quinta-feira, novembro 29, 2007

Protestar é preciso!


Ser consequente com as críticas que se dirigem ao Governo implica aproveitar todos os momentos em que se possa marcar oficialmente uma posição efectiva e visível de discordância. Entre esses momentos estão os dias de eleições como também os dias de greve e, concordemos ou não com o agendamento para amanhã, o importante é aderir à jornada de protesto. O sacrifício que isso acarreta no vencimento pode ser compensado no futuro, por muito cépticos que sejamos. Infelizmente, são cada vez menos os instrumentos legítimos de luta no sistema económico capitalista, havendo quem, mesmo assim, os desaproveite. Saibam os funcionários da Administração Pública estar à altura, amanhã, de um tão importante gesto de reivindicação e cidadania - Sócrates merece!

Legendar o silêncio icónico (71)

Uns vivem em maus lençóis e outros em melhores toalhas!
(Há coisas que não se usam ao contrário!)

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Pérolas de um devoto capitalista

A minha diatribe de hoje é dirigida a um doutorado em Economia (começa a ser preocupante a (de)formação cívica que esta espécie de ciência parece incutir em muitos dos seus especialistas) e vice-presidente da CIP, de nome Paulo Nunes de Almeida. Numa entrevista dada ao «Público», este senhor produziu um conjunto de asserções tão retorcidas e eivadas de uma idiossincrasia tão fervorosamente capitalista e neoliberal, que violentam até à náusea as preocupações sociais e o respeito pela dignidade laboral dos trabalhadores. Passo a expor:
i) Para o douto economista, aumentar o salário mínimo nacional para 500 euros vai gerar mais desemprego - claro que sim, pois os empresários (ou patrões?) não se privarão de comprar os seus veículos topo de gama ou as suas residências de férias, além de que os lucros que obtêm e a distribuição das mais-valias são inegociáveis; vai daí e ameaçam cortar postos de trabalho, porque, como se vê, o dinheiro não estica...
ii) Apela ele dramaticamente para que se proceda à redução do número de feriados - claro que sim, são uma causa substancialíssima da redução da produtividade e da competitividade; afinal, o ano só tem 365 dias, poucos para trabalhar e demasiados para folgar; então as férias e os inoportunos fins-de-semana não bastam?
iii) Sugere ele ao Governo, como bom, atento e exemplar cidadão que deve ser, a colocação de um tecto nas indemnizações - claro que sim, as indemnizações milionárias que os operários recebem com ligeireza merecem a nossa reprovação, pois não são administradores nem directores-gerais de bancos, de multinacionais ou de empresas públicas, para além de que já são muito bem remunerados mensalmente.
iv) Preocupado com a globalização, defende a criação de um «fundo» de ajustamento à dita com dinheiros públicos - claro que sim, há que dignificar a iniciativa privada e para isso há funcionários públicos a mais; as receitas dos impostos, ao contrário dos lucros das empresas, devem ser melhor repartidos.
v) E ainda refere o eloquente empresário a questão dos horários, mostrando que é cristão de boa cepa e um altruísta moral: magnânimo, opõe-se à discricionaridade no prolongamento do horário de trabalho, pois sabe por experiência própria que, a partir de determinado tempo extra, não é o cansaço que aumenta mas a produtividade que diminui! E quando há sazonal trabalho acrescido "nós temos que criar um mecanismo em que essas horas a mais possam ser compensadas nos períodos em que a empresa tem menos trabalho" - claro que sim, pois as horas-extra de trabalho só beliscam os lucros e ainda está para nascer o doutorado em Economia que defenda a equiparação do trabalho extraordinário a trabalho normal; o que interessa, portanto, é acabar com as horas extraordinárias usufruindo o patrão delas, como há muito fazem os bancos.
Como se vê, este depoimento é uma pérola apologética do capitalismo mais rude, bárbaro e selvagem que se possa imaginar. Sinal dos tempos, é com pressões desta índole que o Governo intervem na economia no sentido único de beneficiar o patronato (que, em Portugal, empresariado há pouco!), ainda demasiado molestado pelos mesquinhos interesses dos trabalhadores. O que a direita pretende não é «menos Estado, melhor Estado», mas sim «menos Estado social, melhor Estado elitista».
Paulo Nunes de Almeida dá até a entender que, se calhar, e se fosse caso disso, até vendia a própria mãe! Ou esquece que os assalariados também são gente com direito a ter família e que não nasceram com o propósito exclusivo de trabalhar ou de serem escravos?

terça-feira, novembro 27, 2007

Em ninho de cucos / 12


Eis uma fervorosa prova do católico amor pelo próximo, sobretudo se esse próximo for um beato ditador que espezinha os direitos humanos ou a liberdade de expressão, em Portugal como no mundo. Nutrindo-se da pobreza espiritual da ignara plebe, o António bispo intercede junto do celestial arquitecto para reforçar a PIDE na protecção e saúde do outro António, o de Santa Comba - tanta santidade associada comove e só podia redundar em tão aclamada devoção. Bendito seja tão grande louvor e apreço pelo fascismo, que até custa a entender como se pode viver em democracia...
Com a graça do Vaticano, eis a singela e documental prova da horda de situacionistas cobardes que sempre hão-de imortalizar a eclesial empresa ora presidida por Bento 16 (nome falso de gente falsa). À época, muitos terão aproveitado esta época de saldos: rezar, rezar, rezar, rezar, bajular o querido líder deu direito a uma promoção nas indulgências - até 50 dias! Tão simples e altruísta contabilidade de ladaínhas é a coisa mais racional que a bondade clerical do bom bispo poderia oferecer.
Depois disto, como pode haver ainda alguém a questionar a utilidade social e a importância espiritual da santa madre igreja italiana?

