domingo, dezembro 31, 2006

Poemário: Ímpar espiral

Ímpar espiral

Ano após ano, pisamos o mesmo eterno chão,
num alternado ciclo de alegrias e tristezas;
quebramos a monotonia do tempo, por convenção,
datamos os humanos dramas e heróicas grandezas,
e os sonhos não se vão perdendo, revestidos de ilusão.

Ano após ano, repetimos o constante balanço:
o deve e haver, a recorrente fórmula sabida;
imersos estamos na voragem de Cronos, sem descanso,
procurando sentidos de ser com as cores da vida,
ora indo por aberta via, ora por vereda proibida...

Ano após ano, destilamos o mesmo inerte e mórbido fel
- o negativo dos afectos em película fina de agrura;
nem só de amor cobrimos o ódio (como no quadro o pincel),
pois até a raiva e o rancor impelem à solidária desmesura,
esboçando o amplo desenho que não cabe em folha de papel.

Ano após ano, experimentamos o futuro como esperança:
projectos, desejos, anseios; aquele vital e onírico traço
- uns se realizam, muitos se adiam, ao ritmo da sempiterna dança.
Vertemos a seca lágrima e consolamo-nos com o húmido abraço;
e, no fim, o início retorna, regressa, e renova-se a confiança.

Ano após ano, inscrevemos na biografia o que nos cabe em sorte:
o corpo guarda as marcas, o passado enche-se de factos;
percorremos a repisada espiral que nos aproxima da morte.
Somos o que fazemos, na atitude que impulsiona os nossos actos,
aprendidos nos pontos cardeais em que se constrói o norte!


Esposende, 31 de Dezembro de 2006.

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