domingo, setembro 30, 2007

Partido Suficientemente Desfeito

A recente eleição de Luis Filipe Menezes para a liderança do PSD e as diatríbicas peripécias que a revestiram são a prova inequívoca de que Portugal continuará a ser nas décadas próximas um país mal governado e irremediavelmente condenado a fracassar nos índices de justiça social e desenvolvimento económico equilibrado e equitativo. 2009 aproxima-se e o anátema da continuidade do governo PS para além desta década parece ganhar contornos de confrangedora inevitabilidade: a alternativa persiste em afigurar-se igualmente má, se atendermos que só o maior partido da oposição é elegível para o poder, graças a uma bipolarização partidária com que o eleitorado português lamentavelmente teima em restringir o acesso ao arco de governação.
Nenhum social-democrata pensaria que o PSD chegasse ao ponto a que chegou e fosse liderado por um militante tão ideologicamente inconsistente e politicamente imprevisível, como é o presidente da edilidade gaiense. Por outro lado, desta eleição ficaram gravosos despojos dificilmente sanáveis, sendo o PSD actualmente um partido descredibilizado, aflitivamente fracturado e dividido, um Partido Suficientemente Desfeito por lutas internas entre barões e notáveis que preferiram estar na sombra durante a vigente penosa travessia no deserto de poder. O PSD é uma espécie de armazém de clones de Durão Barroso, de gente que recusa continuar no barco ao mínimo vestígio de tempestade, indisposta a assumir corajosamente as dificuldades de militância em tempos adversos, incapaz de arriscar a mediática áurea de salvadores, avessa a beliscar a reputação durante as incómodas contrariedades, movidos que são apenas pelo jogo seguro das estações propícias e favoráveis do exercício do poder.
Ao cinzento e inofensivo Marques Mendes sucede o populista e demagogo Menezes - Paulo Portas tem agora um homólogo à altura e a direita fica mais homogénea no discurso político próximo; e suspeito que a falácia da analogia tenha nestas internas um exemplo: governar uma autarquia, mesmo que uma das maiores, não é o mesmo que governar um país. Além disso, os incidentes com o pagamento de quotas expuseram claramente os meandros de caciquismo e corrupção que movem a vida interna dos partidos, designadamente os maiores e que atraem militância com a conveniência do oportunismo e não pela convicção das ideias. Aliás, PS e PSD são um enorme saco onde cabem as mais díspares idiossincrasias, cuja pouco séria conjugação é fautora do descaracterizado «centrão político».
Mais do que Menezes, temo que possam ter sido Sócrates e o seu governo que ganharam com as directas no PSD. Infelizmente, Portugal perdeu - mas, num exercício democrático com contendedores assim, outra coisa não seria de esperar. Tal como a nossa selecção de rugby, vale-nos a ilusão dada pela força do hábito e o contentamento das vitórias morais!

Superbriga - 5º episódio

Ou muito me engano, ou quem mais pontoou ontem no derby da Luz não foram águias nem leões, mas... ausentes dragões! O campeonato está ao rubro para ver quem vai conseguir ficar em segundo lugar. Só é pena que a Liga BWin se arrisque a ter o mesmo interesse da neófita Taça da Liga - a Carlsberg arrisca-se a ser, provavelmente, a cerveja com menos gás do mundo...
O SC Braga nunca teve tantas hipóteses de ser vice-campeão!