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Primum vivere deinde philosophare - 67

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segunda-feira, novembro 26, 2007

Quem dá porrada à ministra?

Noticia o jornal do sr. Fernandes que "funcionários não-docentes são vítimas diárias de agressões nas escolas". Como professor a leccionar numa escola problemática, eu próprio sou testemunha directa da veracidade do conteúdo da notícia.
Com efeito, o fenómeno da crescente indisciplina nas escolas indicia, desde logo, quão grave é a demissão dos agentes de socialização (família, tecido produtivo, meios de comunicação social e de entretenimento, etc.) no processo de socialização que seria recomendável legar às gerações mais novas. Pelo contrário, e também por factores sócio-económicos e culturais adversos e diversos, nivela-se cada vez mais por baixo, descuidando-se a elevação sapiencial, a curiosidade intelectual ou a excelência cognitiva.
A perda de respeito pelos pais, pela família e, em geral, pelos mais velhos reflectem-se na escola, a qual, cada vez mais, tem de substituir a falência da família no domínio da educação elementar e informal, o que constitui tarefa impossível, inexoravelmente inglória e que extravasa o âmbito estrito de competências da escola. Mas, convenhamos, não se pode exigir a famílias desestruturadas que dêem o que não têm: entre outras coisas, as regras de civilidade que elas próprias não receberam e até desconhecem.
Se, actualmente, devido a leis permissivas e iníquas (que perversamente reforçam a impunidade dos alunos), os professores se vêem em sérias dificuldades para imporem a autoridade na sala de aula, imagine-se o que dizer dos auxiliares de acção educativa, que, tendo também que lidar com a indisciplina, ocupam um lugar hierárquico inferior, são miseravelmente remunerados e muitos deles não têm sequer preparação prévia ou formação adequada para exercerem o seu papel na escola...
Face à massificação do ensino, não se criaram os mecanismos apropriados para substituir a escola tradicional e o ensino magistral e, confundindo direitos e deveres e pedagogia e puericultura de algibeira, procedeu-se à subversão total de valores: o carrasco passou a vítima e a vítima a verdugo, não havendo até hoje um ministro da pasta digno do cargo - a actual titular é o paradigma do pedagogicamente inqualificável (não se guardam galinheiros com raposas!) -, chegando-se a esta execrável situação em que o educando é incompetente para passar a educador, pois lhe falta educação (em sentido lato) e tempo para exercê-la!
Neste processo, as associações ou comissões de encarregados de educação estão para a escola como a gasolina para um incêndio ou o tocinho para Maomé; é que não basta mandar, é preciso saber mandar: onde estão as denúncias dos «encarregados de educação» (curiosa designação, tão erudita quanto falaciosa) à farsa efectiva que é hoje a Educação pública em Portugal? Onde estão as críticas à indisciplina na escola? Quantos pais há que, efectiva e seriamente, desempenham o consciencioso papel de «encarregados de educação»?
E, em todo este contexto, diz a ministra e os seus acólitos de ministério que as escolas são os lugares mais seguros que existem. Quem dá porrada à ministra? Pelo menos, e descontados os hematomas (milhares de professores e auxiliares sei que não os lamentariam), poderia ter o positivo efeito de despertar para a realidade e acabar com o arrogante e ignorante afrontamento. Ou, ao menos, à falta de porrada, apetece dizer à dona Lurdes: "por que nó te callas?"

sexta-feira, novembro 23, 2007

Peixes fora de água

Em Portugal, mais de um terço da população activa tem um vínculo laboral precário e, com isso, de permanente tem a angústia de verem o seu sustento suspenso pelo frágil fio da imprevisibilidade. Tudo em nome da falaciosa saúde económica das empresas, que faz do trabalho com muitos deveres e poucos direitos uma questão de cidadania; quando, na verdade, as crescentes assimetrias e desigualdades sociais atestam que, nestes tempos de moderna servidão, o que sucede é a capitalista desvalorização social do trabalho e o desumano empobrecimento da autonomia individual e da dignidade cívica da grande maioria em favor de uns poucos.
Contrariando a farsa socrática (uma de muitas!) de se estar a adoptar uma estratégia política de qualificação profissional - «novas oportunidades», «plano tecnológico» e quejandos -, os números significam que uma parte substancial da nossa actividade económica dispensa a qualificação profissional dos trabalhadores, não gerando grande valor acrescentado (onde o desemprego mais cresce ultimamente é entre a população licenciada).
Curiosamente, segundo o relatório da «Proudfoot Consulting» sobre a produtividade nacional, estudo realizado pela Universidade de Warwick, os factores decisivos que contribuem para o atraso nacional, desperdiçando 7626 milhões de euros (5,5% do PIB), são a falta de planeamento e de controlo de quem dirige e a impreparação das chefias, quais peixes fora de água. Aliás, muito à imagem do Governo! Mas os comentadores de economia da nossa praça, nas suas habituais leituras convenientemente enviesadas dos números, atribuem genericamente a culpa ao desempenho dos trabalhadores - e face à precariedade crescente das relações laborais, como estranhar um eventual menor empenho destes?
Fossem tão competentes e diligentes nos seus desígnios empresariais como são a parasitar o Estado e a explorar os recursos humanos, e teríamos índices de produtividade bem melhores. Para quando um «choque psicológico»?

