quinta-feira, abril 27, 2006

Um caso infeliz de presidencial humor involuntário

Cavaco Silva continua o seu discreto mutismo, só interrompido com episódicos discursos solenes. Mas, se no tempo do pleito eleitoral, o vazio de ideias que evidenciou e o seu silêncio foram lamentáveis - aliás, como o foram os de Sócrates (mas é assim que paradoxalmente se ganham eleições em democracia) -, não se comprometendo o conservador algarvio com ideias, projectos ou atitudes consistentes e substanciais (a praticamente tudo disse «nim»), já na circunstância actual, em que desempenha o papel de chefe de Estado, essa reserva e discrição são, do meu ponto de vista, prudente e institucionalmente recomendáveis.
Mas há uma razão que, entre outras, contribui para que Cavaco Silva adopte esta atitude de mudez presidencial: é um político (embora cinicamente se faça passar por não-político) sem espontaneidade assertiva, fruto também do pragmatismo ideológico que consiste em ter ideias avulso e ao sabor da conjuntura, bem como resultado de um comportamento político avesso a compromissos (excepto os que têm índole economicista). Por exemplo, veja-se o oportuno distanciamento, para não dizer marginalização, a que votou o PSD e o CDS, partidos que o apoiaram oficialmente, durante a demanda electiva do início do ano.
Ora, esta segura insegurança declarativa manifestou-se logo na sua primeira deslocação enquanto Presidente da República, quando visitou o Hospital Dona Estefânia, no dia 9 deste mês (um mês depois da tomada de posse: discutível morosidade ou rigoroso cálculo?). Cavaco Silva interpelou uma das crianças internadas com um infeliz «Estás bom?»; melhor seria que trouxesse um chupa-chupa, um livro de BD ou um ursinho de pelúcia, ou então um diálogo ensaiado, uma estorinha ou um discurso escrito para a criança ouvir... Valeu que estava umbilicalmente ao seu lado a presidencial esposa, que das damas é agora a primeira, e que, imediatamente, comentou ao eminente esposo que, se estivesse bom, o petiz não estaria internado num hospital. O Presidente corrigiu com nova pergunta: «Estás melhor?»
Mas há males e males... Brevemente, um tal deslize do mais alto magistrado da Nação terá menos probabilidade de ocorrer em Barcelos, Nelas, Vouzela, Guarda, Fundão, Elvas e outros lugarejos afins. Será por isso que o Primeiro-Ministro vai encerrar serviços e unidades de saúde, para evitar embaraços presidenciais que descredibilizem o aforismo «raramente me engano» e assim retribuir a harmonia institucional?

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4 Comments:

Blogger O Micróbio II said...

Que dirão os que o criticaram durante a campanha, insinuando diversas vezes que Cavaco iria aproveitar-se da Presidência para se tornar uma sombra ao governo e apropriar-se indevidamente das funções do Primeiro-Ministro? Afinal de contas, o homem não passa de um simples "presidente"... limitando-se à "mudez institucionalmente recomendável" e a algumas frases infelizes. Afinal de contas, a única diferença entre este e o anterior é um simples "pá"! Certamente a frase do outro seria algo do género: "Estás bom, pá!"
Quanto ao fecho de seviços de saúde por questões de condições de segurança de acordo com normas internacionais (e é disto que se trata, apesar de quererem desvirtuar o cerne da questão com argumentos do foro emocional...) completamente de acordo... e quanto à articulação entre Hospitais como o querem fazer aqui na zona da Beira Interior, Guarda, Covilhã e Castelo Branco... também completamente de acordo...!!

12:06 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

O "Estás Bom" obviamente não é para ser levado à letra. É um cumprimento. Por uma pessoa se encontrar hospitalizada muda-se a forma de a cumprimentar, mesmo que essa forma nos pareça desapropriada?

Não me parece.

Um Abraço

8:05 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Não dar cavaco é mesmo a sua principal função.
Não há melhor coisa do mundo do que ser um presidente de um país faz de conta. Faz-se conta que se é importante.
O país faz de conta que o principal motivo de interesse é o presidente e o presidente faz de conta que o principal motivo de interesse é o país.
Tantos intermediários faz de conta: Presidente, Banco de Portugal, Governo ...

Obrigado Bruxelas! O que seria de nós sem ti.

11:44 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

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»

12:48 da tarde  

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