quinta-feira, janeiro 31, 2008

Remodelação ou fraqueza?

Após o suposto heroísmo da meia-dúzia de meses de gloriosa presidência da União Europeia, o regresso do primeiro-ministro à comezinha política intramuros tem-se revelado difícil. A minimal remodelação no Governo, oficializada ontem, confirma o atribulado início de ano e as suspeitadas fraquezas face a pressões diversas, da espécie de engenheiro que nos (des)governa. Contudo, as pontuais inflexões que se possam sentir nada trarão em termos da substância das políticas seguidas.
Não são só as pastas da Saúde e da Cultura que tinham ministros e secretários de Estado incompetentes, pelo que ficou por fazer uma mais abrangente remodelação em sectores importantes como a Educação, as Obras Públicas e a Justiça. Daí que tudo não tenha passado de um tímido lifting em desgastados rostos de um executivo socialmente autista e irresponsável.
Porém, bem vistas as coisas, por muito que se remodelem ministros, fica sempre por fazer a mudança de fundo e mais premente, a saber, a remodelação do... primeiro-ministro!
Para 2009 já faltou mais!

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quarta-feira, janeiro 30, 2008

Primum vivere deinde philosophare - 74

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terça-feira, janeiro 29, 2008

Em ninho de cucos / 16

Tanto se tem falado na acção inspectiva da ASAE mas, ao que parece, há grandes e bem lucrativas empresas - como a santa madre igreja italiana - que têm escapado a tão rigoroso e austero controlo por parte da equipa de António Nunes. Por exemplo, como é possível que as hóstias continuem a ser servidas à mão de padre, sem estarem embaladas e etiquetadas com o comprovativo da sua composição (por exemplo, saber se a farinha é ou não transgénica)? - sim, que o corpo de Cristo não dá para tanto e a transubstanciação é ideia parola que não ilude o fisco! Como tolerar que, em certos rituais cómicos, se deixem acumular ósculos nos pétreos pés dos meninos-jesus ou nos ditosos anéis das pardas eminências, sem ao menos cuidar em passar um toalhete húmido (como os que se usam nas marisqueiras para lavar e eliminar o cheiro dos crustáceos e moluscos; ou os que, em complemento de cueiro, se destinam a higienizar as infantis nádegas)? Como aceitar que, face à nova lei do tabaco, se continuem a queimar velas e os turíbulos teimosamente despejem incenso, emanando carcinogénicos odores? E onde está a análise de qualidade da água a que chamam benta e que aspergem pelo híssope? E os presépios patrocinados pela vaticana gente, nos quais os figurantes não têm a marca «CE»?
E, nesta instituição com tão elevada concentração de beatas por m2, estes são apenas alguns singelos exemplos de como é legítimo protestar contra tão flagrante discriminação positiva, provando que, lamentavelmente, de laico o país pouco tem.
Por fim, e a julgar pela imagem comovente que encabeça esta diatribe, suspeito que a ingestão de hóstias não seja benéfica para a inteligência e, como digestivo amuleto, já conheceu melhores dias! Em nome do Pai...

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segunda-feira, janeiro 28, 2008

Gosto cada vez mais de Saramago

Se Hitler dissesse mal de João, teria João em boa conta. Se Salazar vituperasse Manuel, consideraria Manuel. Se Bagão Félix entra em diatribe com Vitor, concederia arrojo à paciência de Vítor. Se João César das Neves abre a boca, ocorre-me elogiar o silêncio. Se Jardim Gonçalves é da Opus Dei, compreendo o apreço desta no Vaticano. Se um rei sem trono nem reinado entra em acerbada crítica com a utilidade de um intelectual, então sou cada vez mais convictamente republicano e gosto cada vez mais de Saramago!
Vale-nos e aos imbecis que, numa democracia mediatizada, todos têm direito a exprimir a sua opinião, mesmo que sem autoridade para o fazer, mesmo que em circunspecta pose simulada pela seriedade do indicador a fazer cócegas ao queixo - salva-nos a real paciência!

