quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Mais Óscares

A 79ª cerimónia de entrega dos Óscares foi desvirtuada pelo efeito de compensação a Martin Scorsese, recompensando-o de anteriores injustiças cometidas pela Academia de Hollywood. É que The Departed - Entre Inimigos é um dos seus trabalhos menores, longe do fulgor de filmes como Touro Enraivecido ou Tudo Bons Rapazes, mas beneficiou de um contexto de reputação favorável ao cineasta nova-iorquino. Ou seja, em rigor, Scorsese recebeu um Óscar honorário em dose dupla, num gesto de reconciliação da Academia com a majestática sombra de prestígio da sua obra; foi uma espécie de 2 em 1.
Prejudicados com essa opção foram Alejandro Iñarritú e Clint Eastwood e os seus respectivos filmes, Babel e Cartas de Iwo Jima. Não vi este último e, de entre os outros dois, Babel é um filme bem mais interessante que o realizado por Scorsese e, pelo menos, mereceria o Óscar de melhor filme no confronto com The Departed. Mas já se sabe que este prémio cinematográfico padece de vicissitudes várias que transcendem a pura avaliação estética das produções da sétima arte, ficando mais uma vez evidente a prevalecente preferência por filmes de estúdio dentro do sistema industrial de Hollywood.
De resto, tudo não passou invariavelmente de um espectáculo televisivo e de um desfile de vaidades que sustenta o «glamour» de um promocional star sistem que me faz pensar que esta gente é mais interessante em 35 mm do que em carne e osso!

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Legendar o silêncio icónico (32)

Andar esfarrapada com tamanho património?
(Há tantas formas de ostentar a riqueza!)

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terça-feira, fevereiro 27, 2007

Tooneladas de siso - 4º quilo

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Sócrates em tapete rolante

A meio do mandato e em mais uma recorrente sessão mediática de pura propaganda política, José Sócrates e o seu ministro da Justiça proclamaram ontem triunfalmente que, em 2006, pela primeira vez em dez anos, "o número de processos cíveis findos (492.834) é superior ao número de entrados (472.639)" e que houve um decréscimo de pendências, relativamente a 2005, de... 0,4%! O ambiente efusivo contrasta com as parcas migalhas do banquete e vale que o ridículo não mata: dois anos já no leme da governação para fazer tão pouco e sem explicar clara e inequivocamente o expediente estatístico utilizado (por exemplo, os valores apresentados incluem os dos processos que findaram há anos, mas cujos verbetes só recentemente foram preenchidos? Considerou-se a descriminalização dos cheques e a renúncia de cobrança de custas com montante inferior a 400 euros?)...
Por conseguinte, os números divulgados pelo Governo não são, numa estimativa rigorosa, séria e independente, superiores aos apresentados, donde que, em boa verdade, o que este relatório traduz é que as medidas tomadas pelo Executivo para descongestionar os tribunais são, afinal, quase ineficazes e praticamente inócuas, à imagem e semelhança do fogo fátuo de (des)medidas noutras áreas.
Cantar tão ruidosamente vitória por exíguas vitórias de Pirro, ilustra à saciedade como Sócrates corre, corre, corre e, qual tapete rolante, não sai do mesmo sítio, e com ele Portugal. Mas o importante para os portugueses parece ser suar com os passos dados e não com a distância percorrida!

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segunda-feira, fevereiro 26, 2007

A vida ainda negra de Jackson

O caso conta-se em breves linhas. Michael Jackson, ídolo da pop music nos anos 80 e entretanto caído em desgraça, continua a ter a vida negra (em 'claro' contraste com o seu desejo de ser branco!): depois de sequelas decorrentes de um estranho casamento com a herdeira de Elvis, culminado em previsível divórcio, e de ter sido acusado de pedofilia, Jackson é agora responsabilizado pela morte de uma septuagenária hospitalizada no centro médico de Marian, na Califórnia, em Fevereiro de 2005.
Segundo os filhos da malograda idosa, esta foi negligente e inoportunamente transferida de quarto, acabando por falecer horas mais tarde, procedimento esse que terá provocado demora na prestação dos cuidados médicos devidos ao ataque cardíaco que tivera na manhã desse dia. Ora, a agitação foi motivada pelo aparato da chegada do cantor ao hospital, com sintomas de gripe, e todo o cortejo de seguranças e guarda-costas a ocuparem os corredores e a necessidade de reformulação logística do estabelecimento.
Este será um exemplo flagrante que atesta uma grande vantagem de ser famoso e rico. Mas, no caso de Jackson, surpreende que na sua Disneylândia privada, a quinta de Neverland, não haja uma qualquer divisão clínica que impedisse que os outros o estorvassem na cura das suas maleitas... Agora que parece ter-se convertido ao islamismo, que Alá o proteja. E faz agora sentido a pergunta que vociferava e o celebrizou: «Who's bad?»

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Complexo de Pinóquio (9) - o bêbedo

"Olha que eu sei perfeitamente o que estou a dizer!"

