segunda-feira, março 13, 2006

O sistema de quotas

Por muito meritórios que sejam os objectivos a atingir, nem sempre se consegue operar uma mudança de mentalidades procedendo por decreto. Creio que é o caso da implementação do sistema de quotas, que pode, na prática, ter efeitos perversos que deviam merecer alguma ponderação.
Desde logo, impor através de lei uma igual distribuição de cargos / lugares entre géneros afigura-se-me uma medida que conduz a uma homogeneização artificial (não natural e não gerada por dinâmica espontânea da sociedade e das suas instituições) que radica em mera conveniência legal e não em genuína convicção e vontade de, sem imposições legais, atenuar as desigualdades provocadas por discriminações sexuais . Aliás, sem quotas temos felizmente vindo a assitir já ao incremento do papel feminino no desempenho de cargos de responsabilidade e liderança - públicos, políticos, empresariais, militares, culturais e noutros sectores de actividade -, papel esse que, em princípio, se tem afirmado de per si, pela sua qualidade intrínseca, e não sob o pretexto de uma medida que privilegia a quantidade em vez das qualificações, capacidades ou perfis curriculares, independentemente do sexo.
É-me indiferente que, por exemplo, o Parlamento ou o Governo tenham 50% de homens e 50% de mulheres, ou que sejam constituídos por mais de um género ou de outro. O importante é que, quem quer que ocupe cargos de relevância política ou outra (Presidente de Conselho de Administração de um hospital ou empresa, ou de Conselho Executivo de uma escola), tenha o perfil e os conhecimentos adequados para o desempenho de tais funções. Penso que nas sociedades ocidentais actuais, de pendor laico e democrático, a tendência para o equilíbrio é inevitável e constatável histórica e estatisticamente. E isso sem haver necessidade de um quaisquer sistemas de quotas.
E se na constituição de uma qualquer equipa decisora ou executiva não se conseguir recrutar um número idêntico de homens e mulheres? E se, por via das quotas, tiverem de ficar de fora pessoas com mérito e competência reconhecidos, para serem substituídos por outras pessoas só pelo critério de género? Valerá a pena atendermos com preocupação legal ao imperativo da quantidade deles e delas, em vez de nos fixarmos na qualidade dos mesmos? Não se estará a combater uma discriminação com outra discriminação?
Por outro lado, embora brote do princípio de discriminação positiva, o sistema de quotas acaba por constituir uma medida secundária, pois a prioridade, no debate sobre as desigualdades sexuais, devia ser proporcionar à mulher condições de participação na sociedade mais humanas e compatíveis com a especificidade biológica que a torna diferente do homem: é o caso dos períodos de gravidez, de amamentação ou de licenças de parto, cujo tratamento pelo dispositivo legal me parece irrealista, por defeito, e, mesmo assim, é factor de desigualdade no acesso ao emprego, na promoção na carreira, etc..
Não quero esgotar o debate, nem isso seria aqui possível. Quero apenas manifestar alguns dos motivos que me levam a não aceitar sistemas de quotas e, simultaneamente, criticar e denunciar casos em que haja discriminação grosseira de pessoas com base no género sexual, seja a favor ou contra este ou aquela. Claro que me satisfaz a igualdade na distribuição do número de deputados e de deputadas que vejo na bancada parlamentar do Bloco de Esquerda e me confrange a desigualdade da bancada parlamentar do CDS-PP. Mas compete à sociedade no seu todo dar mais relevo ao que realmente importa, em vez de criar leis que combatem a discriminação com mais discriminação. É o caso do sistema de quotas.

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