quinta-feira, novembro 22, 2007

Criação de um logótipo





terça-feira, novembro 20, 2007

Requiem pela Educação

Só falta a publicação em Diário da República do novo regime de avaliação do desempenho docente para que, definitivamente, o sistema educativo português se consolidar como uma fraude completa. Porém, nem essa promulgação seria necessária para constatar que a educação no nosso país é já uma absoluta farsa e que ser professor passou a ser uma mera função burocratizada, despida que foi da dignidade pedagógica que timidamente ainda a ia caracterizando.
Os Conselhos Executivos converteram-se em meras correias de transmissão da vontade arrogante e ignorante da 5 de Outubro: para que as escolas tenham contratos de autonomia, os resultados são o critério decisivo e fundamental, independentemente do enquadramento sócio-cultural e económico do estabelecimento de ensino. As inspecções que vão policiar as escolas impõem o aproveitamento escolar como factor determinante da avaliação externa das escolas, tudo com o fito de melhorar as estatísticas nacionais. Qualquer pessoa informada e séria sabe que não é assim que se melhoram tais índices, como se os professores, sobrecarregados de burocracia e algemados no seu desempenho por legislação ignóbil e contrária à qualidade do desempenho docente, pudessem resolver num ano lectivo e no espaço da sala de aula os múltiplos problemas, dificuldades e deficiências que os alunos trazem consigo.
O sucesso fácil é a prova de como os sucessivos governos, e em particular este, têm desmantelado a Educação. Lurdes Rodrigues e a sua horda parasitária querem diplomados ignorantes e não cidadãos instruídos - agora até já nem precisam de frequentar as aulas! Não será isto um crime e os seus autores criminosos?
A Educação morreu - paz à sua alma!

segunda-feira, novembro 19, 2007

Primum vivere deinde philosophare - 66

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A penitência de um ignorante

Muitos milhares de gratuitas mortes depois, o inenarrável presidente da Comissão Europeia, o neoliberal ex-maoista Durão Barroso, declarou à TSF que lera «informações que não eram verdadeiras sobre o Iraque» - é o que faz, coitado, andar mal acompanhado... Parece que Barroso procura a absolvição dos ignorantes, os que ingenuamente (ou cinicamente?) aceitam informações distorcidas e manipuladas ou dão crédito aos maus juízos que os divorciam da verdade (à revelia da qual agem, sabe-se bem por que ínvios desígnios).
Lesse Barroso o velho Séneca e saberia que a ignorância gera a irresponsabilidade (infelizmente também, muitas vezes, a impunidade). Mas, provavelmente, talvez Barroso desconheça a filosofia do estoicismo, de que Séneca era adepto. E isso talvez aconteça por falta de... informação verdadeira!
Com o fugitivo ex-primeiro-ministro, desconfio que se esteja perante a verdade da mentira!

sexta-feira, novembro 16, 2007

Parabéns a você, Saramago!

O anónimo cidadão autor deste blogue felicita José Saramago pelo 85º aniversário que hoje cumpre. Da Azinhaga (no concelho da Golegã) para o reconhecimento mundial com o Nobel da Literatura, cada livro seu é um hino à dignidade humana, à defesa dos Direitos Humanos, à tolerância e à abertura de espírito; as suas estórias são um ficcional cosmos que irradia beleza em todos os sentidos da sensibilidade; a sua obra faz pensar e é um louvor à grandeza das pequenas coisas, pormenores e gestos. São pessoas da sua estatura intelectual que restauram a esperança no progresso humano.
Partindo do quase nada da sua origem familiar, alcançou a prosperidade do quase tudo traduzido na imortalidade que o seu trabalho lhe dará. Há biografias merecidamente felizes!
Sei que não lerá estas palavras - a minha pretensão não chega a tanto... Mas, de qualquer modo, Parabéns a você, José Saramago!
Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.
- in "Provavelmente Alegria", Editorial CAMINHO, Lisboa, 1985, 3ª Edição