sexta-feira, setembro 28, 2007

Animais como nós

Estava eu ontem em plena aula, quando, a propósito do «XIV Congresso Sobre Alternativas à Experimentação Animal» - que começou hoje na Universidade de Linz, na Áustria -, um aluno me interpelou no sentido de saber qual a minha posição quanto a uma matéria tão melindrosa. Dadas as limitações de tempo da aula e a necessidade de fundamentação consistente da tese que defendo, prometi aos discentes com que trabalhava que daria a conhecer por escrito o meu ponto de vista e que o publicaria neste blogue, funcionando simultaneamente como um exemplo concreto e facilmente acessível de exercício de dissertação filosófica. Assim, e porque o prometido é devido, passo à argumentação:
Gostaria que fosse possível acabar com a experimentação animal e, finalmente, ponderássemos o nosso «especismo» (segundo o qual consideramos ter o sapiens um valor absoluto e um estatuto ontológico inquestionavelmente superior às demais espécies que connosco coexistem no planeta).
Em grande medida, o problema radica na sórdida insensibilidade humana face à vida e ao direito de existir que, penso, todos os seres vivos possuem (claro que a sobrevivência exige que haja cadeias alimentares e, por conseguinte, obter alimento não se enquadra na censura da experimentação animal). No caso particular dos tenebrosos sítios de tortura que são muitas vezes os laboratórios, custa aceitar haver a necessidade de enjaular, mutilar e matar diariamente milhares de animais, mesmo que em nome da ciência. A violência física e psicológica activamente imposta às cobaias é, em muitos casos, dispensável e até contraproducente: por exemplo, a aspirina provoca anomalias embrionárias em ratos e cães, e até a morte em gatos, mas é inócua para o homem; a penicilina mata os ratinhos, mas não tem efeito em coelhos (que eficientemente a eliminam pela urina) e é para nós um antibiótico útil; o arsénico é danoso para o sapiens, porém ratos e ovelhas podem consumi-lo em quantidade; a morfina tem um efeito sedativo para as pessoas, mas causa excitação em gatos, ratos, cabras e cavalos; entre tantos outros exemplos em que os dados obtidos em experimentação animal não são extrapoláveis aos humanos. Aliás, e segundo li há dias, a própria experimentação de medicamentos com homens adultos não é extrapolável com total fiabilidade em mulheres e crianças...
Além disso, os animais utilizados em laboratório não são sempre modelos fiáveis, dadas as condições artificiais e sinistras a que estão cruelmente sujeitos (como a falta de espaço, de luz natural, de vida social e parental), bem como ao artificialismo das causas que os levaram a padecer e que são impostas (no caso dos animais selvagens, violentamente subtraídos do seu habitat e transportados em condições de extrema dureza e precaridade, só 10% chegam vivos e com saúde ao seu destino), e que são geradores de stresse susceptível de influenciar conclusões científicas.
Por outro lado, os avanços tecnológicos permitem hoje a produção artificial de órgãos vitais (como coração, epiderme, veias e artérias), em alternativa aos transplantes de órgãos extraídos de animais.
Aceito que há circunstâncias pontuais nas quais se pode justificar a utilização experimental de animais, mas isso não quer dizer que seja aceitável a magnitude desmedida com que se abusa desse recurso. Reconheço que há, com efeito, uma grande diferença entre matar um animal por simples diversão (como nas touradas, rituais religiosos, lutas de cães ou de galos) e sacrificá-lo em benefício do conhecimento da fisiologia animal e, eventualmente, da cura de específicas enfermidades. Concedo até que os avanços na genética se devem em grande medida à utilização experimental de moscas (e quem ainda não matou uma mosca?) e de bactérias.
Porém, há que limitar e regulamentar a experimentação animal de uma maneira mais estrita e racional, pois não deixa de ser vergonhoso e ignóbil que ainda se usem animais como cobaias ao serviço de fátuos caprichos do homem, sobretudo na indústria cosmética, vítimas de tratamentos fútil e gratuitamente bárbaros. E que culpa têm estes animais que fumemos, não façamos exercício físico, não tenhamos cuidados dietéticos, e tantos outros comportamentos de risco? Aliás, é pacífico admitir que as patologias mais prevalecentes das sociedades desenvolvidas podem prevenir-se e tratar-se com medidas inofensivas, como a mudança para estilos de vida e hábitos mais saudáveis, as lipoaspirações, etc....
É um imperativo moral desenvolver novas possibilidades de investigação laboratorial e outras técnicas e estratégias experimentais que não impliquem o sacrifício dos animais. Existem alternativas mais fiáveis que a experimentação animal, simplesmente custam mais dinheiro às empresas que a elas possam recorrer; e, num contexto de globalização capitalista e neoliberal, a divinização do lucro não olha a meios. É que, se é moralmente aceitável fazer sofrer até ao mais mórbido horror seres sencientes a que nos equiparamos fisiologicamente, e para efeitos de pesquisa, então não caberá igualmente equipará-los a nós no plano ético? Se nós temos a capacidade de sofrer e sentir dor, eles também a têm! Até quando a hipocrisia do «especismo» humano, que crê ter o direito natural e adquirido de dispôr dos que não podem falar nem defender-se e que não questiona a validade do que faz?
Estamos perante um dilema antigo e que não pode ser escamoteado nem prolongado. Os problemas ético-morais não se resolvem com carácter definitivo, uma vez que a equacionação de novos valores (como a dignidade animal) obriga-nos a mudar os nossos comportamentos e a evoluir em sentido centrífugo a receituários anacrónicos e catecismos fossilizados. Ao contrário do que pregam os diferentes dogmatismos religiosos (talvez estes representem o verdadeiro "pecado", pelo menos intelectual), a moral é como os códigos jurídicos: é uma permanente engenharia que carece de adequação à realidade e de conhecimento dos instrumentos que possuímos para mudá-la. E, para isso, um projecto claro de humanidade é indissociável do respeito pelos direitos básicos dos animais não humanos. Não basta deter poder e putativa superioridade; há que saber ser merecedor desse poder e superioridade.