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sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Primum vivere deinde philosophare - 35

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Iniquidade dos dogmas

Porque me considero um determinista moderado, defendo o livre-arbítrio como uma marca existencial do Homem, apesar de reconhecer simultaneamente que as nossas acções são causadas por constrangimentos físico-biológicos, sociais e psicológicos - ninguém existe sem o corpo que tem (e que não escolheu) e sem estar inserido num meio social - que irão determinar em grande medida o perfil psicológico e o quadro subjectivo de valores, referências, comportamentos e preferências individuais.
Por outro lado, num mundo globalizado não é preciso viajar muito para se ter consciência da diversidade de padrões culturais existente, o que conduz inevitavelmente ao confronto de práticas sociais tão díspares, que nos levam a perceber que as normas que interiorizámos e pelas quais nos regemos não são universais. Por conseguinte, podemos sempre depararmo-nos com a necessidade de reequacionar a perspectivação que temos do que pensamos, sentimos, fazemos ou agimos, revendo e questionando as nossas convicções (ou as dos outros) - o individual e o social são processos dinâmicos em permanente construção, como tal sujeitos à mudança.
Não obstante esta percepção, subsistem teimosamente ideias obsoletas e retrógradas veiculadas por instituições não menos anacrónicas e ancoradas em preceitos e pressupostos ideológicos tão antigos como o medo da morte e enraizados em falácias ad ignorantiam. É o caso de tantas crenças e credos de pendor místico-religioso, profundamente homofóbicos e misóginos.
Sabendo hoje que a homossexualidade é uma orientação ou inclinação que não é opcional e escapa ao controlo volitivo do indivíduo (e à semelhança de muitas espécies animais), como aceitar tais preconceitos? Ser gay ou lésbica é pecado? Saberão as igrejas mais das leis da atracção do que as ciências especializadas? E como legitimar racionalmente a discriminação, por exemplo, de género, que subordina a figura e o papel femininos a um estatuto de inferioridade? Poderá hoje uma sociedade dar ainda cobertura à intransigência misógina e homofóbica de influentes credos religiosos?
Embora estejamos já no século XXI, continuamos a assistir a modelos ético-morais injustificada e dogmaticamente desadaptados das novas realidades sociais, culturais e dos desenvolvimentos cognitivos entretanto conseguidos. As normas sociais vigentes nas sociedades contemporâneas deviam ter o fundamento racional que lhes confere a razoabilidade de sentido e de inteligibilidade, mas que parecem falhar em tantos pontos do mundo.
Oxalá o resultado do recente referendo à IVG tenha sido mais um passo importante (depois da retirada de símbolos religiosos das salas de aula) que desautorize a vetustez senil de instituições como, em Portugal, a Concordata. Valha-nos Deus se as coisas não mudassem!

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quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Primum vivere deinde philosophare - 34

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Rituais

Acabou mais um Carnaval, terminando mais um sólido pretexto para exorcizar tentações de desmesura comportamental. Por cá, a catarse colectiva da plebe consumiu-se nos acostumados sítios (Ovar, Mealhada, Figueira da Foz, Torres Vedras, Sesimbra, Loulé são talvez os mais afamados) e nas confrangedoras doses habituais, tributárias de um indigente mimetismo dos cortejos brasileiros. Nem o clima das terras de Vera Cruz autoriza imitações...
Mas, bem vistas as coisas, o corso carnavalesco dura o ano inteiro e nem são precisas outras máscaras para além das que se trazem naturalmente e em permanência estampadas no rosto. Os protagonistas do entrudo nacional são diversos e podem encontrar-se com facilidade na política (deputados, governantes, directores-gerais, autarcas, etc., incompetentes, ridículos e suspeitos de corrupção e outras obscuras conivências), no desporto (dirigentes, atletas, árbitros, empresários, etc., perversos e carentes de escrúpulos), na economia (gestores, administradores, mediadores, patrões, etc., grotescos de ambição e riqueza) ou na sociedade civil (contribuintes faltosos, condutores irresponsáveis, encarregados de educação néscios, eleitores acríticos e desinformados, cidadãos ciosos das benesses do factor C, etc.). O desfile prolonga-se pelo ano todo em dissimulado cortejo...
Aos excessos do Carnaval segue-se a solene morbidez e taciturnidade da Quaresma cristã, com os seus jejuns de contenção dietética e alheamento existencial que suspiram por mí(s)ticas ressurreições que procuram iludir a contingente inevitabilidade da morte. Como se a seguir a uma dispepsia passássemos a padecer de uma asfixiante dispneia! O que seria do Homem sem o ciclo de rituais com que preenche o calendário e a vida?

