Pérolas de um devoto capitalista
A minha diatribe de hoje é dirigida a um doutorado em Economia (começa a ser preocupante a (de)formação cívica que esta espécie de ciência parece incutir em muitos dos seus especialistas) e vice-presidente da CIP, de nome Paulo Nunes de Almeida. Numa entrevista dada ao «Público», este senhor produziu um conjunto de asserções tão retorcidas e eivadas de uma idiossincrasia tão fervorosamente capitalista e neoliberal, que violentam até à náusea as preocupações sociais e o respeito pela dignidade laboral dos trabalhadores. Passo a expor:
i) Para o douto economista, aumentar o salário mínimo nacional para 500 euros vai gerar mais desemprego - claro que sim, pois os empresários (ou patrões?) não se privarão de comprar os seus veículos topo de gama ou as suas residências de férias, além de que os lucros que obtêm e a distribuição das mais-valias são inegociáveis; vai daí e ameaçam cortar postos de trabalho, porque, como se vê, o dinheiro não estica...
ii) Apela ele dramaticamente para que se proceda à redução do número de feriados - claro que sim, são uma causa substancialíssima da redução da produtividade e da competitividade; afinal, o ano só tem 365 dias, poucos para trabalhar e demasiados para folgar; então as férias e os inoportunos fins-de-semana não bastam?
iii) Sugere ele ao Governo, como bom, atento e exemplar cidadão que deve ser, a colocação de um tecto nas indemnizações - claro que sim, as indemnizações milionárias que os operários recebem com ligeireza merecem a nossa reprovação, pois não são administradores nem directores-gerais de bancos, de multinacionais ou de empresas públicas, para além de que já são muito bem remunerados mensalmente.
iv) Preocupado com a globalização, defende a criação de um «fundo» de ajustamento à dita com dinheiros públicos - claro que sim, há que dignificar a iniciativa privada e para isso há funcionários públicos a mais; as receitas dos impostos, ao contrário dos lucros das empresas, devem ser melhor repartidos.
v) E ainda refere o eloquente empresário a questão dos horários, mostrando que é cristão de boa cepa e um altruísta moral: magnânimo, opõe-se à discricionaridade no prolongamento do horário de trabalho, pois sabe por experiência própria que, a partir de determinado tempo extra, não é o cansaço que aumenta mas a produtividade que diminui! E quando há sazonal trabalho acrescido "nós temos que criar um mecanismo em que essas horas a mais possam ser compensadas nos períodos em que a empresa tem menos trabalho" - claro que sim, pois as horas-extra de trabalho só beliscam os lucros e ainda está para nascer o doutorado em Economia que defenda a equiparação do trabalho extraordinário a trabalho normal; o que interessa, portanto, é acabar com as horas extraordinárias usufruindo o patrão delas, como há muito fazem os bancos.
Como se vê, este depoimento é uma pérola apologética do capitalismo mais rude, bárbaro e selvagem que se possa imaginar. Sinal dos tempos, é com pressões desta índole que o Governo intervem na economia no sentido único de beneficiar o patronato (que, em Portugal, empresariado há pouco!), ainda demasiado molestado pelos mesquinhos interesses dos trabalhadores. O que a direita pretende não é «menos Estado, melhor Estado», mas sim «menos Estado social, melhor Estado elitista».
Paulo Nunes de Almeida dá até a entender que, se calhar, e se fosse caso disso, até vendia a própria mãe! Ou esquece que os assalariados também são gente com direito a ter família e que não nasceram com o propósito exclusivo de trabalhar ou de serem escravos?
2 Comments:
Tive de ir ler para acreditar... estou completamente aparvalhado... nem consigo fechar a boca...!
Agora os srs empresários, vulgo patos bravos, vão andar de polo e deixar de usar os visa gold para pagar jantares. Nã quuriam mais nada...
Volta Salazar, estás mais que perdoado!
Estes senhores economistas esquecem-se que se tratarem muito mal os seus trabalhadores acabam por perder também o seu consumidor final.
É que nos seus livros de "economês" não lhes explicam que, em última análise, são as mesmas pessoas.
Estes "merceeiros" estão a cavar a sua própria sepultura a grande velocidade.
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