Manobras de engenharia
A novela que tem ocupado, há quase um mês, a agenda dos 'média' sobre as habilitações de José de Sousa não parece ter terminado ontem com a entrevista à RTP que o primeiro-ministro concedeu. De facto, muito ficou por esclarecer e há explicações que não convencem e são até falaciosas, a ponto de, tal como no início, eu continuar a suspeitar que há muito de mal contado nesta estória de contornos obscuros e que deixa o governante mal na fotografia.
Não considero relevante o grau de habilitações académicas para o exercício de funções políticas - aliás, temos sido governados por catedráticos e o país encontra-se no triste estado em que está! -, mas assumir um título falso ou obtido por meios ilícitos já configura uma situação que carece de um pronto esclarecimento que dissipe todas as suspeições, mormente se se trata de um cidadão que exerce o cargo de chefe do Governo. Ora, acontece que abundam as dúvidas sobre a honestidade e lisura processuais com que José de Sousa obteve o grau de licenciatura em engenharia, pois as coincidências não são apenas casuais e obedecem também a uma necessidade que, no plano antropológico, se baseia numa conjugação (concertada ou não) de vontades.
Como não desconfiar da idoneidade de um diploma passado a um domingo (de manhã, à tarde ou à noite?) e que certifica uma licenciatura numa universidade não reconhecida pela Ordem da respectiva área e que nesse ano (1996) não declarou à tutela nenhum licenciado em engenharia? Como não questionar o facto de quatro de cinco cadeiras finais terem sido leccionadas pelo mesmo professor, que, inclusivé, foi membro de dois governos socialistas? Como aceitar placidamente que um estudante tenha feita quatro exames no mesmo dia, entrando depois da hora do seu início e saindo antes de esgotado o tempo da sua realização? Como ignorar as discrepâncias de classificações em diferentes registos? Como se compagina a ideia de se ser um aluno exemplar com declarações de colegas de turma que não se lembram de ter visto tão ilustre pupilo a frequentar as aulas, que eram leccionadas em horário pós-laboral? Como não suspeitar da 'coincidência' de haver professores desse aluno que estão sob investigação? Como justificar com seriedade o facto de a biografia de José de Sousa ter sido alterada durante a presente polémica, e por duas vezes, na página do Governo (de "Engenheiro civil" passou a um mais sóbrio "Licenciado em engenharia civil"; e depois desaparece uma "pós-graduação com MBA em gestão de empresas pelo ISCTE", passando a figurar agora uma "pós-graduação em Engenharia Sanitária, na Escola de Saúde Pública") e, aquando deputado em 1995, assumir já o título que ainda não possuía, nos cadernos da Assembleia da República?
Estas são apenas algumas das questões que comprometem José de Sousa e, logo, a sua credibilidade como primeiro-ministro, a juntar às muitas promessas de campanha que não cumpriu e com que vem enganando os portugueses. E se o autor destas presumíveis «manobras de engenharia» se sente assim tão inocente, como explica a pressão feita a órgãos de comunicação social para não darem cobertura à notícia? Que autoridade moral tem José de Sousa para impor sacrifícios aos portugueses mediante uma política de austeridade que teima em poupar os do costume? Que legitimidade tem em veicular a ideia de a administração pública ter de ser ocupada pelos mais qualificados? O lema do primeiro-ministro parece ser o de Frei Tomás: "olha para o que ele diz, não olhes para o que ele faz"!
Não sabia que, de entre as poucas coisas que devo ter em comum com o líder do PS, estava o facto de, com grande probabilidade, não sermos engenheiros; ou, das muitas diferenças entre ambos, constar o facto de José de Sousa não ser licenciado. Qual Vasco Santana em debate com o "mastóideu", parece termos agora "inginheiro"! E se na política restasse algum laivo de verticalidade, a demissão seria um acto de nobreza se praticado mais vezes, até para servir de exemplo de que, na política, ainda vai havendo dignidade!
Etiquetas: Política
1 Comments:
Hmmmmmmmm!!! Será???
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