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quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Democracia autofágica

Os regimes democráticos dão azo a opções políticas em que a defesa dos interesses público e nacional se confundem com os interesses pessoal e partidário, numa incongruente amálgama de comportamentos dissonantes que chegam a pôr em causa a credibilidade da própria democracia e a maturidade cívica dos eleitores.
Penando agora na oposição, o PSD tem agitado as águas em sentidos contrários: enquanto a Câmara de Lisboa subsiste numa irresolúvel ingovernabilidade, com Carmona Rodrigues cada vez mais só, sem maioria e insistindo teimosamente em arrastar-se penosamente neste desastroso mandato, já Alberto João Jardim demite-se da presidência do Governo Regional da Madeira quando dispõe de uma maioria absoluta na Assembleia Regional!
No primeiro caso, não só o inábil edil não se demite quando devia, como, à excepção do Bloco de Esquerda, os partidos da oposição não pedem a sua demissão, num puro calculismo estratégico que radica na inconveniência de eleições numa conjuntura que dificilmente poderia ser mais desfavorável (uma Câmara falida e um mandato de apenas dois anos para quem ganhar eventuais eleições intercalares). Pelo contrário, as eleições antecipadas na Madeira vêm numa altura de grande contestação ao governo de Sócrates, o que vai permitir ao PSD-M capitalizar votos de descontentamento num universo de eleitores já de si hostil a alternativas partidárias. Com isso, Jardim demite-se para se recandidatar (!), ganhar nova maioria absoluta e prolongar o seu poder até, pelo menos, 2011, ao mesmo tempo que plebiscita o desagrado e a censura do povo madeirense face à nova Lei das Finanças Regionais. O paradoxal é que tal Lei não vai certamente mudar, ficando a bofetada de luva branca ao Primeiro-Ministro e ao Presidente da República como único efeito prático desta decisão de ir a votos.
Em suma, a democracia é um regime que, entre outras vicissitudes, potencia e legitima o confronto político como jogo de interesses e conveniências tantas vezes desfasados da res publica, o que não deixa de suscitar reservas e autoriza mesmo a que se pense que a democarcia é autofágica, devorando-se com as próprias regras que institui e lhe dão vida. Afinal de contas, a democracia não é um sistema bom, mas somente o menos mau dos que as sociedades humanas produziram!

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sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Um crime perfeito?

Faz amanhã um ano que foi raptada uma bebé, com apenas três dias, do hospital de Penafiel. A investigação da PJ do Porto tem sido infrutífera, não obtendo ainda resultados relevantes. O que se sabe é que a presumível suspeita tem entre 35 e 40 anos, compleição física e rosto fortes, mede cerca de 1,65 a 1,70 m de altura e à data usava cabelo abaixo dos ombros com madeixas de cor clara.
O rapto e o insucesso policial na obtenção de pistas são deveras preocupantes e questionam a segurança no interior dos estabelecimentos nacionais de saúde. Por outro lado, que responsabilidades foram entretanto apuradas? Alguém foi punido por negligência? O que aconteceu à criança: está viva ou morta?
Deve ser indescritível o sentimento e sofrimento de pais biológicos que se vêem confrontados com uma tal circunstância... Será que esta criminosa anónima e incógnita suspeita provou, com a sua reprovável acção, que o crime perfeito afinal existe?

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Legendar o silêncio icónico (31)

Há pessoas ilustres no Carnaval duriense deste ano...
(Não é pecado nem há perigo de excomunhão!)

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quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Novo troféu

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Complexo de Pinóquio (8) - o aniversariante

"Uma prenda? Não era preciso... A tua presença é o mais importante!"