quinta-feira, setembro 27, 2007

Autogolo de Santana

Diz o povo "nunca digas desta água não beberei" e assiste muitas vezes à razão popular a evidência dos factos. Com efeito, e da parte que me toca, nunca pensei que um dia iria sentir-me tentado a fazer uma vénia ao burlesco ex-primeiro-ministro (e ex-muitas coisas mais). Esse dia foi ontem, ao testemunhar a irreverência e ousadia do ex-autarca em não aceder a continuar a entrevista que dava na SIC-N a Ana Lourenço, após ter sido interrompido para que a estação de Carnaxide pudesse cobrir em directo a chegada de José Mourinho ao aeroporto de Lisboa.
Santana tem razão em protestar contra critérios jornalísticos tão lamentáveis e não se coibiu até de produzir uma asserção condenatória da loucura em que o país está mergulhado, sintomática do privilégio concedido a meros fait-divers pela linha editorial dos média nacionais. Louvo a coragem e a temeridade do ex-presidente do Sporting e, por momentos, até pensei votar nele, mas a lucidez e sensatez com que procuro nortear as minhas tomadas de decisão cedo me chamaram à realidade e, ao contrário da lusa sina, não tenho a memória curta...
É que, afinal, o ex-secretário de Estado da Cultura, apreciador das obras de Chopin para violino, deve muito da sua projecção pública às revistas cor-de-rosa e aos seus comentários televisivos em programas de debate futebolístico de que foi prolongado membro de painel. E como primeiro-ministro... Além disso, deixar coisas a meio é já uma sua marca pessoal, pelo que deixar esta entrevista a meio acaba por não causar estranheza. Aliás, talvez por também não a ter concluido é que ela foi boa.
Portanto, por uma vez Santana teve razão, embora, qual autogolo, critique um estado de coisas de que ele foi cúmplice activo num passado que nem é tão distante assim. E mal vai este país quando recebe tão oportunas e pertinentes lições de civismo de alguém como o ex-presidente do «PPD/PSD»!

Superbriga - 4º episódio

Tão grande é a propensão para aderir a milagres que, doravante, vai passar a fazer-se também a peregrinação do 26 de Setembro, mais uma oportunidade de negócio para o hipermercado a céu aberto naquela freguesia de Ourém. Ganhar ao FCP bem pode ter sido o verdadeiro terceiro segredo de Fátima, mas João Paulo II pouco percebia de futebol... No emblema cai o dragão e impõe-se triunfante a imagem da mãe do crucificado: troca-se um mito por outro!

quarta-feira, setembro 26, 2007

Humores # 15

1. Um professor de Filosofia propôs aos seus alunos um trabalho de dissertação em que, de forma o mais concisa possível, abordassem os seguintes domínios afins: Religião, Sexualidade e Mistério. O texto classificado com 20 valores foi o seguinte: «Meu Deus, estou grávida! Mas quem é o pai?»
2. Uma velhinha morre e, ao chegar à antecâmara celeste, depara-se com duas portas, uma azul e outra vermelha. Esclarecida por São Pedro de que a primeira eleva ao Céu e a segunda desce ao Inferno, a senhora ouve uma gritaria e um barulho de berbequim atrás da porta azul. Novamente o guardião celeste a esclarece de que momentos antes havia chegado uma outra senhora que, tendo escolhido o Céu, submetia-se agora a um furo nas costas e outro na cabeça para lhe serem colocadas as asas e a auréola.
Aterrorizada com a violência da propedêutica de acesso ao Céu, a velhinha asseverou a São Pedro que preferia ir para o Inferno, ao que este contrapôs que, nesse caso, ela iria ser reiteradamente violada pelo Diabo. Acto contínuo, responde a senhora em tom firme e decidido: "Quero lá saber! Pelo menos os furos já estão feitos!"
3. Uma professora pergunta aos seus alunos:
- Se estiverem cinco passarinhos num ramo de uma árvore e atirarem num deles, quantos ficam?
- Nenhum! - responde o Joãozinho - Todos fogem com o barulho do tiro.
A professora fica surpresa com a resposta:
- Não era essa a resposta que eu esperava, mas gostei do teu modo de pensar!
- Posso agora ser eu a fazer uma pergunta, senhora professora? - pergunta o menino.
- Podes, Joãozinho.
- Então é assim: três mulheres estão sentadas num banco a comer gelados. Uma está a lamber, outra esta a chupar e a terceira esta a mordiscar. Qual delas é a casada?
A professora fica corada e claramente embaraçada, mas responde, timidamente:
- A que esta a chupar!?
- Não, senhora professora! A casada é a que tem aliança no dedo, mas eu gostei do seu modo de pensar...