quinta-feira, novembro 15, 2007

Um vulcão em Leça

Dos 6 aos 36 anos de idade vivi em Leça da Palmeira, freguesia matosinhense que, por razões óbvias, considero a minha terra. Ainda lá vou com frequência quando visito os meus pais. Lembro-me perfeitamente de a zona urbana de Leça ser bem mais exígua da que hoje existe, tendo-se registado nas últimas duas décadas uma explosão urbanística e demográfica que transformou a face desta freguesia: os espaços verdes que existiam na minha infância e adolescência deram lugar a construções em altura, vivendas, prédios de apartamentos, cooperativas de habitação, condomínios abertos e fechados, bem como a equipamentos outrora inexistentes, como a escola secundária, a Exponor e uma zona desportiva contígua à zona industrial em imparável expansão. Nem o pulmão da cidade, a Quinta da Conceição, parece resistir à voragem da implacável ocupação humana, demitindo-se a autarquia da sua preservação e manutenção.
A sua localização geográfica - fica ao lado do Porto - e as boas acessibilidades (como a Ponte Móvel agora renovada e por onde se chega a Matosinhos e ao Metro, ou a A28, que rapidamente nos conduz ao aeroporto de Pedras Rubras e à fronteira de Valença), a proximidade ao Parque da Cidade e às catedrais de consumo da moda (o Norteshopping, o Continente, o IKEA, a Moviflor, a AKI, a Staples, stands de automóveis da zona industrial do Porto), os bares e restaurantes que enriquecem a oferta de lazer e atraem muitas pessoas dos arredores da área metropolitana, as praias que, apesar de ventosas e com uma qualidade de água que já conheceu melhores dias, enchem a marginal no Verão, entre outros aspectos, fazem de Leça uma das zonas mais caras e de maior especulação imobiliária da área metropolitana do Porto. Aliás, muitos leceiros meus amigos de infância e adolescência tiveram de procurar residência na Maia, na Senhora da Hora, em Perafita ou em Rio Tinto, aí constituindo as suas famílias com menos encargos imobiliários.
Mas o Porto de Leixões e a Refinaria da Galp são, indubitavelmente, os grandes motores económicos de Leça da Palmeira e do concelho. Se o primeiro se integra pacificamente na comunidade e na paisagem (não obstante o intenso tráfego de camiões que implica), já a refinaria levanta problemas. Com o crescimento do perímetro urbano, a habitação chegou até paredes-meias com esta gigante área de refinação de petróleo, que deixou de estar relativamente afastada das áreas residenciais. Ou melhor, a vergonha nacional que é a falta de planeamento urbano e a corrupção existente no poder local, levaram a esta situação em que se estabeleceu uma tão inusitada vizinhança e assim se ampliasse a ameaça de potencial bomba que esta refinaria hoje representa.
Depois das descargas ilegais e impunes nas praias, foi agora a vez, no passado dia 12, de uma explosão no seu interior - não é a primeira. Com frequência, e sobretudo a coberto da noite, as torres expelem fumos negros e espessos, exalando cheiros desagradáveis e intensos e depositando pequenas manchas de gordura na chapa e vidros dos carros. A refinaria é, sem dúvida, o cancro de Leça da Palmeira, um problema de saúde subordinado a imperativos económicos dificilmente contornáveis.
O perigo que constitui a Refinaria da Galp não me parece ter sido devidamente equacionado pelas autoridades e, por conseguinte, é toda uma importante região fortemente habitada e industrializada que está entregue às mãos da sorte que protege a falibilidade humana. Este complexo petrolífero pode ser comparado a um vulcão adormecido; oxalá continue o vulcão nos braços de Morfeu...

quarta-feira, novembro 14, 2007

Primum vivere deinde philosophare - 65

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terça-feira, novembro 13, 2007

O presidente, o rei e Zapatero

Antipatizo com pessoas arrogantes e com desprezíveis tiques autoritaristas, sobretudo os ditadores das mais diversas ortodoxias e os políticos populistas que instrumentalizam a democracia pondo-a ao serviço de projectos de poder pessoal. É neste espectro de baixa política que insiro Hugo Chavez, responsável pela instauração da autocracia na Venezuela, o que, num país da América Latina que é um dos grandes produtores mundiais de petróleo, não deixa de ser preocupante.
Embora concorde com o conteúdo e a substância de algumas das imprecações que Chavez dirige a autores das injustiças da actual (des)ordem mundial, discordo do modo como o faz: adoptando uma atitude burlesca baseada numa linguagem desmesuradamente prosaica e jocosa - em vez de assumir um estilo retórico apropriadamente crítico -, o general venezuelano acaba por desvirtuar o sentido e a essência dos princípios e valores que assevera defender. Por exemplo, é injustificável o modo como desrespeita a oposição interna no seu país e que queira fazer um referendo para alterar a Constituição venezuelana para, entre outras modificações ao texto que violam a salvaguarda dos ideais democráticos e de esquerda, terminar com a limitação de mandatos.
Na última Cimeira Ibero-Americana, o rei de Espanha mandou calar Hugo Chavez por ter este chamado "fascista" ao anterior primeiro-ministro espanhol, José Maria Aznar, mesmo estando este beato ex-governante ausente do conclave que se realizou no Chile. Independentemente da pertinência ou justeza do impropério, o monarca Juan Carlos parece ter-se excedido no real mandamento ao esquecer que Espanha já não é um império colonial e Chavez não é seu submisso e venerando súbdito. Além disso, ao contrário de um presidente, um rei não é eleito e tem cargo vitalício, o que parece dar a este o caprichoso e arbitrário à vontade para ser tão grotesco, brutal e pouco polido como o excêntrico bolivariano. Juan Carlos podia ter obedecido à sua própria ordem e ter permanecido calado, deixando correr o debate político entre políticos - afinal, para o melhor e para o pior, eles são os representantes eleitos pelos povos -, limitando-se ao seu régio papel decorativo, de corta-fitas, de animador de revistas pink e de avô sem mãos a medir para tantos netos (incluindo já os que ainda hão-de ser gerados pelos reais úteros das parideiras princesas). A não ser que se candidate e concorra a eleições...
Valeu neste episódio significativo o plebeu primeiro-ministro espanhol, cuja reacção à intempestiva injúria de Chavez foi diplomaticamente irrepreensível e exemplar e digna de figurar entre os exemplos do que deve ser a ética política. Com efeito, José Rodriguez Zapatero disse o que deveria ter sido o seu monarca a dizer, respondendo: "Pode estar nos antípodas de uma posição ideológica, e não serei eu que estará perto das ideias de Aznar, mas foi eleito pelos espanhóis e exijo esse respeito". Ou seja, Zapatero soube defender com elevação e magistralmente a honra do seu país, sem mandar calar chefes de Estado.
Esta cena acessória ilustrou bem a diferença da superior qualidade democrática e argumentativa - que implica maiores exigências cívicas aos cidadãos eleitos - das repúblicas sobre as monarquias: o que um eleito diz poderá ter consequências na sua continuidade no cargo; já um rei está im(p)une a tais consequências, pois o seu atribuído estatuto adveio-lhe... de um parisiense bico de cegonha!