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Sistema (des)educativo

Um relatório apresentado ontem sobre o bem-estar das crianças nos países da OCDE, da autoria do Centro de Investigação Innocenti da UNICEF, revela que Portugal está em 21º e último lugar no que se refere ao nível de «Educação e Bem-Estar» (contemplando o desempenho médio nos testes internacionais de literacia, a percentagem de indivíduos entre os 15 e os 19 anos na escola e no mercado de trabalho e as expectativas quanto a trabalhos pouco qualificados).
Esta constatação contraria a ideia do sucesso educativo que os sucessivos inquilinos do Ministério da Educação costumam propalar, enganado insidiosamente a opinião pública. Quem, como eu, desenvolve a sua actividade profissional na escola, rapidamente vê desmentida a qualidade do sistema de ensino português, que é preocupantemente baixa. E isto apesar do dilúvio de medidas políticas que, de tão irrealistas e incompetentes, vão afogando a dignidade e seriedade de uma efectiva qualidade do ensino. Senão, vejamos:
Tomemos o exemplo de uma turma do 7º ano (início do 3º ciclo do ensino básico e integrando a escolaridade obrigatória): estes alunos contam no currículo as disciplinas de Língua Portuguesa, História, Língua Estrangeira I, Língua Estrangeira II, Matemática, Ciências Naturais, Físico-Química, Geografia, Educação Física, Educação Visual, Educação Visual e Tecnológica, Estudo Acompanhado, Área de Projecto, Formação Cívica (e, facultativamente, Educação Moral e Religiosa). Ou seja, são 15 as disciplinas, que ocupam 36 horas semanais o horário dos alunos. Além disso, a escola tem de integrar ainda alunos com diferentes tipologias e graus de deficiência, com diversas «Necessidades Educativas de Carácter Prolongado» e, na maior parte dos casos, os professores não têm formação para isso (eu próprio tive que me 'desenrascar' com alunos invisuais e surdos, sem nunca me ter sido dada preparação adequada para esse efeito). Simultaneamente, há os outros alunos com grandes dificuldades de aprendizagem e que, surpreendentemente, têm crescido em número, bem como os discentes que são oriundos de outros países europeus e asiáticos, que nem sequer falam português.
A tutela impõe às escolas o dever de criar outras opções e estratégias para superar dificuldades dos alunos, alimentando a burocrática ditadura dos papéis: são «currículos alternativos», «percursos escolares próprios», «Cursos de Educação e Formação» e trapalhadas afins que servem para pressionar os professores a aprovar os alunos...
Mas há mais: a escola tem ainda o dever de sensibilizar e formar os alunos em domínios tão díspares como a Educação Sexual, a Prevenção Rodoviária, a Promoção da Saúde e Higiene, de boas práticas alimentares, a Prevenção Ecológica, a Prevenção da Toxicodependência, etc., quase dando a entender que a família parece ter deixado de ser um importante e privilegiado agente de socialização - será que a maioria dos alunos são órfãos?
No meio de tudo isto, e perante os baixos índices de aquisição cognitiva que os alunos efectivamente revelam, as medidas políticas têm subjacente o pressuposto de que a culpa é dos professores, cambada de incompetentes e faltosos que não merecem o que ganham nas poucas horas que trabalham e atendendo às muitas férias de que usufruem. Com isto se manipula a opinião pública, com a actual equipa ministerial à cabeça deste exercício de desonestidade política e cívica. Nem os fenómenos recrudescentes de violência escolar (as agressões diárias a professores por parte de alunos e pais e o bullying entre alunos - até já há uma linha telefónica para os docentes desabafarem e exorcizarem os seus traumas e medos!) demove os ignaros governantes dos constantes disparates e erros de diagnóstico com que vão mutilando o sistema de ensino.
Assiste-se hoje ao cúmulo de os professores terem que exigir aos alunos que tragam o material necessário aos trabalhos lectivos, solicitando-lhes repetidamente que estejam calados, virados para a frente e atentos na sala de aula, aturando os desmandos e a má-criação que trazem dos seus lares...
E face aos resultados negativos apresentados por credíveis entidades internacionais, o que se verifica é uma total impunidade política dos que são, real, objectiva e inequivocamente, os responsáveis pelo lastimável estado de coisas. Estes inquilinos da 5 de Outubro, findo o mandato que lhes coube, jamais serão incomodados pelo muito de mau que infligiram à Educação em Portugal. Mas a culpa é dos professores, que no tempo próprio não souberam chumbar devidamente esta gente!

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quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Negócio com namorados

Temerosas convenções hagiológicas dedicam cada um dos dias do ano a, pelo menos, um santo ou santa particular, como forma de revestir a cronologia com os ditames da fé demonstrada por egrégios antepassados do panteão cristão. No fundo, é uma estratégia das ortodoxias eclesiásticas veicularem a manifestação do sagrado no profano, mediante a instituição de dogmas e preceitos canónicos vários que mantenham acesa em permanência a chama espiritual da fé.
Ora, hoje, dia 14 de Fevereiro, é dia de São Valentim e, inspirados na vida deste paradigmático mártir do amor romântico, convencionou-se ser simultaneamente o «Dia dos Namorados», que a maioria dos países festejam (no Brasil, esse dia comemora-se a 12 de Junho). Até se podia pensar que dedicar um dia ao enamoramento é proposta assaz nobre e reveladora da necessidade de se dar importância social à espiritualidade de valores elevados - como o são o amor, a paixão, o galanteio encantador -, contra a crença contemporânea no positivismo das coisas materiais, no desenfreado mecanismo de produtividade e competitividade, no pragmatismo tecnocrático ou nas dinâmicas de crescimento e prosperidade económicos...
Na verdade, é esta última crença a força motriz do «Dia dos Namorados» que, tal como o Natal, incute modas sociais que constituam um filão comercial a explorar, maximizando a actividade empresarial em tempos de fervor consumista mais contido. E isso tem dado certo: são relógios, flores, bombons, jantares, sessões de cinema, lingerie, perfumes e o mais que a imaginação e o marketing possam vislumbrar.
Portanto, no confronto do espírito com a matéria, aquele subordina-se claramente a esta a um ponto tal, que a razão de ser dos elementos imateriais de cultura é cada vez mais indistinta dos seus elementos materiais. É assim com o Natal, a Páscoa, o Carnaval, os santos populares e outras efemérides da história individual e colectiva... Vivam os namorados, ou não fossem eles também um grande negócio!

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Post merdoso!