terça-feira, setembro 25, 2007

Do esvaziamento da democracia

Começa a ser asfixiante o duopólio dos partidos do centrão, cuja presença no poder é como os eucaliptos: faz secar tudo em seu redor; e, no caso político, subverte elementares regras democráticas. Ao reverem a lei eleitoral autárquica, PS e PSD propõem a defesa de executivos pluripartidários mas, qual quadratura do círculo, impondo um mecanismo automático que permite constituir maiorias absolutas da mesma cor (rosa ou laranja, obviamente!).
Esta alteração vem desvirtuar o voto dos cidadãos, mandando-o às urtigas, pois ignora a democrática proporcionalidade que devia nortear a formação dos poderes executivo e legislativo, em São Bento, em Estrasburgo, no Rossio ou nos Aliados. E isso em nome da falsa premissa da governabilidade do poder local, quando é público e notório que o problema da gestão autárquica não é a sua governabilidade, mas antes a falta de controlo democrático do seu exercício (que, não inocentemente, o novo quadro legal agrava e fomenta) e a eliminação das condições que favoreçam a alternância no poder. Para PS e PSD importa, acima de tudo, defender os respectivos interesses e não o interesse nacional.
A montante desta situação, e que a legitima, está a invariável letargia cívica dos eleitores portugueses, para a maioria dos quais a ética política é dispensável, desde que beneficiem com isso. Afinal, esses partidos não são feitos de pessoas, mas de... gente!

Legendar o silêncio icónico (66)

Este é o Parque Natural da Pedreira da Arrábida.
(Ou o «ambiente» na perspectiva de Sócrates e do governo...)

segunda-feira, setembro 24, 2007

Primum vivere deinde philosophare - 62

Para um «Ministério da Vergonha»

A feudal ministra da Educação, orgulhosa de agir como uma autocrática fora-da-lei ao reiterar as laudas à sua decisão de ter mandado repetir os exames de Química e de Física de 12º ano, em 2006, violou claramente a Constituição, conforme o Supremo Tribunal Administrativo veio agora confirmar o já anteriormente relatado pelo Tribunal Constitucional. E, entretanto, a sinistra senhora voltou a ser alvo de crítica por parte do Provedor de Justiça, que fez duas advertências sobre as irregularidades do concurso de acesso a professor titular - de facto, um mal nunca vem só! Somente numa mente ignóbil e ignorante da realidade escolar seria possível tratar a classe docente de forma tão vilmente estúpida e insensata.
Embora a medieval socióloga torne público que não se arrepende, o certo é que, lamentavelmente, nada lhe acontece, permanecendo impune quem despreza tão frontal e inequivocamente o princípio da igualdade de oportunidades e manifesta um patogénico acinte para com as pessoas que irresponsavelmente tutela: alunos e professores. Não é por acaso que o Ministério da Educação cortou agora relações com a DECO, por esta vir denunciar que faz frio nas húmidas salas de aula, onde o ar é muitas vezes irrespirável; quem não é por ela é contra ela!
Na verdade, as escolas públicas vão conseguindo sobreviver à custa do aluguer dos seus espaços para eventos desportivos, casamentos, baptizados e demais ocorrências que tudo têm a ver com a dignidade sapiencial que era suposto associar-se a uma escola... É uma realidade que tem vindo a ser iludida publicamente pelo espectáculo propagandístico de falsas reformas e medidas avulso que só contribuem para liquidar o sistema educativo, ao ponto de se encenarem salas de aula e se recrutarem miúdos a fazer de alunos e a fingir estarem em plena actividade lectiva. Há farsas inqualificáveis!
À dona Lurdes não confiava nem uma moeda de um cêntimo, e só se mantem no governo graças ao triste país em que vivemos. Se, para ela, a motivação dos professores e o sucesso escolar são coisas dissociáveis, para mim o cargo de ministro de tão maltratada pasta é distinto da qualidade e carácter de quem o ocupa, caso contrário também as aprendizagens dos alunos seriam uma irremediável... desgraça!
Para quando, em Portugal, a criação de um supervisor «Ministério da Vergonha»?

