Em recente tertúlia com amigos, à volta de uma mesa que se ia enchendo de copos de imperial e cascas de alcagoitas, em aprazível esplanada resguardada em sombra da inclemência solar de um cálido fim de tarde, participei numa daquelas conversas vadias em que se abordam os mais díspares assuntos numa sequência pouco linear, em que um tema puxa outro, ao ponto de se começar por falar dos incêndios florestais e a morte de bombeiros, e se acaba numa discussão acerca das virtudes do ar condicionado nos automóveis e os seus efeitos nas vias respiratórias. Pelo meio, ainda se falou no futuro da selecção, no preço dos imóveis no Porto e arredores, da discreta demissão/substituição de Freitas nos Negócios Estrangeiros, da camada de ozono e da utilidade dos sindicatos portugueses. Não, nem Marcelo Rebelo de Sousa nem Miguel Sousa Tavares estiveram presentes! Enfim, muitos dedos de conversa e outras tantas imperiais para lubrificar a palavra na aridez sedenta da garganta.
Ora, o tema que suscitou maior discussão foi o da utilidade dos sindicatos, tendo eu sido acusado de incoerência por ser tão crítico dos governos e não ser sindicalizado; mais: os sindicatos são também alvo das minhas heréticas diatribes. Assim, haveria inconsistência da minha parte, pois muito me queixo e pouco faço para alterar o curso dos acontecimentos que censuro (nunca deram tanta importância à minha insignificância!). Depois da contra-argumentação, creio lá ter conseguido defender-me e conseguir a absolvição de tão injusta acusação.
Esta circunstância inspirou-me na escrita deste postal. Eis alguns dos argumentos que invoquei: dados da Comissão Europeia indicam que, em 1997, só 25% dos portugueses activos estavam sindicalizados; inversamente, nos países nórdicos, a taxa de trabalhadores sindicalizados oscilava entre 75 e 82% e onde, curiosamente, as greves são raras (e não frequentes e inócuas como por cá) e há facilidade em obter acordos e pactos sociais. Por conseguinte, questiono se o problema laboral, nas suas variadas componentes e dimensões, é dos trabalhadores ou dos sindicatos...
Penso que, em Portugal, uma das razões que concorrem para a fraca adesão sindical é a proximidade suspeita - para não dizer promiscuidade - com os directórios partidários: veja-se o alinhamento da CGTP com as prioridades do PCP, ou o da UGT com as do PS e PSD. Assiste-se até a situações de activismo e de intervenção sindical extemporâneas, em áreas que, concorde-se ou não, transcendem o mero âmbito laboral (como o aborto, a regionalização ou a guerra no Iraque). Portanto, os sindicatos portugueses não são independentes dos partidos e chegam mesmo a ser cavalos de Tróia destes, instrumentalizados que são em detrimento muitas vezes dos próprios trabalhadores.
Outra razão que contribui para o divórcio crescente com o movimento sindical, radica na incapacidade de estas organizações de (presumível e suposta) defesa do mundo do trabalho não terem sabido congregar em torno de si processos reivindicativos adaptados às contingências inéditas do actual modelo laboral, fortemente caracterizado pelo incremento da desregulação entre trabalho e capital, não respondendo convenientemente aos propósitos e expectativas da prole assalariada, seja a da função pública ou a do sector privado. Paralelamente, fenómenos sociais novos não têm tido o acompanhamento sindical adequado, como são os casos da precariedade, da flexibilidade e da mobilidade laborais, extensíveis à imigração e à contratualização em serviços nos shoppings.
A julgar pela baixa capacidade de mobilização dos trabalhadores portugueses, os sindicatos vão continuar a perder legitimidade representativa que nem as manifestações de rua, os panfletos ou as palavras de ordem disfarçarão. Oxalá eu esteja enganado, porque, por extensão, são os próprios trabalhadores que vão perder, confrontados com uma espada de Dâmocles que paira entre os seus endividamentos familiares e as suas fontes de subsistência, reféns de uma impotência causada pelo voraz e vicioso sistema económico vigente e também por em Portugal não haver governantes, dirigentes sindicais, administrações nem patrões com a consciência... nórdica!
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