A semântica associada ao termo «merda», na língua portuguesa, é deveras curiosa e a sua riqueza polissémica (inversamente proporcional à pobreza de dejecto que materialmente representa) evidencia a frequência com que ela é oralmente proferida. Eis alguns exemplos justificativos:
i) como indicação geográfica: "Onde fica essa merda?"
ii) como indicação de sentido: "Vai à merda!"
iii) como indicação de horário: "18:00h! Vou embora desta merda."
iv) como qualificativo: "És uma merda!"
v) como indexador monetário: "Isto não vale uma merda!"
vi) como indicador salarial: "Trabalho tanto e não ganho merda nenhuma!"
vii) como qualificação profissional: "Só fazes merda!"
viii) como indicativo experiencial: "Ele já faz muita merda!"
ix) como sinónimo de cobardia: "És um merdas!"
x) como questionamento dirigido: "Fizeste merda, não foi?"
xi) como indicador visual: "Não vejo merda nenhuma!"
xii) como sensação olfactiva: "Isto cheira-me a merda..."
xiii) como elemento de dúvida: "Por que não vais à merda?"
xiv) como desconhecimento e surpresa: "Que merda é essa?"
xv) como indicador natalício: "Não recebi merda nenhuma de presente!"
xvi) como auxiliar de aceleração: "Rápido com essa merda!"
xvii) como indicador de espécie: "O que esse merda pensa que é?
xviii) como indicador de continuidade: "É a mesma merda de sempre..."
xix) como indicador de desordem: "Está tudo uma merda!"
xx) como aplicativo de resultado: "Só podia dar merda!"
Certamente que esta lista do âmbito semântico de tão nauseabundo termo não esgota outros usos lusófonos possíveis e que conferem odores mais foneticamente higiénicos e estabelecidos no vernáculo idiomático. Este é o que se pode chamar um post... da merda!

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terça-feira, fevereiro 13, 2007

Primum vivere deinde philosophare - 33

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Humores # 1

Uma possível diferença entre mulheres com as seguintes idades: 8, 18, 28, 38, 48, 58, 68, e 78.
Aos 8 - Tu leva-la para a cama e contas-lhe uma história.
Aos 18 - Tu contas-lhe uma história e leva-la para a cama.
Aos 28 - Tu não precisas de lhe contar uma história para a levar para a cama.
Aos 38 - Ela conta-te uma história e leva-te para a cama.
Aos 48 - Tu contas-lhe uma história para evitar levá-la para a cama.
Aos 58 - Tu ficas na cama para evitar ouvir a história dela.
Aos 68 - Se a levares para a cama, isso já será uma grande história!
Aos 78 - Que história?? Que cama?? Quem és tu??

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Ilustre reformado activo

Soube pelos jornais que Jorge Sampaio presidiu anteontem a uma secção de voto numa escola de Lisboa. Apesar de eu considerar que ele foi um chefe de Estado frouxo e apático no plano político, devo reconhecer que o ex-Presidente da República confirmou mais uma vez, e agora descomprometido da acção política (a crer nas suas intenções) e sem ter necessidade dos holofotes mediáticos nem dos 72,64 euros de compensação atribuídos aos cidadãos que estiveram nas mesas de voto, ser uma pessoa afável, acessível e com a humildade cívica suficiente para descer à base social em que se movem os cidadãos anónimos.
Tal comportamento é tão pouco habitual que despertou a atenção de órgãos de comunicação não apenas nacionais: a CNN e a Al-Jazira deram cobertura ao facto.
Parabéns Dr. Jorge Sampaio! Provou que, por vezes, os cidadãos podem ser mais activos na situação de reformados!

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Complexo de Pinóquio (7) - o vendedor

"Se houver algum problema, volte cá que eu troco!"

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Legendar o silêncio icónico (30)

Estão por apurar as vantagens da obesidade!
(À atenção das anorécticas...)

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segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Agora SIM!

Surpreenderam-me positivamente os resultados do referendo sobre a IVG: o «sim» teve mais quase 20% de votos que o «não» (há oito anos a diferença foi de simples décimas!). Nunca antes o sentido maioritário de voto dos portugueses me deixou tão satisfeito e esteve tão em sintonia com o que penso e advogo. Porém, lamento que a maior parte dos eleitores não tenha exercido o seu dever cívico, tendo a abstenção sido de 56,4% (mas em 1998 foi de 68,1%).
Apesar de a percentagem de abstencionistas voltar a ser, em referendo, superior a 50% e, portanto, não ser constitucionalmente vinculativo, os resultados deste sufrágio vinculam politicamente a Assembleia da República, induzindo-a à efectiva despenalização da IVG até às dez semanas. Além disso, se os cadernos eleitorais estivessem actualizados, então é perfeitamente admissível que a abstenção pudesse ter sido inferior a 50% (por exemplo, a minha avó paterna faleceu em Janeiro último e o seu nome consta dos cadernos!). É que 6% é uma margem exígua para um apuramento exacto e real do vínculo jurídico, infelizmente impossível de estabelecer.
Os números são inequívocos e permitem concluir que a IVG já não é uma questão fracturante na sociedade portuguesa: a percentagem de votos no «sim» (59,2%) foi superior à percentagem de votos no «não» (40,8%) e à própria abstenção (56,4%). Ou seja, o silêncio da abstenção traduz indiferença - quem cala consente! - e, por conseguinte, do universo de cidadãos eleitores que expressaram a sua opinião pelo voto (43,6%), os adeptos do «não» são em número ainda menos representativo (17,8%). Abstencionistas e defensores do «sim» correspondem a, seguramente, mais de 4/5 do eleitorado (82,2%)!
Continuo a pensar que o referendo era desnecessário e só a falta de coragem política do governo levou demagogicamente o país a sufragar uma matéria delicada, do foro íntimo da consciência e da liberdade individuais e referente a um domínio diminuto de incidências. Portugal não se pode dar ao luxo de gastar dez milhões de euros, deste modo.
Por fim, duas últimas notas: se Portugal é um país predominantemente católico, as prédicas dos sacerdotes da igreja italiana têm sido mais escutadas e seguidas pelas estátuas nos altares, do que pelos fiéis de carne e osso (mas também os dogmas têm pés de barro!); o discurso do médico João Malta, na análise dos resultados que apresentou em nome dos movimentos do «não», revelou uma obscena falta de ética política e um mau perder inqualificável, expressos num argumentário retorcido, enviesado e ilógico, próprio de quem não sabe viver em democracia (mas tão de acordo, afinal, com o fundamentalismo obscurantista e irrealista de tantas falácias esgrimidas na campanha pelos sectores do «não»).
Regozijo-me por, a partir de agora, as mulheres e os homens deste país terem conquistado uma margem de liberdade que só por atavismo e preconceito lhes escapava. O aborto clandestino pode agora diminuir e Portugal deu um passo que tardava rumo a melhores práticas civilizacionais.

