "ao Papa o que é do Papa, a Deus o que é de Deus"!

4 Comments:

Blogger joshua said...

Tono, tens razão. Mas repara que o Evangelho é outra coisa e essas minudências e entraves ao contexto de cada qual mulher, colocadas por esses Bispos, não anulam uma Palavra neotestamentária exigente em matéria de socorro incondicional a quem precise.

8:55 da tarde  
Blogger joshua said...

Toninho, por onde andas, meu querido amigo? Qvo vadis?

Bom domingo

Abraço

11:42 da manhã  
Blogger morffina said...

Para quando um novo testamento? Não há por aí outro messias que nos salve das mãos dos cristãos?

Abraço
MF

7:33 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Caro Guizito: escreves muito e aparentemente bem, mas nada dizes... O Jurássico já foi há muito, quinzinho!
Com a benção da palavra neotestamentária,
ALM

7:49 da tarde  

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