sexta-feira, setembro 21, 2007

Desemprego milionário

E eis que, sem ser propriamente uma surpresa, José Mourinho deixou o Chelsea e, contra toda a lógica laboral, ter sido demitido do clube de Abramovich e ficar desempregado equivaleu a ficar milionário num ápice. Parece que, de momento, a profissão mais lucrativa é ser treinador em Stamford Bridge! E raro é ver, em circunstâncias afins de «chicotada psicológica», quedarem-se jogadores e adeptos em desolador pranto e inconformados com uma decisão de despedimento do seu treinador, afinal o habitual bode expiatório de erros alheios.
Mourinho teve uma ascensão meteórica numa carreira onde os melhores levam mais anos a conseguir a fama, a reputação e o prestígio, e em muitos casos à custa de uma anterior carreira como jogadores bem sucedidos, o que não é o caso do irreverente setubalense. E, com a sua saída do Chelsea, perspectiva-se um manancial de especulações que vai certamente fazer correr rios de tinta e relegar o caso Maddie para um inferior plano noticioso.
Com efeito, as coincidências no futebol são espantosas (veja-se Ronaldo a ser o carrasco da equipa a que deve a sua excelente formação): assistimos a um contexto em que a selecção das quinas começa a ver em perigo o apuramento para o Euro 2008 e Scolari vai ser suspenso pela UEFA em todos os jogos que faltam disputar, após o irreflectido murro ao vilão sérvio - o que permite à FPF despedi-lo com justa causa e, assim, evitar outra choruda indemnização (que a Federação não tem o pecúlio de Abramovich!) -, quando ocorre a súbita disponibilidade de Mourinho que vem baralhar as cartas do jogo, sobretudo sabendo-se que gostaria de treinar a selecção nacional e que, por sua vez, Scolari faz tempo que está na agenda de contratação da federação inglesa. Além disso, a qualidade do special one não o fará estar inactivo por muito tempo, pelo que não admira que haja quem vai querer apressar "chicotadas" para aproveitar a inesperada ocasião de empregar Mourinho.
Também Fabio Capello conquistou o título de campeão com o Real Madrid e foi despedido, em nome de imperativos empresariais que começam a sobrepor-se aos critérios estritamente desportivos: para os clubes de topo investirem somas avultadas em aquisição de jogadores e pagarem salários milionários, exigem aos técnicos o espectáculo que faça encher bancadas e vender camisolas. Não basta vencer nem ser apenas eficiente; é preciso igualmente ser bonito e ostentar um look sedutor que atraia as massas de adeptos sedentos de idolatria. Talvez por isso Mourinho tenha dito que, depois do Chelsea, iria para Itália...
Quanto ao resto, não consigo lastimar um tão generoso despedimento!

quarta-feira, setembro 19, 2007

Humi(l)dade

Diz o provérbio que "mais facilmente se apanha um mentiroso do que um coxo", o que, aplicado ao governo chefiado pelo que se faz passar por «sr. engenheiro», ganha rigores de cientificidade. Por muita propaganda que faça, os cidadãos atentos e esclarecidos não deixam de vislumbrar neste governo um conjunto de mentirosos, desdizendo hoje o que prometeram ontem, desde o primeiro dia de campanha até ao último de mandato. O excesso de folclore mediático em artificiais anúncios e apresentações de medidas legislativas é disso sintomático, pretendendo o aparato propagandístico encobrir apenas a ineficiência e incompetência da acção governativa, no que Sócrates dá credibilidade a um outro aforismo popular que assevera que "muita parra, pouca uva"...
No caso particular da Educação, já sabíamos que temos uma seráfica ministra que, com os seus sórdidos apóstolos, desafiam a legalidade (veja-se a repetição de exames num passado recente), enganam a opinião pública (veja-se a entrega de computadores a alunos e professores que, sob a aparência de quase gratuitidade, custarão, contas feitas, mais de € 700 aos que os receberem) e vão destruindo a qualidade do ensino (veja-se o novo ECD e o facto de nunca um ministro da Educação ter odiado tanto os professores).
Ontem, a OCDE divulgou o relatório «Panorama da Educação de 2007», no qual revela que Portugal é, em 34 países, o 23º em investimento anual em educação: o nosso país despende, por ano, € 5030 por cada aluno (do básico ao secundário), para uma média de € 6115 entre os países da OCDE. Por seu lado, a DECO realizou estudos em 40 salas de aula de 20 escolas nacionais e concluiu que, em 80% das escolas, a renovação do ar é insuficiente e, em 66% delas, os valores da humidade estão acima do recomendado, o que favorece o desenvolvimento de problemas respiratórios, de alergias, de fungos e bactérias. A minha experiência como docente há mais de uma década e em mais de uma dezena de escolas, de Norte a Sul, impede-me de ficar surpreendido com tais conclusões.
Claro que, conhecendo o carácter do trio que ocupa os confortáveis gabinetes do Ministério da Educação (seguramente sem humidades, fungos ou bactérias), não surpreende também que esta incompetência tricéfala tenha cortado relações com a DECO. A dona Lurdes e os aios Lemos e Pedreira são elementos perfeitos deste governo mais que imperfeito: não basta pouco saberem da matéria que tutelam e ainda por cima são arrogantes. Que pena que uns sofram com excesso de humidade, por culpa de outros com défice de humildade!

