segunda-feira, julho 23, 2007

O economista de Boliqueime

Interpelado a propósito da recusa do governo regional da Madeira em aplicar a recente lei da IVG, em vigor desde o passado dia 15, o cinzento e comedido presidente Cavaco Silva proferiu a seguinte asserção: "Quando a legislação não é aplicada, os cidadãos podem recorrer às instâncias próprias, ao sistema de justiça". Mal de nós se Cavaco não existisse, pois não vislumbraríamos por nós a genialidade das suas recomendações e o cintilante brilho intelectual que irradia de cada palavra que, a custo e selectivamente, debita, qual farol a conduzir até bom porto os desorientados navegantes...
Agora a sério: quando o presidente em exercício abre a boca, ou diz a redonda e óbvia generalidade ou mete os pés pelas mãos, justificando a fraca espontaneidade do seu discurso, reflexo talvez de convicções inconsistentes e não da responsabilidade inerente ao cargo que ocupa. É que, que eu saiba, e embora seja uma "região autónoma", a Madeira está vinculada às leis gerais da nação e os cidadãos madeirenses não devem ser impedidos de beneficiarem dos mesmos direitos dos cidadãos continentais. Daí que a inépcia do algarvio inquilino de Belém se me afigure gravíssima e reveladora de que, muitas vezes, são as opções pessoais e morais dos actores políticos que obstaculizam a aplicação das leis no território nacional, gerando arbitrárias desigualdades no acesso dos cidadãos a serviços públicos básicos e de qualidade.
No caso, e em mais um assomo de autoritarismo, são as madeirenses que o arrogante Jardim coloca em desigualdade, a coberto da censurável cumplicidade (ou subserviência?) do "Sr. Silva". Mas, presidencial excelência, são as mulheres que na Madeira querem abortar que têm de recorrer ao tribunal a denunciar a ilegalidade do governo regional? Não sabe vossa senhoria que a Justiça portuguesa tem a celeridade do molusco com concha globosa em espiral, enquanto as senhoras queixosas não dispõem de mais de 10 semanas para abortar? Ou será que concebe que a gestação se prolongue ao longo dos anos; ou o aborto se faça anos após o nascimento das indesejadas crianças? Em que país e mundo vive o economista de Boliqueime?
Se o que se passa na Madeira envergonha a democracia, mais vergonhosa é a forma como são as próprias instituições (presumivelmente) democráticas, designadamente a Presidência da República, a lidar com situações insustentáveis que branqueiam os desmandos dos caciques de serviço que usam o poder para se servirem e não para servir. Não são precisas instâncias judiciais para lembrar ao presidente da República que ele é - ou pelo menos devia ser - o primeiro garante do respeito pela Constituição e pelo regular funcionamento das instituições e, logo, pela observância na aplicação efectiva das leis aprovadas na Assembleia da República, promulgadas com a sua própria assinatura e publicadas em Diário da República.
Só um povo pouco exigente dá cavaco a políticos tão pouco substanciosos!

1 Comments:

Blogger morffina said...

Já ouvi alguém perguntar para que é que serve um rei. Para nada, só estorva.
E para que serve este PR?

5:15 da tarde  

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