Diálogos imperfeitos - 5


"Ó Augusto, não me leves a mal, pá (eu continuarei a ser rei e daqui a uns anos até hei-de mandar calar outro general), mas por que não páras de mandar matar pessoas?"

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segunda-feira, novembro 12, 2007

Tooneladas de siso - 9º quilo

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Breves notas e diatribes (7)

1. Os cinco maiores bancos a operar em Portugal obtiveram lucros superiores a 2200 milhões de euros só nos primeiros meses deste ano (mais 13% que em período homólogo de 2006): foram cerca de 8 milhões de euros por dia (!), muito à custa das comissões cobradas aos clientes (subiram 11,8%). Com estes resultados, nem são precisos dados estatísticos da OCDE ou do INE para nos surpreendermos com o facto de Portugal ser o país da União Europeia que mais injustamente distribui a riqueza criada e onde mais aumenta o fosso entre os poucos ricos e a multidão de pobres.
Como pode o «engenheiro» Sócrates Pinto de Sousa querer importar modelos económicos - como a «flexigurança» (a última invenção bem sucedida do patronato) -, se o nível de vida português está tão próximo da média europeia como Portugal da Austrália?
A vergonha dos sucessivos (des)governos é inversamente proporcional às obscenidades económico-sociais (bancárias e outras) que as suas políticas promovem; e os números são inequívocos: no país de Camões e Salazar são precisos cada vez mais pobres para fazer um rico!


2. Querer reduzir o debate político à reedição de um estafado duelo na Assembleia da República entre Sócrates e Santana é a evidente e sórdida prova de como, por um lado, o futuro de Portugal continua comprometido e preso a um falso dilema; e, por outro, de como a comunicação social inflama o acessório e superficial e se consome no efémero espoletado pelo canibalismo das audiências. Mas isso já nem espanta, sobretudo se pensarmos que estes políticos de telegenia são produtos formatados por e para câmaras de televisão, ocas figuras fátuas cujos rostos ilusoriamente preenchem o vazio de ideias e de propostas.
Pena que, nestas democracias tecno-mediatizadas, os cinco minutos de fama de uns poucos interfiram tão negativamente com a vida inteira de anónimo sacrifício de quase todos...

sexta-feira, novembro 09, 2007

Humores # 16

Benfica
1. Já me disseram que toda a gente nasce benfiquista - e talvez seja verdade: isso explica o facto de os recém-nascidos chorarem tanto!
2. Pior que o 11 do Benfica só mesmo o 11 de Setembro...
Juristas
1. A diferença entre o «bom advogado» e o «melhor advogado» é que o «bom advogado» conhece a Lei e o «melhor advogado» conhece o juiz.
2. A diferença entre os juízes de 1ª instância e os da Relação é que os primeiros pensam que são Deus e os segundos já têm a certeza de O serem!
Pénis
1. Marido e mulher dividiam uma garrafa de whisky quando ele diz: "Aposto que não és capaz de dizer algo que me deixe alegre e triste ao mesmo tempo." Nem três segundos terão decorrido e já a mulher respondia: "A tua pila é maior que a do Carlos."
2. Tentando atrapalhar uma colega da empresa que o ajudava a configurar um computador, ele diz-lhe que a password que quer utilizar é «penis». Ela, impávida e serena, sem denotar o mínimo indício de rubor ou sorriso malicioso, introduz a password. Só depois é que não conteve o riso e desatou à gargalhada, quando no monitor do computador surgiu a resposta: "Password rejeitada: não tem tamanho suficiente".

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quinta-feira, novembro 08, 2007

Pôr os pontos nos is da Educação

De uma amiga recebi por mail uma carta aberta da autoria de um nosso colega, professor de Ciências Físico-Químicas de Ílhavo, que não tenho o prazer de conhecer. Dirige-se ao Presidente da República e procura alertá-lo para situações degradantes que se vivem actualmente nas escolas e decorrentes da aviltante ignorância e da miserável incompetência do Governo. Não resisto a divulgá-la aqui, pelo genuíno testemunho que representa e pela urgência que constitui a denúncia de um contexto educativo que não passa de uma farsa.
Carta aberta ao Senhor Presidente da República Portuguesa
Ílhavo, 22 de Outubro de 2007
Senhor Presidente da República Portuguesa
Excelência:
Disse V. Exa., no discurso do passado dia 5 de Outubro, que os professores precisavam de ser dignificados e eu ouso acrescentar: “Talvez V. Exa. não saiba bem quanto!”
1. Sou professor há mais de 36 anos e, no ano passado, tive o primeiro contacto com a maior mentira e o maior engano (não lhe chamo fraude porque talvez lhe falte a “má-fé”) do ensino em Portugal, que dá pelo nome de Cursos de Educação e Formação (CEF).