Primum vivere deinde philosophare - 61

domingo, setembro 16, 2007

Em ninho de cucos / 7

Sobretudo desde que se tornou uma holding multinacional no rentabilíssimo negócio das almas, inaugurada no século I pelo mentecapto Saulo de Tarso, oficializada no século IV pelo facínora imperador romano Constantino, robustecida em 1231 por Gregório IX (o ignóbil papa fundador da Inquisição) e expandindo-se ainda mais a partir do século XV a reboque dos luso-hispânicos Descobrimentos, não mais a sanidade mental da matriz cultural ocidental deixou de ser importunada pelas católicas alimárias estupidificadas pela absurda e desumana cegueira do caprichoso dogma. O Renascimento e o Iluminismo não foram suficientes para restituir o Homem ao Homem, ou não assistíssemos ainda hoje - mais de 2000 anos à espera do regresso do crucificado cavalgando nas nuvens ladeado por anjos, querubins e serafins - aos dislates de teológica candura do senhor Januário e seus pares na anacrónica e vil hierarquia com sede no Vaticano.
Quando os antecessores deste bispo das Forças Armadas (como é possível conceber semelhante cargo?!) tiveram o autoritário privilégio de viver nos gloriosos tempos inquisicionais, instigavam os seus incultos rebanhos a renderem-se às santificadas virtudes da bufaria e acusarem todos os que exibissem heréticos comportamentos, contrários às leis do Deus que erigiram: havia que denunciar e condenar ao público churrasco quem fizesse o sinal da cruz com três dedos e não com toda a mão, ou da direita para a esquerda; quem defendesse que a matéria é composta de átomos (incompatível com o dogma da eucaristia, sendo a hóstia o corpo do cultuado senhor mas imaterial); quem sugerisse a insolente possibilidade de haver vida extra-terrestre (a Terra é o inexorável centro do Universo); quem enterrasse os seus mortos em campas voltadas para o mourisco oriente; quem se votasse à judaica inércia do descanso ao sábado; quem lesse Voltaire e outras demoníacas obras que comportassem o perigo da desviante ilustração (até um «índex» foi religiosamente criado); quem aventasse a ideia de que Maria, sendo a paridora do crucificado, não o era todavia de Deus (pois Jesus é Deus, quem diria?!); quem se recusasse a degustar a deleitosa carne de porco; quem, do varonil género, escondesse o genital membro ao urinar (não por vergonha do volume, mas por eventual receio de lhe ser desvendado o pénis circuncidado); quem recusasse um convite para cear numa noite de lua cheia (própria de lobisomens e satânicas criaturas)...
No século XXI, com outra percepção do ridículo, e ao contrário da doutrina inventada, as católicas censuras modernizaram-se e têm tecnológica repercussão: condena-se o preservativo, o aborto (curioso em quem tanta gente assassinou!), a clonagem terapêutica e a inseminação artificial. Vale às hodiernas gentes que os papa-hóstias não têm hoje o poder de ostentarem fachos ou archotes, senão o caso Maddie já tinha sido resolvido numa purificadora fogueira. Como seria hoje o mundo se as férteis parideiras destes membros do clero fossem estéreis e vigorasse ainda a inquisitorial época? Como seria o mundo sem esta burocrática igreja que administra a fé com habilidades de contabilista?

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quinta-feira, setembro 13, 2007

Primum vivere deinde philosophare - 60

Legendar o silêncio icónico (65)

Esforçou-se mais o seleccionador do que os seleccionados!
(A estátua do Eusébio faria melhor...)