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Não há canalhas imortais

Não lamento a morte do ex-ditador indonésio Suharto; lamento sim não ter sido ele submetido a uma justiça terrena e lamento as incontáveis vítimas mortais - em grande parte timorenses - da (ir)responsabilidade directa e moral deste canalha. Nenhum indonésio que seja pessoa de bem pode alguma vez lamentar a morte de um seu déspota que semeou a corrupção, rapinou em conluio familiar o Estado à custa do qual enriqueceu e conduziu milhões de indonésios para a miséria.
É incompreensível que se preste nacional tributo à memória do horror, declarando sete vergonhosos dias de luto. Fosse inimigo dos EUA e teria Suharto tido o fim de Saddam. Porém, a impunidade política e a cumplicidade internacional de que beneficiou o facínora indonésio mostram bem a cruel injustiça da ordem mundial que continua a ser-nos dado viver.
Vale que a capital sentença biológica se faz sentir igualmente entre esta hedionda e infame gente: não há canalhas imortais! Que goze bem a eternidade a jogar às cartas com Pinochet e demais títeres que blasfemaram contra a dignidade de ser humano. Afinal, pena não foi terem morrido - pena foi terem nascido!

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Oportunidade fraterna

Quem duvida que este é um governo das «novas oportunidades» anda distraído, tantos são os exemplos que abundam no historial de medidas tomadas pelo presente executivo liderado por uma espécie de engenheiro. Por exemplo, o novo responsável pelo Gabinete de Comunicação e Imagem do Instituto da Droga e Toxicodependência é um senhor chamado António Pinto de Sousa, seguramente alguém com o mérito e a competência suficientes para o cabal exercício do cargo.
Só por coincidência é que o referido indivíduo é irmão do primeiro-ministro - não venham agora as más consciências questionar a idoneidade e imparcialidade de uma tal escolha, a qual dignifica, completa e põe em prática a revolucionária trilogia da Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Portanto, que os manos Sousa sirvam de exemplo ao princípio democrático da igualdade de «novas oportunidades»... fraternas!

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sexta-feira, janeiro 25, 2008

Legendar o silêncio icónico (74)

Há situações em que dá jeito ter um marido daltónico!
(Traidora é a genética!)

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terça-feira, janeiro 22, 2008

Falta o liberalismo nos costumes

Asfixiados pela deriva capitalista e neoliberal, as sociedades actuais vivem sob o paradigma da pressão económica (inflação, desemprego, deslocalizações, precariedade laboral, flexigurança, mobilidade, produtividade, competitividade), instaurador de instabilidade e falta de coesão sociais e de um sentimento crescente de insegurança e frustração individuais. Se a mesma lógica liberal aplicada nos modelos económicos em vigor fosse transposta para os costumes, então muitos problemas ficariam imediatamente resolvidos, como o que surgiu recentemente em Inglaterra, onde dois gémeos, separados à nascença e adoptados por famílias diferentes, queriam casar - desconhecendo que eram irmãos - e foram impedidos pelos tribunais ingleses.
Nestes emaranhados laços e partidas do fado, este caso vem apoiar a minha convicção sobre dois aspectos: i) a de que as crianças adoptadas devem ter o direito de saber a identidade dos pais biológicos; ii) e a de que, por detrás da conformidade a valores tidos erradamente como certos, costumes há que tresandam a desumanidade e indiferença de tão putrefactos que estão.
Se pessoas adultas se apaixonam, amam e querem oficializar pelo matrimónio a sua relação (sabemos do peso da tradição e dos benefícios fiscais associados), mesmo que de gémeos se tratem, não deviam as convenções sociais impedir e inviabilizar as legítimas aspirações e desejos dessas pessoas, que só a elas dizem respeito. Muito menos se o pretexto invocado é uma normatividade absurda, anacrónica e obsoleta herdada de preconceitos dos nossos antepassados que, entre outras coisas, discriminavam negativamente o incesto, o aborto ou a homossexualidade (e a procriação in vitro!)... Parece que o pedigree é um exclusivo de cinófilos!
Até quando irá o Estado intrometer-se opressivamente na vida íntima e afectiva dos seus cidadãos? Para quando a desvinculação dos atávicos monoteísmos que contaminam a moral social e subvertem a dignidade individual? Pena que a praga de liberais na política e nos negócios não encontrem quantitativa correspondência nos liberais dos costumes!