A mentira começa logo no facto de dois anos nestes cursos darem equivalência ao 9º ano, isto é, aldrabando a Matemática, dois é igual a três!
Um aluno pode faltar dez, vinte, trinta vezes a uma ou a várias disciplinas (mesmo estando na escola) mas, com aulas de remediação, de recuperação ou de compensação (chamem-lhe o que quiserem, mas serão sempre sucedâneos de aulas e nunca aulas verdadeiras como as outras) fica sem faltas. Pode ter cinco, dez ou quinze faltas disciplinares, pode inclusivé ter sido suspenso que, no fim do ano, fica sem faltas, fica puro e imaculado como se nascesse nesse momento.
Qual é a mensagem que o aluno retira deste procedimento? Que pode fazer tudo o que lhe apetecer que, no final da ano, desce sobre ele uma luz divina que o purifica, ao contrário do que na vida acontece. Como se vê claramente, não pode haver melhor incentivo à irresponsabilidade do que este.
2. Actualmente sinto vergonha de ser professor porque muitos alunos podem este ano encontrar-me na rua e dizerem: ”Lá vai o palerma que se fartou de me dizer para me portar bem, que me dizia que podia reprovar por faltas e, afinal, não me aconteceu nada disso. Grande estúpido!”
3. É muito fácil falar de alunos problemáticos a partir dos gabinetes, mas a distância que vai deles até às salas de aula é abissal. E é-o porque, quando os responsáveis aparecem numa escola, levam atrás de si (ou à sua frente, tanto faz) um magote de televisões e de jornais que se atropelam uns aos outros. Deviam era aparecer nas escolas sem avisar, sem jornalistas, trazer o seu carro particular e não terem lugar para estacionar como acontece na minha escola.
Quando aparecem, fazem-no com crianças escolhidas e pagas por uma empresa de casting para ficarem bonitos (as crianças e os governantes) na televisão. Os nossos alunos não são recrutados dessa maneira, não são louros, não têm caracóis no cabelo nem vestem roupa de marca. Os nossos alunos entram na sala de aula aos berros e aos encontrões, trazem vestidas camisolas interiores cavadas, cheiram a suor e a outras coisas e têm os dentes em mísero estado.

Os nossos alunos estão em estado bruto, estão tal e qual a Natureza os fez, cresceram como silvas que nunca viram uma tesoura de poda. Apesar de terem 15/16 anos, parece que nunca conviveram com gente civilizada. Não fazem distinção entre o recreio e o interior da sala de aula, onde entram de boné na cabeça, headphones nos ouvidos, continuando as conversas que traziam do recreio.
Os nossos alunos entram na sala, sentam-se na cadeira, abrem as pernas, deixam-se escorregar pela cadeira abaixo e não trazem nem esferográfica nem uma folha de papel onde possam escrever seja o que for. Quando lhes digo para se sentarem direitos, para se desencostarem da parede, para não se virarem para trás, olham-me de soslaio como que a dizer “Olha-me este!” e, passados alguns segundos, estão com as mesmas atitudes.

4. Eu não quero alunos perfeitos. Eu quero apenas alunos normais! Alunos que, ao serem repreendidos, não contradigam o que eu disse e que, ao serem novamente chamados à razão, não voltem a responder querendo ter a última palavra e desafiando a minha autoridade, não me respeitando nem como pessoa mais velha nem como professor. Se nunca tive de aturar faltas de educação aos meus filhos, por que é que hei-de aturar faltas de educação aos filhos dos outros? O Estado paga-me para ensinar os alunos, para os educar e ajudar a crescer; não me paga para os aturar! Quem vai conseguir dar aulas a alunos destes até aos 65 anos de idade?
Actualmente, só vai para professor quem não está no seu juízo perfeito mas, se o estiver, em cinco anos (ou cinco meses bastarão?...) os alunos se encarregarão de lhe arruinar completamente a sanidade mental.
Eu quero alunos que não falem todos ao mesmo tempo sobre coisas que não têm nada a ver com as aulas e, quando peço a um que se cale, ele não me responda: “Por que é que me mandou calar a mim? Não vê os outros também a falar?” Eu quero alunos que não façam comentários despropositados de modo a que os outros se riam e respondam ao que eles disseram, ateando o rastilho da balbúrdia em que ninguém se entende. Eu quero alunos que não me obriguem a repetir em todas as aulas: “Entram, sentam-se e calam-se!” Eu quero alunos que não usem artes de ventríloquo para assobiar, cantar, grunhir, mugir, roncar e emitir outros sons. É claro que, se eu não quisesse dar mais aula, bastaria perguntar quem tinha sido e não sairia mais dali, pois ninguém assumiria a responsabilidade.
Eu quero alunos que não desconheçam a existência de expressões como “obrigado”, “por favor” e “desculpe” e que as usem sempre que o seu emprego se justifique. Eu quero alunos que, ao serem chamados a participar na aula, não me olhem com enfado dizendo interiormente: “Mas o que é que este quer agora?” e demorem uma eternidade a disponibilizar-se para a tarefa, como se me estivessem a fazer um grande favor. Que fique bem claro que os alunos não me fazem favor nenhum em estarem na aula e a portarem-se bem. Eu quero alunos que não estejam constantemente a receber e a enviar mensagens por telemóvel e a recusarem-se a entregar-mo quando lho peço para terminar esse contacto com o exterior, pois esse aluno “não está na sala”, está com a cabeça em outros mundos.
Eu sou um trabalhador como outro qualquer e, como tal, exijo condições de trabalho! Ora, como é que eu posso construir uma frase coerente, como é que eu posso escolher as palavras certas para ser claro e convincente, se vejo um aluno a balouçar-se na cadeira, outro virado para trás a rir-se, outro a mexer no telemóvel e outro com a cabeça pousada na mesa a querer dormir?
Quando as aulas são apoiadas por fichas de trabalho, gostaria que os alunos, ao sair da sala, não as amarrotassem e deitassem no cesto do lixo, mesmo à minha frente, ou não as deixassem “esquecidas” em cima da mesa. Nos últimos cinco minutos de uma aula disse aos alunos que se aproximassem da secretária, pois iria fazer uma experiência ilustrando o que tinha sido explicado e eles puseram os bonés na cabeça, as mochilas às costas e encaminharam-se todos em grande conversa para a porta da sala à espera que tocasse. Disse-lhes: “Meus meninos, a aula ainda não acabou! Cheguem-se aqui para verem a experiência!” mas nenhum deles se moveu um milímetro!