quarta-feira, setembro 12, 2007

Um pénis Peculiar

João Peculiar foi o bispo de Braga que coroou Afonso Henriques como primeiro rei de Portugal. Tantos séculos depois, este clérigo teve direito a uma estátua na freguesia bracarense da Cividade, no Largo de São Paulo - outra coisa não seria de esperar de uma cidade conhecida como sendo "dos arcebispos". Porém, a petrificada figura foi esculpida com inusitada solenidade falocêntrica: o emérito sacerdote segura um báculo de genital feição e, embora plantado em público lugar há quatro anos, só agora se tornou alvo de polémica e atracção turística. O próprio presidente da Junta local, António Santos (até o apelido do autarca comporta hagiológica sugestão!), afirmou mesmo que lhe custa "ver os turistas agarrados à estátua a rir e fazer graçolas" e até que o incomoda "ser autarca de uma freguesia que é conhecida pelas anedotas e graças que se contam sobre a estátua"...
Após conferência com o camarário presidente e o bispo da diocese, creio que o objecto escultural foi retirado do Largo, João Peculiar incluído; o pudor, a católica moral e os seus bons costumes são muito bonitos, mais ainda em tão beata cidade!
Ora, o que a mim me perturba é saber que há bípedes de tão «peculiar» estirpe que são presidentes de Junta e de Câmara (já do bispo Ortiga não se pode exigir a mesma laica decência intelectual, cívica sensatez e racionalidade). Estas mentalidades graníticas têm, pelo menos, históricas afinidades com o coevo bispo de Afonso I - mais velhas, portanto, que a sé de Braga... Seria bom que os lusos autarcas fizessem um curto estágio em Amesterdão ou visitassem uma exposição de Cutileiro, quer lhes falte ou não quem lhes endireite os pessoais... báculos!

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segunda-feira, setembro 10, 2007

"Avante" sem sair do lugar

Terminou ontem a 31ª edição da Festa do Avante, evento que é já uma instituição nacional. Porém, por razões diversas, eu nunca fui a esta Festa do PCP, partido que teima em festejar a Revolução de Outubro como se a instauração na pátria dos czares do regime bolchevique não estivesse associada à deriva estalinista e à emergência de um sistema sanguinário, totalitário e notoriamente antidemocrático. A experiência soviética e o papel de Álvaro Cunhal no PREC são acontecimentos que atestam objectivamente que o comunismo deixou de ser uma utopia convertendo-se num mal atroz. Por outro lado, e concomitantemente, o PCP insiste em convidar para a Festa do Avante representações de partidos que estão para a democracia e a liberdade de expressão como Bush está para a paz ou Hitler esteve para os judeus: é ver na Quinta da Atalaia as bancas dos abjectos PC's cubano ou chinês. Há festas fantásticas, não há?
Não obstante as afinidades ideológicas que em muitos aspectos da perspectivação do indivíduo, da sociedade, do trabalho e do ambiente, tenho com o comunismo, não posso deixar de salientar as contradições a que esta corrente chegou quando confrontada com a factual prática social e política, semelhante a outros antagónicos «ismos» como o fascismo e o catolicismo. E nem o argumento da química ciência - os opostos atraem-se - serve de argumento justificativo válido.
Talvez um dia vá à Festa do Avante, mas, por ora, e enquanto for "Avante" sem sair do lugar, é mais provável que uma tartaruga grávida ganhe a maratona...

sábado, setembro 08, 2007

Em ninho de cucos / 6


... sobretudo o clero pedófilo, para evitar transmitir doenças sexualmente transmissíveis aos meninos, nos Estados Unidos como em todo o mundo, na Terra como no Céu!

sexta-feira, setembro 07, 2007

Breves notas e diatribes (6)

1. Tomo conhecimento de que um grupo de investigadores desenvolveu uma pilha que funciona com sangue e suor humanos. Para mim, esta notícia foi uma surpresa: não porque me suscitasse perplexidade por ser um devaneio futurista, mas sim porque eu estava convencido que esse «artefacto» já existia há, pelo menos, 200 anos - desde a Revolução Industrial - e dava pelo nome de... assalariado!
2. Os sucessivos erros que conduziram ao ambiente de guerrilha que prevalece no Iraque há mais de 4 anos, com o seu tenebroso cortejo diário de massacres e morte, têm como responsáveis não apenas os autores materiais destas carnificinas, mas também os criminosos imbecis que mentiram para justificar uma guerra que nem sequer planearam convenientemente, de forma a evitar a mais que previsível violência posterior, que não parece ter fim à vista. Vale a Bush e a Blair que o poder lhes dá a imerecida impunidade, provando que há crimes que vão compensando e criminosos que permanecem sem castigo.
3. Afinal, o caso Maddie ainda é repasto para os necrófagos que vivem do sórdido circo mediático. Quando parecia estar em lume brando a dissipar-se, eis que inesperadas centelhas reacenderam a curiosidade mórbida e lançaram no ar o fumo negro da desconfiança, fazendo do desaparecimento da petiz inglesa uma estória policial digna de figurar entre as obras de Agatha Christie, Patricia Highsmith ou Rex Stout: todas as personagens lamentam o crime sob um véu de inocência, mas todos se tornam suspeitos.
Pelo meio, e atraídos pela interior satisfação por alheias desgraças, o povo exibe a sua vocação de hiena, dirigindo-se ao local para vislumbrar no semblante dos inquiridos um qualquer vestígio de culpa, ou para lograrem um close up dos mesmos, como se de um troféu de caça se tratasse. O conceito de civilização é, cada vez mais, subjectivo e ambíguo...

quinta-feira, setembro 06, 2007

Legendar o silêncio icónico (64)

Tropa de elite para desarmar o inimigo!
(E agora é que acabou o serviço militar obrigatório!?)