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sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Pense por si(m)!



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Referendar a IVG - 8ª parte

Finalmente, a campanha para o referendo sobre a IVG chega ao fim. Termina uma coisa que nem sequer devia ter começado, pois o Parlamento tem autoridade legal e legitimidade política para legislar acerca desta polémica e delicada matéria, e não o fez, delegando num dispensável escrutínio popular o que cabe ao poder político fazer. Com a decisão de referendar a despenalização do aborto até às dez semanas, o governo de Sócrates fomentou a divisão da sociedade e expôs demasiado um drama que só à consciência individual cabe resolver, abrindo feridas e conflitos, alimentando a poluição sonora causada por um despudorado e atávico argumentário conservador que insiste em deixar hipocritamente as coisas como estão.
É um gasto de dinheiro desnecessário num país pobre, e não é por haver referendo que a parte vencida vai deixar de, a médio prazo, ressuscitar a questão e voltar a reivindicar a sua posição de alteração da lei, bastando chegar ao poder e ter a coragem de o assumir em programas de governo apresentados nos períodos de campanha. Por outro lado, há o risco de, mais uma vez, o referendo não ser vinculativo devido a uma abstenção superior a 50%: com isso, questiona-se inadvertidamente a continuidade da validade democrática do instituto do referendo e desautoriza-se a responsabilidade cívica dos eleitores que compareceram nas urnas de voto.
Por mim, os referendos, já que se realizam, deviam ser todos vinculativos, independentemente do número de votantes. Além disso, devem continuar a ser um instrumento de decisão política consagrado na Constituição, mas referentes a matérias que interfiram claramente na vida de todos os cidadãos, como a soberania nacional ou a divisão administrativa do país. O aborto é, claramente, uma questão de consciência moral individual e afecta uma parte residual dos cidadãos. Se se referenda o aborto, a eutanásia ou o casamento homossexual (o exemplo espanhol tem, infelizmente, servido de pouco), então mais importante é referendar o aumento do IVA sobre os bens essenciais, ou o encerramento de valências médicas e unidades de saúde, pois estas sim, são questões que interferem no quotidiano da totalidade dos cidadãos. Ora, cínica e cobardemente o poder político não faz isso, referendando-se o importante mas acessório, em vez do essencial e que não tem a ver estritamente com a consciência individual.
Mas cumpramos o nosso dever, com o zelo de quem preza a democracia e concluamos o jogo que começou a ser jogado. Eu voto:

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Irmãs da desgraça

Os falaciosos argumentos anti-IVG esgrimidos por altos membros do clero português e outras personalidades mediáticas ligadas ao catolicismo, motivaram-me a seguinte reflexão.
Embora eu seja convictamente ateu, considero a religião uma forma humana de configurar o sentido da existência que, na sua função espiritual e psicológica, é plausível, legítima e não prejudicial. Ou seja, a religião (natural ou positiva) fornece conforto espiritual e protecção emocional à comunidade de crentes.
Porém, há uma evidente e subversiva instrumentalização das religiões por parte dos poderes instituídos, Estados e Igrejas. Enquanto instituições, as Igrejas das diversas confissões organizam a religião como plataformas de intermediação com a transcendência, de poder idiossincrático e de controlo social. Daí que seja necessário distinguir o fenómeno «religião» da superestrutura «igreja», seja qual for a ortodoxia (hindu, judaica, cristã, islâmica, etc.).
Mas culpabilizar a religião também é muitas vezes um subterfúgio estratégico - retórico e/ou político - usado pelos que se querem eximir de responsabilidades políticas ou humanitárias. Isto porque conflitos variados, como o do Médio Oriente entre judeus israelitas e islamistas palestinos, sempre existiram ao longo da História; as guerras são factos recorrentes no tempo e no espaço, remontando aos alvores da humanidade, quando os credos religiosos nem sequer estavam ainda constituídos. A vontade de guerrear, inerente à vontade de poder, de território, de competição, é intrínseca ao Homem e releva, afinal, da sua original condição animal.
Genericamente, as guerras realizam-se em nome de ambições desmedidas pela posse de bens e território, concomitante com interesses económicos que têm a ver com a apropriação e exploração de recursos naturais; ou resultam de situações pré-existentes de dominação, produtoras de injustiças, pobreza, segregação, ódio, desespero e discriminação.
Se hoje as guerras têm um carácter mais abrangente e universal nas proporções que assumem e na escala da sua divulgação mediática, isso deve-se sobretudo ao avanço tecnológico proporcionado pelo coevo arsenal de saber e conhecimentos acumulados pelo Homo sapiens sapiens.
Ora, como construção humana que é, o fenómeno «religião» potenciou a emergência de organizações que mais não são do que formas seculares e terrenas de a concretizar. As «igrejas», sendo inelutáveis criações humanas, espelham a sede de poder e imiscuem-se em todas as áreas da vida social, mesmo nas que não lhe deviam pertencer, tudo "em nome de Deus". Pelas leis que adoptam, as comunidades humanas são, directa ou indirectamente, radical ou moderadamente, teocracias específicas.
É aqui que as guerras e a religião se entrecruzam, quais irmãs da antropológica desgraça: ambas procuram respostas, decorrem do instinto de sobrevivência, de preservação e do medo da morte (e de outras formas de anulação), do desconhecido, do imprevisto, da precariedade e contingência, da necessidade de demandar certezas e ritualizar rotinas e processos existenciais. Não surpreende, portanto, que as «igrejas» promovam, manipulem e sejam responsáveis por tantas atrocidades históricas, que actualmente persistem, consolidando-se como justificação que sustenta e impulsiona opções e acções, em contextos sociais, políticos e económicos de determinadas mundividências.
E, assim, faz-se a História, com a graça de Deus!

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quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Austeridade?


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Cartazes de campanha


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quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Porcarias

Segundo algumas estimativas fidedignas, uma em cada quatro pessoas é chinesa. Por conseguinte, cerca de 25% da população mundial começou por estes dias a festejar a chegada do Ano do Porco, animal que simboliza a abundância e a fertilidade - será por isso que estamos habituados a que muitos mealheiros tenham a forma de um porco?
Neste canto lusitano, também os portugueses teriam razões de sobra para se associarem ao sínico ritual e aplaudir a aurora do Ano do Porco: do focinho ao rabo, o desgraçado suíno é prato nacional sob diversas formas (couratos, torresmos, febras, bifanas, rojões, cozido, presunto, chouriço, banha, farinheira, alheira, fiambre, orelheira, morcela, mortadela, salpicão, etc.), constituindo um ingrediente fundamental da dieta mediterrânica. Além disso, o porco tem o azar de ser o mamífero cujos órgãos e fisiologia é globalmente mais semelhante aos do homem, o que os transforma em cobaias deste, expondo-os às lâminas cruéis da experiência laboratorial.
Tomara aos desditosos porcos que os cristãos se convertessem ao judaismo ou ao islamismo - religiões que os consideram uma «porcaria» -, diminuindo assim o número dos seus predadores. Por outro lado, há motivos para poupar tão dócil e afável espécie da semântica pejorativa que lhes é atribuída em asserções do tipo "és muito porco!", ou "seus porcalhões!", ou ainda "ver/fazer porcarias"...
Contudo, atendendo às injustiças, tragédias e outros problemas da (des)humanidade, é bem possível que a Terra se esteja a transmutar numa imensa pocilga!
Post Scriptum - Dedico este post ao povo da Bairrada, em geral, e da Mealhada, em particular...

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Complexo de Pinóquio (6) - o anfitrião

"Já te vais embora? Ainda é cedo!"

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Primum vivere deinde philosophare - 32




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terça-feira, fevereiro 06, 2007

Legendar o silêncio icónico (29)

Com a inflação, mantem-se o preço ou muda-se a placa?
(E na Guarda haverá PSP?)