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segunda-feira, janeiro 21, 2008

Compensar «otários»


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sexta-feira, janeiro 18, 2008

Em ninho de cucos / 15

Se o bispo o diz, é porque é verdade, que a iluminação e inspiração divinas são tão infalíveis como dois mais dois serem seis! E, neste caso, não há qualquer indício ou esboço de um mau uso da retórica: defendendo tão simpática asserção - "a família é o alicerce da paz" -, podemos concluir que é por isso que esta subespécie conhecida de venerandos celibatários não se compromete conjugalmente (Maria só houve uma e parece que nem coberta foi por José), que a paz na Terra desviaria a humana ambição de eternidade celestial, o que seria contraproducente com os lucrativos propósitos eclesiais. Vão debicando aqui e ali uma ou outra paroquiana, um ou outro miúdo, mas nada de selar oficialmente «amizades», que seladas estão só com Iavé (seja lá o que Este for).
Se "a família é o alicerce da paz", por que razão mantêm estes membros da católica tribo o princípio sacerdotal do celibato? Pelo menos, poderiam aprender a deixar de fazer a guerra para com a vida que nos cabe viver e de nos atormentar com as promessas vazias do seu negócio de almas, mais proveitosas que todos os negócios da China...
A afirmação em apreço bem podia ser proferida em plena época alta da Inquisição e o celibato bem pode ter uma causa hormonal: não aliviar convenientemente a testosterona pode tornar belicoso o espírito e desembocar, afinal, na guerra! Bom Freud...

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quinta-feira, janeiro 17, 2008

O vírus da demência

Com alguma frequência, somos confrontados com situações que revelam com cristalina evidência o quão difícil é vencer preconceitos arraigados como patológicas lapas nas atávicas consciências dos que não querem ver um pouco mais para além do medíocre senso comum. E não é só neste país a tantos níveis subdesenvolvido e de férreas tradições tantas vezes desprovidas de sensatez - do que venho aqui falar aconteceu em França.
Com efeito, um cartaz de campanha institucional de luta contra o VIH causou recentemente acesa polémica na pátria de Sartre e Beauvoir, por ser ousado no conteúdo: um casal homossexual - oh Deus do céu! - em ostensiva pose de coito - oh supremo pecado de interdita luxúria... Imediatamente se insinuaram os mais imbecis argumentos e as mais idiotas diatribes visando o bem intencionado anúncio.
Não pretendo desmontar tão néscio argumentário vociferado contra o simpático cartaz, mas tão somente lançar umas gotas de água em mentes tão pouco despertas e cristalizadas no prejuízo da superstição e do erro das vis convicções.
Se a homossexualidade é algo «antinatura», que contraria o lógico devir reprodutivo, então censuremos também e condenemos ao absentismo sexual as mulheres e os homens que já tiveram, respectivamente, a menopausa e a andropausa, bem como os milhões de casais heterossexuais que, inférteis (ou não), não têm filhos biológicos - afinal, eles não podem reproduzir! Para não falar da masturbação... Mas não seria isso tão absurdo e estupidamente irracional?
E, se ser gay ou lésbica é «antinatura», como classificar o vício de fumar? Além disso, que eu saiba, fumar atenta contra o direito à saúde alheia e do próprio fumador, enquanto o acto sexual é saudável psicossomaticamente. Até os celibatários padres papistas sabem isso, ou entre eles não abundasse a carnal fraqueza da tentação consumada, quer a «normal» quer a desviante pedofilia... [Mas isso é outro assunto!]
Se, por consistir numa diferença, a homossexualidade é uma patologia de ordem biológica, então condenemos também ao ostracismo os portadores de trissomia 21 e/ou de outras deficiências. Por outro lado, que direito tem uma sociedade em se intrometer numa voluntária partilha de intimidade e carícia entre pessoas adultas que se amam, a qual não lesa a integridade de terceiros? Não seria mais útil concentrar as censórias energias contra a pedofilia e a violência doméstica praticada no seio de casais heterossexuais, afinal tão recomendavelmente de acordo com os padrões morais desejáveis?
Mas haverá alguma palerma contaminado pela letargia do preconceito, que ache que o número de homossexuais ameaça a continuidade da espécie? E acaso sabem que o ponto 1 do Artigo 21º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia proibe a discriminação em razão da orientação sexual, entre outras circunstâncias?
Perder tempo e gastar o latim com gente tão falta de siso e que arrogantemente arvora as suas infundadas crenças que abusivamente querem impor aos outros, só pode ser sinal que a contemporaneidade ainda não se libertou do primário medievalismo que teima em continuar. Por mim, estou convencido de que uma das características de um mentecapto é ignorar o polimorfismo em que se materializa o verbo amar - e não se pode defender a espécie com tão inusitado ódio dirigido a tão inócua, mas fundamental e fecunda, prática humana.
Amar transcende a morfologia do corpo! Como não perceber isso?

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terça-feira, janeiro 15, 2008

E o que foi ele lá fazer?

