O recente pacto para a reforma da Justiça, acordado entre José Sócrates e Marques Mendes, é mais um daqueles dilatórios exercícios políticos que, a trazer algo de novo, reforçará o reinante estado letárgico de coisas com que PS e PSD têm desbaratado oportunidades de em Portugal reabilitar o importante sector da justiça e destruído a sua efectiva qualidade e eficiência. E isso deliberada e convenientemente, pois não foi por acaso que temas como a corrupção, o branqueamento de capitais e o crime económico ficaram excluídos do âmbito desse acordo privado; são matérias sensíveis que implicam directamente ambos os partidos do arco de governo, na figura de destacados militantes rosa e laranja envolvidos num extenso rol de casos que envergonham a Democracia e a correlata Justiça (Isaltinos, Valentins, Fátimas, Gomes, Varas, Patrões, Jardins, sucessivas contas partidárias reprovadas pelo Tribunal de Contas, tachos, cunhas, etc.). E que ridículo ficou Alberto Costa na fotografia onde não chegou a estar, o patético e inócuo ministro da Justiça (?), que não só ficou de fora da assinatura do negócio, como o teor do mesmo contraria frontalmente ideias suas para o sector, que há meses veiculou mediante declarações na comunicação social.
Portugal é um estado de pacífico e tácito nepotismo democrático, um quintal na posse consuetudinária das perspectivas políticas neoliberais de PS e PSD. Com pactos deste cariz, onde o mais relevante a reformar fica de fora, não é de estranhar que o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) tenha desistido de um estudo nacional sobre a corrupção por falta de verba, funcionando num edifício-sede sem salas suficientes para interrogatórios, consultas de processos e instalação de trabalho de peritos, num empobrecimento de recursos similar à asfixia orçamental da Polícia Judiciária; nem que, face ao caso Mateus, que indicia haver clara e objectivamente corrupção e favorecimentos vergonhosos no futebol português (e os do costume continuam impunes e imunes à justiça, arquivando-se os "apitos dourados" que abrangem 18 dos 25 árbitros da primeira categoria e um sem-número de dirigentes dos principais clubes), o Governo continua impávido e sereno a assistir ao desenrolar infrenemente sinistro e ininterrupto de revelações que descredibilizam o futebol (na réstia de credibilidade que ainda possa haver!), o desporto nacional em geral, os políticos e a imagem desta desditosa pátria nos confins da FIFA...
E que dizer de Souto Moura, o procurador-geral que coleccionou deslizes, inconfidências, contradições e asneiras afins, e que mesmo assim vai cumprir tranquilamente o seu irresponsável mandato até ao fim do prazo de validade?
Mas, como costumo repetir até à exaustão, estes políticos e dirigentes, que se enredam e acotovelam uns aos outros numa teia de sombrios interesses e clandestinas cumplicidades, não alcançaram o poder através de um golpe de estado, mas democraticamente, com o voto expresso e maioritário de um povo genericamente acéfalo, acrítico e preconceituoso, onde abundam oportunistas sem escrúpulos.
Quem seria o Presidente, o Primeiro-Ministro, os Secretários de Estado, os Deputados, o Procurador-Geral, etc., e como seria a República, se em Portugal houvesse justiça?
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