Li com apreensão a seguinte notícia inclusa na edição de ontem do pasquim do Sr. Fernandes: "Portugal tinha de apresentar à Comissão Europeia, até amanhã, o Plano Nacional de Alocação de Licenças de Emissão (PNALE), que distribui os direitos de poluição com dióxido de carbono pelas indústrias. O Governo não vai cumprir o prazo, dada a dificuldade de entendimento entre o Ambiente e a Economia sobre o total de licenças a atribuir. A versão do PNALE colocada no princípio do mês em discussão pública é tida pelo Ministério da Economia como um documento do Ministério do Ambiente e que é preciso emendar. A indústria está insatisfeita e reclama mais direitos de emissões. O que está a ser negociado é a introdução de mais medidas no Programa Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC), que reduzam o impacto das emissões de outros sectores, eventualmente nos transportes. Isto permitiria à indústria poluir mais e também acomodar novos investimentos com grandes emissões de carbono, como a expansão da refinaria da GALP em Sines e novas centrais eléctricas a gás natural. (...) A associação patronal [CIP] não aceita o novo PNALE, está contra os obstáculos ambientais à construção de novas barragens e à instalação de projectos turísticos na costa alentejana, no Alqueva, no Douro, e ataca ainda a nova Lei da Água. «A economia está completamente asfixiada», diz Francisco Van Zeller, presidente da CIP."
Por este andar, asfixiados vamos andar todos nós com o modo criminoso como se adoptam modelos de desenvolvimento económico incompatíveis com questões ambientais, sabendo como sabemos que Portugal é já um dos maiores poluidores no mundo. Afinal, como bons aliados dos Estados Unidos que temos sido, há que mandar às malvas o Protocolo de Quioto. E como irá ser quando os recursos do planeta estiverem irreversivelmente esgotados?
Esta questão preocupante desemboca na decana civilizacional apologia de uma irrefutável confiança no capitalismo globalizado, o qual é um perigo para a democracia - e, em geral, para as sociedades abertas e os Estados de direito -, comparável mesmo com ideologias totalitárias dominantes num passado recente e remoto. Aliás, esta asserção é defendida em «A Crise do Capitalismo Global - A sociedade aberta ameaçada», de George Soros, um insuspeito especulador bolsista, advogado do sistema capitalista.
Localizando a problemática, acontece que, em Portugal, os grandes empresários não se contentam com as indulgências e benefícios de que são destinatários da mercê subserviente do poder político - favorecimento do poder económico esse que se constitui como um proteccionismo paradoxalmente oposto à economia de mercado pura e dura, que dizem defender - e, pela voz mais mediatizada de Belmiro de Azevedo, recorrentemente e até à náusea se ouvem declarações insolentes e depreciativas da legitimidade política na regulação da res pública e que, por extensão, ferem a dignidade da soberania popular e da própria democracia. A arrogância do Tio Patinhas marcoense chega ao ponto de propor uma nova Constituição que entronize de vez a ditadura do poder económico e que emagreça e subalternize o poder político (aventa a ideia de um primeiro-ministro, dez ministros e cem deputados, e talvez ainda quisesse acrescentar que tal estrutura fosse composta por quadros da Sonae escolhidos por si e o Estado deixasse de gastar dinheiro em eleições!) - estamos perante mais um avanço na configuração ideológica do sistema democrático...
Com isso, Belmiro e seus pares matariam vários coelhos de uma só cajadada, permitindo-lhes acumular ainda mais capital (veja-se o sector bancário) num quadro de baixos salários e consequente elevada taxa de poupança, imunes que estariam ao escrutínio eleitoral que lhes tiraria qualquer preocupação e sensibilidade para promover valores sociais e políticos (veja-se o caso da Opel da Azambuja). O caminho mostra-se sinuoso na concretização efectiva de um desenvolvimento sustentado que conjugue harmoniosamente a protecção ambiental com a adequada criação, produção e justa distribuição de riqueza, e dúvidas não tenho de que será por obra do capitalismo globalizado que a teoria económica marxista ressuscitará do adormecimento provocado pelas ilusões construídas à volta da queda do muro berlinense. Como dizem os ancestrais aforismos, "quem com ferros mata, com ferros morre" e "o feitiço volta-se sempre contra o feiticeiro"! Saibamos interpretar o mito de Sísifo...
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