sexta-feira, abril 28, 2006

In vino veritas

O socrático (des)governo desta amorfa e masoquista Lusitânia continua a somar pontos. Um recente projectado projecto de projecto de reforma dos inquilinos de São Bento - entretanto já desmentido (se o clima fosse como este grupo do Engenheiro beirão, a Meteorologia seria um par da Astrologia!) -, veio pelo génio de Ascenso Simões, o secretário de Estado da Administração Interna (sim, estes tarefeiros também não abdicam de querer mandar). Num país com uma sinistralidade rodoviária que compete em mortalidade gerada com muitos conflitos armados da história, o secretário de António Costa quer resolver este mal nacional e, para isso, divulgou que quer baixar a taxa de alcoolémia no caso do sector vitivinícola não tomar medidas que conduzam a uma diminuição do consumo de bebidas alcoólicas.
Como se constata, este (des)governo continua pródigo na arte de confundir o trigo com o joio ou, mais quixotescamente, ver gigantes onde estão moinhos. Se é certo que o vinho é um culpado, o precioso líquido de Baco não é o culpado. Mas o senhor secretário de Estado, depois de certamente ter analisado exaustivos e volumosos dossiês contendo profundíssimos estudos sobre o tema em apreço, concluiu, no silêncio e conforto do seu asséptico gabinete, que a culpa dos mortos nas estradas portuguesas não é do governo nem da irresponsabilidade dos que conduzem após consumirem bebidas brancas, nem da inadequada metodologia de aprendizagem da condução nem simplesmente da falta de civismo dos automobilistas... Não, a culpa é dos criminosos produtores de vinho; a culpa é do vinho!
Vai daí, ou os vitivinicultores começam a fazer prevenção rodoviária, a fazer testes de alcoolémia à porta de bares, restaurantes e discotecas (até porque a Brigada de Trânsito e a PSP desconhecem onde se localizam tais estabelecimentos), a projectar e a construir estradas adequadas, a melhorar ou corrigir sinalização gráfica e no pavimento; ou o governo lhes cai em cima com a sua implacável espada justiceira, baixando a taxa de alcoolémia, levando-os à inexorável ruína. E assim, uma vez identificado o bode expiatório, Portugal vai ver definitivamente erradicado o mal que nos devia envergonhar. Tal deslocado voluntarismo faz-me lembrar as sábias palavras do filósofo Charles-Louis Montesquieu (1689-1755): «Não há pior tirania que a que se exerce à sombra das leis e sob o calor da justiça».
Mas porque o vinho não só faz muito bem à saúde e recomenda-se, como tem também a redentora propriedade de restabelecer a verdade, In vino veritas, e sendo a verdade como o insolúvel azeite, o propósito de Ascenso Simões foi desautorizado e considerado como mero "desabafo". A sugestão aconselhável que posso dar é propôr que, de cada vez que entrem ao serviço, todos os governantes, incluindo secretários de Estado, soprem no policial balão. Afinal, a maneira mais objectivamente mensurável de bufar e desabafar!

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