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segunda-feira, janeiro 14, 2008

Males tradicionais

Embora as tradições sejam práticas culturais que instauram simbolicamente uma marca identitária e grupal no seio das sociedades, há que ter lucidez e razoabilidade no acto de pensar e analisar a manifestação de tais códigos rituais, cuja preservação é muitas vezes injustificada, anacrónica e destituída de sentido. E depois das touradas de morte em Barrancos, fiquei recentemente a saber pelo Telejornal que há em Vale de Salgueiros, no concelho de Mirandela, uma tradição conhecida por «Festa dos Rapazes», na qual dezenas de crianças (com não mais de 8 anos) deambulam pelas ruas em Dia de Reis com tabaco nos bolsos e autorização para fumar, durante dois dias.
É assim quando a estupidez se erige e conserva em tradição imutável e não se sabe integrar o passado no presente. Não haverá uma ASAE para estas coisas?

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Primum vivere deinde philosophare - 73

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Tooneladas de siso - 11º quilo

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quinta-feira, janeiro 10, 2008

Mentir tanto é impostura

A razão de ser da democracia é a soberania da vontade popular, o que implica necessariamente o conjunto dos cidadãos e a sua participação incontornável, mormente em matérias de relevante interesse nacional e que constam do prometido em campanha eleitoral (pois isso determina a orientação do sentido de voto individual e o resultado das eleições).
Ora, se houve um referendo sobre a IVG, defendido pelo Partido Socratista - matéria que, convenhamos, diz respeito à consciência individual e não vincula nem obriga quem quer que seja -, é incompreensível vislumbrar que seriedade e coerência políticas há em não querer agora um referendo ao Tratado de Lisboa, cujas implicações práticas afectam e influenciam a vida de todos os cidadãos europeus.
E se o conteúdo desse Tratado é ininteligível e a sua ratificação tão inadiável e irrevogável, só se pode concluir que a classe dirigente em exercício só tem poder de persuasão para prometer (=mentir) e não cumprir e tem em pouca conta a inteligência e capacidade de discernimento dos eleitores, o que é contraditório com a situação de ter vencido em eleições. Portanto, ou os políticos actuais são hipócritas ou aproveitariam esta óptima oportunidade para esclarecer as pessoas sobre as virtudes de um documento que terá inexoravelmente um impacto concreto nas suas vidas.
Contudo, já estamos habituados e, de tanto enganar o povo, Sócrates deixa de poder ser considerado apenas como mentiroso ou aldrabão, sendo mais um caso de impostura. E ainda argumenta desavergonhadamente a favor da ratificação parlamentar invocando uma "ética de responsabilidade", quando o caso é que cedeu cobardemente em toda a linha - a tal "corda ao pescoço com que foi ao Parlamento", no dizer de Francisco Louçã - às pressões de Cavaco e outros preponderantes e influentes chefes de Estado e de Governo.
Mais uma vez, a máxima de acção socrática: forte com os fracos, fraco com os fortes!
Sócrates é que devia ser imediatamente referendado, mas quando me ocorre que a alternativa é o edil de Gaia... Ai Portugal!

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quarta-feira, janeiro 09, 2008

À procura de quórum


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terça-feira, janeiro 08, 2008

Ipsis verbis [11]

"(...) Sinto incómodo em vir discutir, em 2008, a questão da liberdade. Mas a verdade é que os últimos tempos têm revelado factos e tendências já mais do que simplesmente preocupantes.
(...) Não sei se Sócrates é fascista. Não me parece, mas, sinceramente, não sei. (...) O que ele não suporta é a independência dos outros, das pessoas, das organizações, das empresas ou das instituições. Não tolera ser contrariado, nem admite que se pense de modo diferente daquele que organizou com as suas poderosas agências de intoxicação a que chama de comunicação. (...) O primeiro-ministro José Sócrates é a mais séria ameaça contra a liberdade, contra a autonomia das iniciativas privadas e contra a independência pessoal que Portugal conheceu nas últimas três décadas."
- António Barreto, in «Retrato da Semana», Público, 6 de Janeiro de 2008

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segunda-feira, janeiro 07, 2008

Luiz Pacheco (1925 - 2008)

"Gostas de broche? - pergunto e encaro-o fito nos olhos, muito sério, muito natural. / An, nem por isso - responde sempre calmo. / - Pois é só o que eu te posso oferecer - digo, como se me desculpasse de não ser o Calouste Gulbenkian. / - E quanto me dá? - pergunta desagradável feita em tom meramente comercial. / - Olha, não te posso dar nada [...] e pela primeira vez noto como me apetecia aquele corpo, ser dono e servo daquele aparato movediço de carne, pele, ossos, pêlos, força. [...]"
Luiz Pacheco, O libertino passeia por Braga, a idólatra, o seu esplendor, Outubro de 1961 (coligido em «Textos Malditos», Edições Afrodite, 1977, pp. 42 - 43)

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sexta-feira, janeiro 04, 2008

Crescei e desenganai-vos!

