In vino veritas

Como se constata, este (des)governo continua pródigo na arte de confundir o trigo com o joio ou, mais quixotescamente, ver gigantes onde estão moinhos. Se é certo que o vinho é um culpado, o precioso líquido de Baco não é o culpado. Mas o senhor secretário de Estado, depois de certamente ter analisado exaustivos e volumosos dossiês contendo profundíssimos estudos sobre o tema em apreço, concluiu, no silêncio e conforto do seu asséptico gabinete, que a culpa dos mortos nas estradas portuguesas não é do governo nem da irresponsabilidade dos que conduzem após consumirem bebidas brancas, nem da inadequada metodologia de aprendizagem da condução nem simplesmente da falta de civismo dos automobilistas... Não, a culpa é dos criminosos produtores de vinho; a culpa é do vinho!
Vai daí, ou os vitivinicultores começam a fazer prevenção rodoviária, a fazer testes de alcoolémia à porta de bares, restaurantes e discotecas (até porque a Brigada de Trânsito e a PSP desconhecem onde se localizam tais estabelecimentos), a projectar e a construir estradas adequadas, a melhorar ou corrigir sinalização gráfica e no pavimento; ou o governo lhes cai em cima com a sua implacável espada justiceira, baixando a taxa de alcoolémia, levando-os à inexorável ruína. E assim, uma vez identificado o bode expiatório, Portugal vai ver definitivamente erradicado o mal que nos devia envergonhar. Tal deslocado voluntarismo faz-me lembrar as sábias palavras do filósofo Charles-Louis Montesquieu (1689-1755): «Não há pior tirania que a que se exerce à sombra das leis e sob o calor da justiça».
Mas porque o vinho não só faz muito bem à saúde e recomenda-se, como tem também a redentora propriedade de restabelecer a verdade, In vino veritas, e sendo a verdade como o insolúvel azeite, o propósito de Ascenso Simões foi desautorizado e considerado como mero "desabafo". A sugestão aconselhável que posso dar é propôr que, de cada vez que entrem ao serviço, todos os governantes, incluindo secretários de Estado, soprem no policial balão. Afinal, a maneira mais objectivamente mensurável de bufar e desabafar!
Etiquetas: Política
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