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Dois tristes "manéis"

I. De visita à China, o ministro da Economia, Manuel Pinho, declarou publicamente que uma das cinco vantagens competitivas para o investimento estrangeiro em Portugal é a prática de baixos salários, a que acresce a docilidade dos portugueses ("a pressão para a sua subida [dos salários] é muito menor do que nos países do alargamento"). Esta constatação, assim manifestada, teve o efeito de pôr os olhos em bico de empresários e sindicalistas - pô-los assim de acordo não é tarefa fácil! - e demais herdeiros do vimaranense conquistador, e revela um freudiano 'acto falhado' do ministro: afinal, defende ele um modelo de desenvolvimento que valoriza os baixos salários como factor de competitividade. Isto contradiz o discurso oficial do governo e os pressupostos do «choque tecnológico» e dizê-lo aos chineses é o mesmo que querer ensinar a missa ao padre...
Desconhecerá Manuel Pinho que os baixos salários em Portugal são justamente uma das razões fundamentais do nosso atraso e das escandalosas assimetrias sociais cada vez mais acentuadas? E saberá o douto ministro que uma das estratégias chinesas, quando se instalam no estrangeiro, é recrutar mão-de-obra também ela chinesa, por ser mais barata? Quererá ele vender frigoríficos a esquimós?
Os Direitos Humanos devem dizer pouco ao socrático ministro e, por outro lado, transparece a ideia de que em Portugal é que se fazem verdadeiros «negócios da China», com preços de saldo todo o ano! Tal discurso mais parece o de um político terceiro-mundista ou o de um empresário sem escrúpulos adepto de deslocalizações selvagens, e não o de um prezado responsável de um governo europeu.
II. A este propósito, afirmou o inominável Manuel Alegre, em sessão parlamentar, que: "como democrata e como socialista entendo que a economia e os negócios, seja qual for o contexto, não podem estar acima dos direitos políticos, humanos e sociais". Quando é que o vetusto deputado aguedense tomará consciência de que o seu PS já não existe e, desde as últimas presidenciais, já ninguém o leva a sério no Largo do Rato?
Em suma, cada um a seu modo, os dois «manéis» são personagens de triste comicidade que, ambos ridículos, denotam que em Portugal as coisas mudam para ficarem na mesma!

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segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Complexo de Pinóquio (5) - o recém-casado

"Até que a morte nos separe!"

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sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Cartaz de campanha


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Referendar a IVG - 7ª parte

11. OUTRAS FALÁCIAS DOS MOVIMENTOS PELO "NÃO"

a) Com o referendo do próximo dia 11, não se pretende "liberalizar" o aborto, pois, vencendo o "sim", o mesmo só poderá ser realizado até às dez semanas e em estabelecimento de saúde autorizado. Invocar a "liberalização" como argumento contra a despenalização (que é o que se pretende com o referendo) é pura má fé, demagogia e desonestidade. Pelo contrário, nos actuais moldes é que a IVG está liberalizada e alimenta um mercado negro da saúde verdadeiramente escandaloso, haja dinheiro!
b) Os partidários do "não" incorrem na hipócrita aporia intrínseca da sua posição, a saber, querem a manutenção de uma lei (o artigo 140º do Código Penal) que criminaliza o aborto, mas não dizem clara e inequivocamente se as mulheres que o praticam ilegalmente devem ou não ir presas. Afinal, uma lei estabelece regras a cumprir e sanções, não tendo apenas um efeito sugestivo!
c) Parece que só quem defende o "não" defende a vida como valor fundamental, quando se sabe que não há consenso sobre se as diferentes fases de desenvolvimento embrionário, mormente as iniciais, têm ou não o mesmo estatuto dado à vida após o nascimento. É a dogmatização do conceito «vida» que retira lucidez à discussão, acabando mesmo os ditos "pró-vida" a discutir o que dizem ser indiscutível!
d) Os defensores do "não" defendem que a vida humana começa desde o momento da concepção e, portanto, o feto é um ser humano desde o zigoto primordial e tem direito inalienável à vida; simultaneamente, argumentam que a lei em vigor é boa. Porém, a mesma estabelece, entre outras excepções, que a IVG é permitida até às 16 semanas (!) se resultar de acto de violação.
Mas, então, como compatibilizar aquele princípio do direito à vida com a defesa da actual lei? Não será que há "mais vida" às 16 semanas do que às 10? Ou o feto que resultou de uma violação tem "menos vida"?
Os defensores do "não" criam as aporias em que se enredam e incorrem em infeliz contradição.
e) Os movimentos anti-IVG dizem reprovar a ideia de o dinheiro dos contribuintes ser canalizado para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) efectuar abortos. Mas que dizer das despesas do SNS com as complicações que resultam de abortos clandestinos mal realizados? Além disso, eu também reprovo que o dinheiro dos contribuintes sirva para pagar a juízes, tribunais e prisões para dar cumprimento a uma lei iníqua como a actual e para muitas outras coisas com as quais discordo...
Aliás, despenalizar a IVG até às dez semanas e realizá-la em estabelecimentos do SNS potencia o acesso para intervir junto das mulheres, sobretudo das adolescentes (30% das mulheres que abortam em Portugal!), permitindo prevenir reincidências de IVG e complicações pós-aborto.
Está nas mãos dos portugueses, através do seu voto no "sim", combater a inércia política e o atavismo de preconceitos e mundividências retrógradas e irrealistas. Será que os eleitores deste país saberão estar à altura? A julgar por outros sufrágios, penso que não... Oxalá me engane!

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quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Há 1 ano na blogosfera!

Hoje é o 366º dia Sem Quorum, 227 posts depois!
Fazemos parte da (r)evolução!

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Primum vivere deinde philosophare - 31

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