O discurso político recente tem feito sobressair, entre outras mentiras, o tema quase obsessivo da natalidade: a ideia é que, sem bebés, as actuais gerações em idade fértil comprometem a sustentabilidade futura no pagamento de reformas e subsídios de desemprego e põem em causa o equilíbrio no ratio entre gerações.
Entre as muitas razões que falaciosamente se apontam para explicar uma tal quebra da natalidade, encontram-se a da crescente participação feminina na vida activa - as mulheres já não se reduzem ao papel de «domésticas» e «fadas do lar» - e a da emancipação social que a pílula anti-concepcional proporcionou ao género portador de ovário. Ora, se esta segunda justificação é plausível, já a primeira carece de seriedade histórica e padece de estreiteza cognitiva, pois desde a revolução agrícola, e sobretudo após a revolução industrial, que o papel feminino não é preponderantemente maternal e «doméstico», mas também laboral, designadamente em profissões maioritária e tradicionalmente desempenhadas pela mulher (servente, criada, aia, mulher-a-dias, mondadeiras, costureiras, ceifeiras, cabeleireiras, manicures, varinas, padeiras, secretárias, operárias fabris, etc.). Além disso, sabemos que em países onde o nível de emprego feminino é elevado, como nos países nórdicos e nos Estados Unidos, a taxa de natalidade situa-se acima da média nacional e até europeia.
Por outro lado, este discurso político acerca da sustentabilidade da segurança social ilude a essência dos problemas, pois a elevada fertilidade em Portugal durante o Estado Novo - falamos do século XX! - era factor de pobreza, exclusão e atraso sociais para grande parte da população (analfabeta e subnutrida). Referir a baixa da natalidade é demagógico e populista, podendo por vezes ter mesmo conotações raciais e chauvinistas, pois omite-se do discurso as verdadeiras soluções: ignora-se a má distribuição demográfica no planeta, subestimando-se importantes medidas que passam inexoravelmente pela imigração (mormente se se fala de portugueses, seculares especialistas que são de diáspora!), bem como se comete a desonestidade intelectual de subestimar o facto de, no quadro sociológico contemporâneo, o tempo de vida activa das pessoas ser mais breve (a escolarização, a formação e a especialização são mais prolongadas que anteriormente, adiando a entrada no mercado de trabalho) em contraponto com a esperança média de vida, que é mais dilatada (embora se viva agora mais anos, isso não significa que as pessoas sejam igualmente produtivas à medida que envelhecem).
Ou seja, nas modernas sociedades em que nos coube a sorte de viver - de consumo e muito tecnologizadas e artificiais -, «fazer bebés» pode constituir-se mais como o problema e menos como a solução, engrossando mais a lista de desempregados do que a de reformados. Portanto, esta instrumentalização da natalidade e dos bebés (antes religiosa, agora política e económica) é falaciosa e deve ser denunciada. Aliás, é de uma hipocrisia atroz e censurável querer promover a Procriação Medicamente Assistida sem assegurar condições de educação e protecção familiar, fechando maternidades e unidades de saúde, bem como estabelecimentos de ensino; e mais: impondo o fervor produtivo com uma legislação laboral hostil ao acompanhamento familiar, visto que, por exemplo, querer conciliar a «flexigurança» com medidas de reforço e apoio social não passa de querer fazer a quadratura do círculo...
O novo pregão deve ser reformulado: "Crescei e desenganai-vos!"

