«Políticos, Caciques e Outros Anátemas» - 5º Acto
A última edição do Expresso noticiou na sua última página que a Igreja Católica perdeu a gestão da Casa do Gaiato em virtude "de uma auditoria da Inspecção-Geral ter denunciado diversas situações de maus tratos físicos e psicológicos sobre os menores residentes nas diversas casas da instituição".
Infelizmente, esta é mais uma situação que, a acrescentar a tantas outras que com frequência vêm a lume, prova à saciedade a antinomia entre valores defendidos e práticas concretas operadas por parte da igreja apostólica romana. Desde os tempos de predominância papal sustentada pelas fogueiras inquisitoriais, esta instituição, aparente e presumivelmente de cariz religioso, mostra a sua ignóbil face e o baixo carácter de muitos que nela têm (ir)responsabilidades e que, em nome de um poder espiritual, impregna até aos mais ínfimos interstícios os negócios de César que a Deus não deviam segura e teologicamente pertencer.
Trata-se de uma das mais influentes ortodoxias religiosas e, por conseguinte, das mais poderosas, detentora de um acervo patrimonial material ímpar, que a colocam num patamar de visibilidade afinal acima das suas possibilidades efectivas de evangelização consistente, séria, responsável, consequente, altruísta e... cristã! Com tantas riquezas acumuladas e tão contaminada por ambições seculares, a Igreja Católica tem hoje pouco de espiritual e muito de temporal, tentando cinicamente operar uma (ténue) ruptura mnésica com o passado, que nem os pedidos de desculpa a Galileu convencem. E a sua reabilitação tem-se traduzido, de facto, num penoso obscurantismo só dissimulado pela afasia das paredes do Vaticano.
Esta instituição deve hoje a sua sobrevivência mais ao peso cultural da tradição e aos rendimentos (qual capitalista!), do que à acção congruente e proficiente, em conformidade estr(e)ita com a moralidade de que faz apologia. A notícia em apreço, como outras, leva-me à constatação plausível de que a Igreja do bispo de Roma continua inequivocamente eivada de vícios tenebrosos que normalmente se atribuem a instâncias seculares e profanas.
A substituição de um padre por um leigo no cargo de director da Casa do Gaiato, e pelas razões injustificáveis e criminosas que lhe estão subjacentes (haverá apuramento de responsabilidades? Far-se-á justiça?), releva da inadmissibilidade em continuar a violar o legado do Padre Américo. E, para cúmulo da insolência, a diocese do Porto manifestou-se contra a decisão, sob o pretexto de encontrar uma solução dentro do clero que (imagine-se!) mantivesse a pureza original do projecto do Padre Américo. O que esta diocese defende é que se ponham raposas a guardar galinheiros! À hierarquia católica parece às vezes faltar em seriedade o que lhe sobra em austera e insolente indiferença e desleixo pelos mais socialmente desprotegidos.
Haja pudor e que os poderes públicos, neste como noutros casos, ajam efectivamente de acordo com os princípios laicos que devem nortear a intervenção e a acção políticas, e se acabe com os privilégios anacrónicos que são vergonhosa e inconstitucionalmente concedidos por via de "concordatas" e lóbis afins. A esta como a qualquer ortodoxia religiosa. Quem tem fontes de receita incomensuráveis (de que, em Portugal, Fátima é somente o paradigma evidente, por ser a maior grande superfície comercial nacional), não tem desculpa para se fazer passar por mendigo.
Sr. Bispo Ratzinger, Sr. Cardeal Policarpo: não sejam dogmáticos apenas por institucional conveniência; sejam-no também, e sobretudo, por consequente convicção, pois bem prega frei Tomás, olha para o que ele diz e não para o que ele faz...
Etiquetas: Política
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