Como é possível, com alunos destes, criar a empatia necessária para uma aula bem sucedida?
É por estas e por outras que eu NÃO ADMITO A NINGUÉM, RIGOROSAMENTE A NINGUÉM, que ouse pensar, insinuar ou dizer que, se os meus alunos não aprendem, a culpa é minha!
5. No ano passado tive uma turma do 10º ano dum curso profissional em que um aluno, para resolver um problema no quadro, tinha de multiplicar 0,5 por 2 e este virou-se para os colegas a perguntar quem tinha uma máquina de calcular!!! No mesmo dia e na mesma turma, outro aluno também pediu uma máquina de calcular para dividir 25,6 por 1. Estes alunos podem não saber efectuar estas operações sem máquina e talvez tenham esse direito. O que não se pode é dizer que são alunos de uma turma do 10º ano!!!
Com este tipo de qualificação dada aos alunos, não me admira que, daqui a dois ou três anos, estejamos à frente de todos os países europeus e do resto do mundo. Talvez estejamos, só que os alunos continuarão a ser brutos, burros, ignorantes e desqualificados mas com um diploma!

6. São estes os alunos que, ao regressarem à escola, tanto orgulho dão ao Governo. Só que ninguém diz que os Cursos de Educação e Formação são enormes ecopontos (não sejamos hipócritas nem tenhamos medo das palavras) onde desaguam os alunos das mais diversas proveniências e com histórias de vida escolar e familiar de arrepiar, desde várias repetências e inúmeras faltas disciplinares até famílias irresponsáveis.
Para os que têm traumas, doenças, carências, limitações e dificuldades várias há médicos, psicólogos, assistentes sociais e outros técnicos, em quantidade suficiente, para os ajudar e complementar o trabalho dos professores?
Há alunos que têm o sublime descaramento de dizer que não andam na escola para estudar, mas para “tirar o 9º ano”. Outros há que, simplesmente, não sabem o que andam a fazer na escola... E, por último, existem os que se passeiam na escola só para boicotar as aulas e para infernizar a vida aos professores. Quem é que consegue ensinar seja o que for a alunos destes? E por que é que eu tenho de os aturar numa sala de aula durante períodos de noventa e de quarenta e cinco minutos por semana, durante um ano lectivo? A troco de quê? Da gratidão da sociedade e do reconhecimento e do apreço do Ministério não é, de certeza absoluta!
7. Eu desafio seja quem for do Ministério da Educação (ou de outra área da sociedade) a enfrentar (o verbo é mesmo esse, “enfrentar”, já que de uma luta se trata…), durante uma semana apenas, uma turma destas sozinho, sem jornalistas nem guarda-costas, e cumprir um horário de professor tentando ensinar um assunto qualquer de uma unidade didáctica do programa escolar. Eu quero saber se, ao fim dessa semana, esse ilustre voluntário ainda estará com vontade de continuar. E não me digam que isto é demagogia, porque demagogia é falar das coisas sem as conhecer e a realidade escolar está numa sala de aula com alunos de carne, osso e odores e não num gabinete onde esses alunos são números num mapa de estatística e eu sei perfeitamente que o que o Governo quer são números para esse mapa, quer os alunos saibam estar sentados numa cadeira ou não (saber ler e explicar o que leram seria pedir demasiado, pois esse conhecimento justificaria equivalência, não ao 9º ano, mas a um bacharelato…).
É preciso que o Ministério diga aos alunos que a aprendizagem exige esforço, que aprender custa, que aprender “dói”! É preciso dizer aos alunos que não basta andar na escola de telemóvel na mão para memorizar conhecimentos, aprender técnicas e adoptar posturas e comportamentos socialmente correctos.
Se V.Exa. achar que eu sou pessimista e que estou a perder a sensibilidade por estar em contacto diário com este tipo de jovens, pergunte a opinião de outros professores, indague junto das escolas, mande alguém saber. Mas tenha cuidado porque estes cursos são uma mentira…Permita-me discordar de V. Exa., mas dizer que os professores têm de ser dignificados é pouco, muito pouco mesmo…
Atenciosamente,
Domingos Freire Cardoso
Professor de Ciências Físico-Químicas

Legendar o silêncio icónico (70)

A cara e a coroa do obscurantismo contemporâneo!
(Sorrirão eles do papel social das mulheres ou do Céu que os espera?)

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terça-feira, novembro 06, 2007

Em ninho de cucos / 11

Eis mais um exemplo de como a fé (ou crendice?), neste caso católica, pode ser prejudicial à saúde. Já nem o sacrifício da romagem nem a devoção - e certamente nem a esmolinha depositada nos incontáveis ofertórios espalhados pelo FátimaShopping - conferem inequívoca ou instantânea aquisição da imunidade protectora dada pela virgem e petrificada senhora. Mas há séniores estudantes sobreviventes do acidente, pelo que bem se poderá dizer: "graças a Deus!" - afinal, é grande a sua misericórdia... 13 de Maio, 13 de Outubro, 13 mortos - curiosa contabilidade a dos desígnios do altíssimo!
Há uns dois anos aconteceu o mesmo a uma dezena de idosos romeiros viseenses; agora, foi com os albicastrenses; tenho uma amiga cuja mãe morreu atropelada quando ia em peregrinação a pé até ao fantasmódromo de Ourém; fora os casos anónimos e não mediatizados - ir lá é mesmo perigoso, não só à saúde financeira e mental, como também à saúde física. Mas já todos conhecem o ditado: «Fia-te na virgem e não corras...»