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quinta-feira, janeiro 03, 2008

Primum vivere deinde philosophare - 72

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quarta-feira, janeiro 02, 2008

O sal doce de Cavaco

Mais uma vez, Cavaco Silva vestiu o fato de Presidente para se dirigir à República em televisivo tempo de antena. E o curioso é que ele, uma vez mais, e sendo de direita, manifestou as preocupações sociais que caracterizam os discursos de esquerda, designadamente na crítica que fez ao agravamento das injustas assimetrias sociais decorrentes da situação de flagrante desigualdade na distribuição do rendimento em Portugal (que, como objectivamente indicam fidedignas estatísticas europeias, tem aumentado com o PS no Governo). Se até Cavaco já desmente Sócrates, é preciso ter cara de pau para este continuar a asseverar que o seu governo e partido são de esquerda, mas sendo quem é...
No rol de curiosidades deste discurso presidencial de Ano Novo figura também a alusão aos salários obscenamente elevados auferidos por dirigentes de empresas. E, de facto, tratou-se de uma mera alusão, pois Cavaco é tão anódino e amorfo que não constata categoricamente as evidências, mas apenas se «interroga» (curioso termo!) se tais rendimentos "não serão, muitas vezes, injustificados e desproporcionados, face aos salários médios dos trabalhadores". Para quem, num passado não muito remoto, assegurava não ter dúvidas...
Oh Sr. Presidente, porventura saberá Vossa Excelência se, para este ano civil, o salário mínimo não chega a 90 contos? Acaso passou a fase da «interrogação» e saberá se já estamos em 2008? Ou se, em tanto gestor e director - públicos e privados -, não haverá cavaquistas e seus ex-colaboradores políticos? Ou se Boliqueime fica no concelho de Loulé?
É a desacreditada táctica de «dar uma no cravo e outra na ferradura», para tudo ficar pior ou na mesma e assim desresponsabilizar a classe política que o inquilino de Belém encabeça, como se constata ainda na sua menção laudatória aos progressos no controlo das contas públicas (?) em ténue e lacónica contraposição com o desemprego, "que atingiu níveis preocupantes e são muitas as famílias que enfrentam sérias dificuldades para fazer face às suas despesas de todos os dias". Não será isto limitar-se a dizer o óbvio, a ser evasivo - não houve qualquer alusão ou crítica às causas fundamentais do desemprego - e a desempenhar com cinzentismo (como antes Jorge Sampaio) o seu papel presidencial?
Em 2010 estará Cavaco com novo discurso televisivo de igual conteúdo, embora em retórica roupagem formal diferente, a papaguear as mesmas inócuas reservas e apreensões, os mesmos elogios, esperanças e confiança... Se isto é que é saber ser um supervisor do regular funcionamento das instituições, então é legítimo crer que o café e o leite se vão poder adoçar com sal!

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Legendar o silêncio icónico (74)

Como «dar à luz»...
(...ou a católica educação sexual das crianças!)

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terça-feira, janeiro 01, 2008

Cinzeiros em extinção

Já estive no outro lado da barricada, pois durante 17 anos fui fumador regular. Por conseguinte, sou insuspeito para avaliar e emitir uma opinião com imparcialidade sobre a justeza da nova lei do tabaco, em vigor desde as zero horas de hoje. Trata-se de uma das pouquíssimas medidas sensatas do socratismo em que estamos asfixiados.
Com efeito, e apesar de, no imediato, duvidar do seu efectivo cumprimento - a lusa estirpe é exímia em contornar o preceituado legalmente - está em causa uma matéria cívica de mudança de mentalidades: é um facto que o tabaco mata, fumadores e não fumadores, e a liberdade de fumar colide com a concomitante liberdade de não desejar inalar o fumo alheio, ou seja, o direito à saúde dos outros deve prevalecer sobre o direito de fumar. Por outro lado, e neste contexto de interdição de hábitos há muito adquiridos e tidos como inquestionáveis, Portugal não pode ser diferente dos países onde a tolerância zero ao tabaco é uma realidade social há anos; por cá, os fumadores terão também de se habituar às recentes restrições de consumo e fumar deverá tornar-se uma prática menos mecânica e automatizada e mais ritualizada, o que conferirá novas virtudes ao vício. Pelo menos, é isso que é expectável...
Esta lei só peca por tardia e a sua implementação traz inequivocamente mais benefícios que prejuízos, designadamente de saúde, ambientais e de poupança individual: o preço de um maço de cigarros é cada vez mais incomportável, implicando um gasto médio de €100 mensais, ou seja, cerca de €1200 por ano! Como é fácil de ver, deixar de fumar, ou, pelo menos, reduzir o consumo de tabaco, é uma excelente opção e eu, que já a fiz vai para três anos, desde então tenho menos necessidade de idas ao multibanco, só tenho involuntariamente inalado o desagradável fumo dos outros e passei a ver os cinzeiros como objectos decorativos sem valor instrumental - entrarão eles numa quase extinção, como os tinteiros e as penas das aves que se usavam para escrever?
Já agora, Feliz Ano Novo!

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