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Gente fina

É ruidoso o silêncio do PS e do CDS sobre o caso do financiamento ilegal do PSD por parte da Somague e revela implicitamente a promiscuidade que predomina nesta república de democracia aparente. Há que proteger as honoráveis empresas que patrocinam os partidos do «arco do poder», pois, afinal, estão comprometidas com o desenvolvimento do país e são incubadoras da fina flor de notáveis quadros superiores que, com os seus inestimáveis conhecimentos, fazem Portugal prosperar a olhos vistos e que, exauridos do intenso trabalho e elevada responsabilidade vividos nas suas curtas experiências políticas, são recompensados com o ingresso ou regresso nas administrações das principais empresas públicas. Assim se garantem reformas generosas...
Por falar em reformas, gente fina é mesmo outra coisa e a saída de Paulo Teixeira Pinto do BCP prova-o à saciedade. Com efeito, este católico-monárquico tornou-se o ancião mais jovem da elite nacional, a troco de uma modestamente cristã indemnização de três milhões de euros pelos anitos (dez?) que afincadamente laborou no banco de Jardim Gonçalves.
Claro que tais critérios não se aplicam na aposentação dos restantes trabalhadores, quanto mais não seja por uma neoliberal questão de... racionalidade económica!

terça-feira, setembro 04, 2007

Setembro

O facto de eu ser professor inviabiliza que possa gozar férias em períodos de época baixa, turisticamente mais baratos e demograficamente menos agitados e confusos. Agosto é, portanto, a folga que o calendário me concede, acompanhando o cultural ritmo crono-sociológico em que a Economia dá tréguas e se torna compatível com o prazenteiro ócio que é cúmplice dos estivais calores. A pressão produtiva, irreprimível força que de nós se apropria e nos coage ao desempenho de mecânicos pontos na vasta engrenagem social que nos sorve e arrebata, só durante um mês abre mão da violência com que exaure as humanas existências durante o resto do ano. Assim, para uma imensa maioria, Agosto significa a liberdade provisoriamente devolvida após um longo cativeiro!
Mas os meses têm a orgânica dos corpos: fenecem depois de esgotado o aprazado ciclo de vida, nos seus casos de quatro semanas de coexistência; cada um volta doze meses depois mantendo o nome, mas numa roupagem sempre diferente, parecida mas nunca igual... Mais sorte teriam se conscientes criaturas habitassem planetas mais exteriores desta galáxia, onde os dias são mais longos e onde o conceito de efémero se contrai em mais afastadas latitudes.
Assim, ido o Agosto, desde ancestral calendário se insinua Setembro, mês de recomeços, de reinícios de programa. Porque a escola é o comum espaço onde todos pousamos, Setembro anuncia-se como um Janeiro antes do tempo: um novo ano se inaugura, novos projectos se engendram e concretizam, revigorados pelo sazonal descanso que dá alento e estímulo. Curioso paralelismo este, em que Setembro, sendo o nono mês, dá a luz a novidade de outra humana etapa e a motivação para sorrisos que se haviam afadigado no anual percurso. O Zodíaco partilha similares afeições por Setembro, dedicando-lhe a «virgem» como signo do imaculado porvir, pois a vida (re)começa em Setembro!
Não é por contingente acaso que este debutante mês serve de ícone ao mais arrebatado romantismo, como é exemplo - que os da minha geração (e mais anosos) bem conhecem - o verso inicial de uma canção cujas declamadas palavras se tornaram afamadas pela colocada voz de Victor Espadinha:
Foi em Setembro que te conheci.
Trazias nos olhos a luz de Maio,
nas mãos o calor de Agosto
e um sorriso,
um sorriso tão grande que não cabia no tempo!
Janeiro é tão somente a aparição de um ano começado em Setembro. E como custa acomodarmo-nos às exigências de cada nova etapa e deixar para trás o torpor das horas sem relógio e dos eternos instantes das férias. O agridoce Setembro não permite as inércias do tédio. Mãos à obra!