terça-feira, março 21, 2006

OPA's, desemprego e vacas magras

Em menos de um mês, os portugueses assistiram a duas OPA's que, dizem, vieram revitalizar e dinamizar o diminuto e letárgico sector económico-financeiro nacional. O tempo em que ocorrem estas investidas de umas empresas sobre outras, em áreas extremamente lucrativas como são as telecomunicações e a banca, deve suscitar séria reflexão e análise. É o que aqui sumariamente proponho.
Indubitavelmente, a economia é um dos temas que genericamente tem ocupado a ordem do dia em Portugal com mais frequência e intensidade, nos últimos anos. No vocabulário quotidiano ouvem-se regularmente acrónimos que remetem para investimentos faraónicos de duvidosa pertinência e/ou premência (TGV's, OTA's, OPA's), o que comprova na prática como em tempo de vacas magras crescem as desigualdades sociais e, por outro lado, como o paradigma capitalista e neoliberal de criação, concentração e acumulação de riqueza é socialmente injusto no modo de distribuição da mesma. 1,4% do PIB são lucros de cinco bancos!
Simultaneamente a estas propostas de negócio inauditas e inéditas na magnitude de capital que envolvem, os dados divulgados pelo IEFP indicam que, no final de Fevereiro último, havia 487 936 pessoas inscritas nos centros deste instituto; mas sem trabalho certo havia 517 377 pessoas. Além disso, sabe-se que o endividamento das famílias atinge 118% do seu rendimento e as taxas de juro vão continuar a subir, provavelmente chegando aos 3% até ao final do ano.
Ora, a conjugação destes acontecimentos de sentido contrário levam-me a concluir que continuamos longe de realizar uma sociedade norteada por princípios de justiça social, em que o desenvolvimento se faça sustentadamente respeitando todos harmoniosamente. O rendimento de muitos traduz-se num óbolo em obsceno contraste com os milhões que fazem a fortuna de uns poucos e cujas OPA's dão a ilusão de beneméritas acções de repartição de riqueza, quando na prática acarretarão ainda mais desemprego e pobreza, ampliando o fosso entre ricos e pobres.
Não me parece aceitável esta via de estimular a economia, que subordina e sacrifica valores e direitos sociais básicos, fundamentais e estruturantes, à lógica do lucro puro e duro. Há que opôr resistência aos que veiculam a defesa da dominação capitalista, como Daniel Bessa, especialista em dislates vários como o que apregoou numa recente conferência em que fez a apologia do fim do subsídio de desemprego e a exclusão do emprego como prioridade de acção política de governo.
Mas se acreditarmos que não há mal que sempre dure e que certos males vêm por bem, pode ser que a dinâmica de mercado potencie ou a deslocalização destes senhores para oriente (há por essas bandas abundante mão-de-obra a preços de saldo) ou uma proposta de OPA sobre certos políticos, empresários e economistas, certamente ainda ávidos e recorrentes leitores do Tio Patinhas.

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