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segunda-feira, novembro 05, 2007

Dar aulas às cadeiras

O Estatuto do Aluno recentemente aprovado no Parlamento, e as caricatas peripécias de desmentidos, recuos e omissões que comportou, são a enésima prova da desorientação política e da dissonância cognitiva com a realidade que, em matéria de educação e ensino, caracteriza o trio de ignorantes que lamentavelmente tutela a praxis escolar deste país adiado. Entre outras imbecilidades, não dar relevância às faltas dos alunos é o inédito delírio e a última loucura irresponsável que nos coube em sorte e a demonstração de que a qualidade do ensino público é uma preocupação menor da dona Lurdes e do seu ministerial par de jarras.
Ao desvalorizar a assiduidade discente, desvaloriza-se o grau de exigência, o rigor sequencial dos conteúdos programáticos e a natureza essencial da avaliação contínua; desvaloriza-se a importância socializadora e fulcral do contexto de sala de aula e do saber-ser; contradiz-se a necessidade e obrigatoriedade das aulas de substituição (uma anedota entre anedotas), bem como se contraria o alarmismo em torno da neófita exigência de o Director de Turma ter de informar os encarregados de educação à primeira falta injustificada (uma no cravo e outra na ferradura, como convém!); penaliza-se o aluno assíduo e cumpridor e desculpabiliza-se a preguiça, e o incompetente absentismo dos faltosos; sobrecarrega-se ainda mais o trabalho dos professores com esta nova categoria de alunos e os novos exames que é necessário elaborar e a que estes protegidos com o patrocínio «lurdesiano» terão de se submeter (será possível conceber que um aluno que falta frequentemente seja bem sucedido num exame sério?) e associa-se a realização de um exame ao rol de castigos com que se pode penalizar um aluno, desvirtuando desse modo o vínculo nobre que um teste devia ter com o saber...
E é assim que os saberes vão sendo irresponsavelmente relegados para plano secundário, quando deviam ser o elemento privilegiado das políticas educativas. Com a dona Lurdes e a horda de «pedabobos» e congéneres teóricos das «ciências (?) da educação» que pervertem e distorcem a nobreza dos princípios educativos e formativos e que pululam pelos corredores do Ministério com o beneplácito governativo, há um dado cada vez mais incontornável: se, dantes, alguns alunos pertencentes a classes sociais desfavorecidas, como eu, podiam aspirar à mobilidade social ascendente (tornarem-se médicos, arquitectos, professores, engenheiros, advogados, etc.), hoje, os alunos desses estratos não passarão de analfabetos funcionais ou ignorantes diplomados, facilmente preteridos no mercado de trabalho em favor dos demais (consulte-se os rankings) - e ainda falam hipocritamente de igualdade de oportunidades...
No limite, passa agora a ser possível ter aproveitamento sem ir às aulas e os professores passarem a dar as aulas às cadeiras (únicas entidades que poderão estar junto às mesas). Grão a grão, a Lurdes desmantela a pública Educação!

sexta-feira, novembro 02, 2007

Legendar o silêncio icónico (69)

Os cónegos criminosos de ontem são os "mártires" de hoje!
(Para o Papa, há que beatificá-los aos 500 de cada vez...)

A arte do crime

Guillermo Vargas, conhecido artisticamente com o bíblico epíteto de «Habacuc», foi escolhido para representar o seu país, a Costa Rica, na Bienal Centroamericana Honduras 2008. Mas por que razão falo deste homem? É que este costarriquenho participou numa exposição na Nicarágua, em Agosto, na qual «exibiu» como uma das suas obras de arte uma singela instalação em que prendeu a uma corda a um canto da sala um cão de rua, faminto, sedento e em deplorável estado de saúde, que havia recolhido de um bairro pobre de Manágua por onde deambulava. O desafortunado animal acabou mesmo por morrer em plena sala de exposições, por inanição e falta de cuidados veterinários, no dia seguinte ao da inauguração.
Apesar dos apelos dos visitantes para libertar o cão, Vargas recusou-se a fazê-lo, com o argumento de que se tratava de uma homenagem a uma mulher nicaraguense morta em consequência de um ataque de um rotweiller. E, como se tudo isto não bastasse e não fosse suficiente prova de uma gratuita e cruel ausência de escrúpulos, o título da amostra estava grafado numa parede com uma colagem feita à base de... comida canina!
Entretanto, corre na net uma petição contra este suposto artista participar na Bienal de 2008.
Desconheço o talento artístico deste senhor, cujo comportamento é mais o de um criminoso do que o de um artista, qual arte do crime num crime sem arte: não ocorrerá aos «guillermovargas» deste mundo denunciar o nazismo, acorrentando um judeu moribundo? Ou censurar os eleitores de Bush, torturando um inocente iraquiano?
Guillermo Vargas é um cobarde, servindo-se da fraqueza alheia e dos elos mais fracos para as suas torpes reivindicações. Por mim, reconheço mais dignidade àquele cão morto e desgraçado pelos meandros da vida, do que ao sapiens vivo que fala castelhano e que instrumentaliza a arte para os vis fins da demência que o perturba!